Crônicas feministas

Por Sinthia Mayer*
Enquanto militante que vem atuando no movimento de mulheres, confesso que muitas vezes me deparei com uma aparente solidão. As tarefas do dia-a-dia nos consomem de tal maneira que perdemos a visão do todo. Tenho aprendido que o ta

Natural, ainda reina no movimento um sagaz corporativsmo, auto consumo em lutas intestinais, confinadas ao próprio umbigo. A complexidade da nossa tarefa exige um olhar mais atento, afinal enquanto o pós-modernismo anuncia o fim da luta de classes e o surgimento de novas identidades, nós comunistas dizemos que é possível articular a luta específica com a luta geral. Que só uma sociedade mais justa, livre e igualitária, poderá criar condições para emancipar a mulher da opressão de gênero.


 


Fiquei por um certo tempo afastada de Porto Alegre, e o meu retorno a esta cidade coincide com minha atuação mais qualificada no movimento de mulheres.Nunca vou  esquecer  quando entrei na sala onde acontecia a Conferência Estadual do RS sobre a questão da mulher. O clima era de intenso debate. Morando em outras cidades, minha militância ficou limitada a atividades  mais gerais, tive pouca vida partidária nos últimos anos. Por isso a minha satisfação, misto de alegria e curiosidade. O debate sobre as cotas foi interessante, quase passional, a ponto de fazer meu companheiro mudar de opinião. Me senti tranqüila, pois ali estava o partido vivo, sintonizado com a realidade. Meses depois acabei assumindo a coordenação da UBM em Porto Alegre e aí tive a real dimensão da ousadia partidária.


 


Nesses últimos meses, tenho aprendido muito, ouvido muito, mesmo quando o sentimento inicial é de indignação e a vontade é de “ chutar o pau da barraca”. Nem sei se alguém ainda usa essa expressão.|Também não sei se alguém ainda ousa usar a expressão  para explicar homens de sucesso, afirmando que “atrás desse homem há sempre uma grande  mulher”. Nas minhas andanças pelo Brasil, fiz várias amigas e me surpreendia quando ouvia  de algumas o quanto se “ realizavam abdicando de suas carreiras em prol dos maridos”. No início me espantava com tais declarações, mas logo passei a observá-las e percebi o quanto elas subvertiam a aparente “ devoção”.


 


Com certeza, não existem mais grandes mulheres escondidas atrás de “homens de sucesso”. No máximo, existem mulheres presas, que dia após dia, tecem sua libertação às vezes silenciosamente, pra logo bater em revoada.


 


O século XX foi marcado pelo protagonismo das mulheres. Estamos aí, dividindo o sucesso com os homens, mesmo quando isso implica em chefiar a família, ter dupla jornada de trabalho ou salários menores.


 


O mês de março, que tem no dia 8, marco simbólico da luta de mulheres de todo o mundo foi outro momento de aprendizado para mim. A preparação das atividades e a intervenção de forma qualificada de nós mulheres comunistas. Participamos da construção do Fórum Estadual de Mulheres e do calendário de atividades de forma propositiva, somos protagonistas da nossa história.


 


Mas hoje peço licença às minhas camaradas, que com sua generosidade e cumplicidade têm me ensinado muito, para falar de homens que, quando solicitados, forma parceiros.


 


Penso que nós todas, conhecemos e convivemos com homens que imprimem na sua prática respeito e compreensão pela questão da emancipação da mulher. Eu mesma tive o privilégio de conviver um bom tempo ao lado de um homem assim.


 


Porém, falo aqui de homens comunistas, que conscientes de seu papel histórico e de que o poder na sociedade ainda é masculino, colocam esse poder a serviço da luta pela emancipação da mulher. Presenciei a partir da contribuição deles que a questão da mulher efetivamente passou a ser uma questão de todo o partido. Mesmo que alguns deles não tenham entendido toda a dimensão da colaboração, entenderam o essencial: ali se tratava de uma tarefa partidária.


 


Pude aí perceber que a sensação de solidão que me aflige, é puro cansaço, mais nada. Que a construção do movimento de emancipação, não se dá apenas no debate teórico, mas se realiza na realidade objetiva, de forma concreta, por homens e mulheres.


 


Senão, como explicar a generosidade e a objetividade do Assis; o olhar atento e preciso do Clomar; o desprendimento do Guiomar e do Valmir; a paciência do Moisés ao auxiliar as mulheres do Fórum a organizarem seus materiais em pleno domingo; o esforço do Matheus ( Xuxa) em me convencer que Vinícius de Morais entendia a alma feminina, enquanto a Cora ouvia Chico Buarque pelas madrugadas de Porto Alegre; a dedicação do Júlio, dirigindo por Porto Alegre, minutos antes de começar a marcha do dia 7/03, para entregar o material da UBM; a sensibilidade do João Cony ao cantar esperança para mulheres que cumprem pena; a compreensão do Fabrício ao ir para a Marcha do dia 7/03 levando a Fabíola e a Paola, enquanto a Fabiane realizava na sua escola um debate com as jovens mulheres sobre a violência a que estão submetidas. Como explicar o olhar cúmplice do mesmo Guiomar, enquanto a Abgail discursava. Digo que aprendi com estes comunistas e com tantos outros que lutar pela igualdade entre homens e mulheres é uma construção histórica.


 


Num futuro não muito distante, quando a Ana Júlia, a Fabíola, a Paola, a Luiza, o João, o Gabriel, o Ricardo, o Ramiro e tantos outros iniciarem sua caminhada por uma outra sociedade, penso que a geração deles será marcada por uma relação entre homens e mulheres permeada de respeito e cumplicidade. Onde mulheres e homens possam caminhar lado a lado, protagonistas de sua própria história.


 


Sinthia Mayer


Coordenadora UBM/POA