Zeca Pagodinho enfrenta o jornalismo-patrulha da 'Folha'
A entrevista de Zeca Pagodinho publicada nesta sexta-feira (22) na Folha de S.Paulo vai, digamos assim, muito além da encomenda. O mérito não é tanto da repórter Laura Mattos, que parecia mais preocupada em dar uma demonstração do jo
Publicado 22/02/2008 21:35
Pagodinho está na capital paulista para apresentar, pela terceira vez, seu Acústico MTV Zeca Pagodinho 2: Gafieira. O que parecia o pretexto da entrevista cai logo na primeira linha do texto de Laura Mattos: o cantor, escreve ela, “não tem o que dizer sobre seu show de hoje e amanhã em São Paulo”. Quem garante – Pagodinho ou Laura? Não há pistas, você decide.
Só que é uma afirmação curiosa, já que o título, a foto e a ficha técnica da matéria dizem respeito justamente ao espetáculo. E, ao trair a promessa de seu texto-produto, coube à jornalista fazer até um apelo aos leitores: “Isso não significa que não vale a pena ler esta entrevista”.
Vale a pena ler, sim. A repórter começa mansa – a velha tática da grande mídia. “Como será seu novo disco?”, pergunta ela a Pagodinho, que responde na lata: “Ué, de samba”. Começou o embate. Quem muda primeiro de tom é Laura: “Isso eu já imaginava…”. E o cantor esclarece: “É o que faço sempre, com Zé Roberto, Arlindo, Almir Guineto, Monarco…”.
Depois de mais duas indagações amenas (“Você compôs algo?” e “Você fez 49 anos agora. Com se sente quase cinqüentão?”), a entrevistadora abre as cartas e vai, finalmente, para os assuntos que lhe interessam: bebidas alcoólicas, alcoolismo, propaganda de cerveja, a polêmica entre Pagodinho e o ministro da Saúde, Jose Gomes Temporão..
Laura dá a entender que é ela que não tem o que tratar com Pagodinho em termos artísticos. Nem por isso o cantor se constrange diante do jogo. Com bom humor, firmeza e convicção, Pagodinho não foge das perguntas – e dá até umas espetadas na mídia. Diz que só é procurado para falar de cerveja por uma razão simplíssima: “é porque tô no auge. Se tivesse lá embaixo, ninguém lembrava de mim”.
Confira abaixo a íntegra da entrevista.
Como será seu novo disco?
Ué, de samba.
Isso eu já imaginava…
É o que faço sempre, com Zé Roberto, Arlindo, Almir Guineto, Monarco…
Você compôs algo?
Deixo com a rapaziada, porque é uma caderneta de poupancinha pra eles. Tem um pessoal que tá lá atrás, precisando arrumar um qualquer.
Você fez 49 anos agora. Com se sente quase cinqüentão?
Tem muita gente que eu conheci que não conseguiu chegar nem a 30 porque ficou doente, mataram, sumiu.
O que acha do Zé da Feira (Eri Johnson), o sambista de Duas Caras inspirado em você?
As dificuldades de subir na carreira têm a ver comigo. É um cara que lutou, teve dificuldades, o vício da bebida, conheci várias pessoas assim.
O fato de ele ser alcoólatra não incomoda?
Mas eu não sou alcoólatra, não ando caído de bobeira na rua. Ele é inspirado, porra, não é o Zeca Pagodinho.
A cerveja não atrapalha a sua vida em nenhum momento?
Minha vida é que atrapalha a minha cerveja. Quando tô bebendo, tem sempre alguém pra falar comigo.
Você se irrita por sempre ser procurado para falar de cerveja?
Não, isso é porque tô no auge. Se tivesse lá embaixo, ninguém lembrava de mim.
O que pensa sobre o projeto de tornar crime dirigir após tomar mais de duas latas de cerveja?
É certo. Fizemos o bloco da Cachaça; a letra do samba dizia que “volante com cachaça não combina, sou um cachaça, mas não sou burro”. Fiz um outdoor “Se beber, vá de táxi”. Já tão achando que levei uma nota dos táxis, do Detran, não levei porra nenhuma, levei sim uma luta pela vida.
Você dirige após beber?
Não, nem antes.
Você não dirige?
É porque tô renovando minha carteira, nunca dá, e pra não ficar me aporrinhando vou andando a pé, tem motorista, entro em qualquer carro, “me deixa ali cumpade”.
Continua irritado com o ministro da Saúde (que propôs que artistas não anunciassem bebida)?
Não, não é um cara de bobeira não, sabe o que faz. Mas tem que ter um projeto mais de educação do que punição. Aí vai prender, e qualquer dia essa porra vai virar só grade.
E a reclamação dos gays que não gostaram da tradução de “happy hour” para “hora alegre” em seu comercial da Brahma?
Falei pros caras que ia dar problema, mas eles mandam. Não tinha a intenção de ofender. Eu me dou bem com todo mundo, tem uma porrada de veado que vem aqui em casa, cada um na sua, eles pra lá, eu pra cá. Quem quer dar dá, quem quer comer come, cada um viva a sua vida.