Ocupação do Iraque: maior derrota americana pós-Vietnã
Os cinco anos da ocupação militar do Iraque pelos Estados Unidos marcam a pior derrota militar sofrida pelo país desde a Guerra do Vietnã. Após o longo período de ocupação, os EUA não garantiram domínio militar sobre a nação árabe, controlam áreas rest
Publicado 20/03/2008 18:24
Os Estados Unidos entraram na Segunda Guerra Mundial em dezembro de 1941, após o ataque japonês a Pearl Harbor. Levaram pouco menos de quatro anos para encurralar o Japão e, auxiliados pela União Soviética, derrotaram o império em agosto de 1945.
Para ajudar na empreitada, os EUA empregaram contra alvos civis, pela primeira vez na história da humanidade, bombas atômicas, que devastaram duas cidades japonesas e pulverizaram as vidas de mais de 300 mil pessoas em segundos.
A guerra da Coréia levou três anos até se chegar a um armistício. O Vietnã foi mais duradouro e mais violento, em termos oficiais. A primeira derrota americana teve início em 1964 e durou até 1975. A carnificina matou 3 milhões de vietnamitas, enquanto pouco mais de 58 mil americanos perdiam a vida na tentativa de manter o domínio imperialista no sudeste da Ásia.
No Iraque, morreram quase 4 mil soldados americanos, segundo a contabilidade oficial. A paralela, que o Pentágono não comenta e que envolve os feridos e os mortos em conseqüência de ferimentos e problemas psíquicos, é considerada como duas vezes maior que a oficial.
O que poucos colocam na contabilidade são as perdas dos mercenários, um exército de mais de 200 mil homens contratados pelas empresas americanas e que são apontados como os responsáveis pelo ''trabalho sujo'' na guerra, o que fez o número de baixas americanas ser considerado ''pequeno'' diante das condições sangrentas da ocupação.
A empresa Blackwater, uma das terceirizadas do Exército americano, esteve no centro de uma investigação militar há alguns meses. Seus mercenários foram culpados pela morte de 17 pessoas em um massacre nos arredores de Bagdá, em um tiroteio em que os mercenários atiraram a esmo. As cenas do tiroteio, gravadas por um dos mercenários, foram usadas pelo governo iraquiano para incriminar os mercenários e a empresa.
Os iraquianos perderam entre 660 mil e um milhão de pessoas, de acordo com diversas fontes bastante críveis na comunidade internacional, como a ONG britânica Oxfam e a Human Rights Watch e a indiscutível revista científica britânica The Lancet.
Uma crise humanitária sem precedentes se abateu sobre a região que é considerada pelos historiadores como o ''berço da civilização''. Mas de 2 milhões de iraquianos deixaram seus lares para se refugiarem no estrangeiro, principalmente na Síria e na Jordânia, enquanto cerca de 3 milhões estão espalhados pelo país, em condições desumanas de vida.
O desemprego no Iraque ultrapassou a cifra de 50% da população economicamente ativa do país, enquanto o fornecimento de água potável e luz elétrica caiu a níveis semelhantes ao dos anos 1930. Cerca de 30% da população tem acesso à energia elétrica — intermitente em grande parte do tempo —, enquanto somente 20% desfruta de água potável. Índices entre 6 a 8 vezes menores que os de 1990, antes da Guerra do Golfo, e ainda menores que os que antecederam a invasão de cinco anos atrás.
A ocupação do Iraque pelos EUA em 2003 foi rapidamente seguida pela brutal imposição de reformas neoliberais, em clara contradição com a lei internacional que proíbe que forças ocupantes reescrevam as leis do território ocupado.
A Autoridade Provisória, liderada por Paul Bremer, reduziu os impostos sobre rendimento (ordem 49); abriu todos os setores econômicos ao investimento privado estrangeiro (exceto o petróleo, setor protegido pela constituição), permitindo ao capital estrangeiro deter 100% das empresas Iraquianas e não impondo qualquer obrigação de reinvestimento no Iraque (ordem 39); suspendeu todas as tarifas aduaneiras (ordens 12 e 54); e garantiu imunidade criminal e civil às empresas estrangeiras a trabalhar no Iraque (ordem 17).
Estas medidas permitiram que, para reconstruir o Iraque, fossem contratadas sobretudo empresas americans, que não sendo obrigadas a contratar trabalhadores iraquianos, recrutaram trabalhadores estrangeiros.
Empresas como a Halliburton, Parsons, Fluor e Becthel receberam contratos na ordem de bilhões de dólares para reconstruir a rede de saneamento, de eletricidade, estradas, de abastecimento de água, destruídas durante a invasão.
Mas como os custos e uma taxa fixa de lucro estavam garantidos, muitas das obras não foram finalizadas ou sequer iniciadas, estando o Iraque ainda por ver os resultados dos milhões investidos.
Todo esse dinheiro gasto foi analisado recentemente pelo economista americano Joseph Stiglitz, em sua previsão de quanto o governo americano gastará com a guerra e a ocupação do Iraque. Os valores apontados por Stiglitz estão entre US$ 2 trilhões
US$ 3 trilhões. ''Custos diretos da intervenção já superam os da guerra do Vietnã e já são equivalentes ao dobro dos da guerra da Coréia'', revelou o economista em um artigo publicado no jornal Il Manifesto.
Stiglitz afirma que a guerra do Iraque é hoje a segunda mais dispendiosa na história dos Estados Unidos, depois da Segunda Guerra Mundial e a segunda mais longa depois do Vietnã. Ninguém contesta.
Na sua opinião, a ocupação do Iraque é uma causa oculta da crise atual de crédito. Segundo ele, o Federal Reserve respondeu à drenagem financeira massiva da guerra inundando a economia com crédito barato. Isso levou a uma fraude imobiliária que agora está afundando e levando consigo a economia para uma recessão.
Os EUA, em seus cinco anos de ocupação do Iraque, não conseguiram sequer assegurar o controle da estrada que liga a Zona Verde, área superprotegida no centro, ao aeroporto de Bagdá, uma distância de 24 quilômetros. Para percorrer a distância em segurança, uma pessoa teria de gastar US$ 5,1 mil dólares em dezembro de 2004. Valor que chegou a 35 mil dólares em dezembro de 2006, segundo o cineasta americano Michael Moore.
Os interesses econômicos da indústria bélica, do setor petrolífero e de financistas dos Estados Unidos estiveram por trás da invasão e da ocupação, ao perceberem que o euro poderia se tornar um padrão monetário mais estável, ameaçando o dólar enquanto moeda utilizada nas transações internacionais.
No final do ano 2000 o Iraque substituiu o dólar pelo euro em suas negociações relacionadas ao petróleo. Apesar de ter sido uma atitude isolada, que não foi seguida por outros países da OPEP, demonstrou ser uma ameaça para a hegemonia do capital estadunidense.
O falso pretexto de que o Iraque possuía ''armas de destruição em massa'' e a bobagem de ''levar a democracia ao Oriente Médio'' foram alegações que desapareceram sob as areias do deserto. Inspetores da ONU, como Hans Blix, advertiram o mundo que não existiam tais armas.
Em relação à exportação da ''democracia'', ditaduras e repúblicas aliadas dos Estados Unidos na região, como Arábia Saudita e Egito, vivem em condições políticas extremamente menos democráticas que as que o Iraque vivia quando foi invadido em março de 2003. O próprio Koweit, que serviu de cabeça-de-ponte para a invasão, tem um sistema ainda mais autoritário que o de Saddam Hussein.
A invasão e ocupação suscitou um questionamento global do papel que a ONU desempenhou e desempenharia a partir daquele momento. A iniciativa anglo-americana foi vista por muitos analistas como a falência da ONU, na medida em que os ''aliados'' desrespeitaram abertamente a mais importante entidade internacional.
Em sua intervenção para marcar os cinco anos da ocupação, Bush afirmou que sua administração ''entendeu que os EUA não podiam retroceder ante o terrorismo. Sabiamos que se não agissemos, a violência que consumia o Iraque teria piorado, haveria chegado ao nível de genocído'', disse, para justificar o aumento no número de soldados do país para o nível mais alto desde a invasão: cerca de 160 mil militares.
A derrota bate à porta de Bush. Sessenta dirigentes de empresas que antes haviam doado prioritariamente para a campanha de Bush — incluindo John Mack da 'Stanley Morgan', Rupert Murdoch da 'News Corporation' e Terry Semel da 'Yahoo' — bateram asas e foram reforçar os cofres das candidaturas democratas.
A impopularidade de Bush conseguiu fazê-lo engolir seu adversário John McCain, com quem concorreu à indicação para a corrida eleitoral em 2000. Hoje McCain é o candidato de Bush. Mas, naquele ano, ninguém diria que John Mccain seria o possível sucessor de Bush, depois de ter sido esmagado em primárias bastante polêmicas, com vários ataques pessoais a Mccain.
O senador do Arizona fez o seu caminho e esteve contra o corte de impostos de George W. Bush e foi um crítico da condução da guerra pelo secretário Donald Rumsfeld. Mas ao contrário do que é veiculado, sempre apoiou a intervenção no Iraque, esteve ao lado de Bush em 2004 na campanha contra John Kerry, inspirou o tal ''surge'' no Iraque realizado no ano passado e foi um dos impulsionadores da reforma fracassada da Lei de Imigração, apoiada pelo presidente.
Para o economista e jornalista americano Paul Krugman, “a questão não é se as coisas vão ficar feias depois de as forças americanas deixarem o Iraque. A questão é se faz sentido conservar a guerra por mais um ano ou dois, que é todo o tempo do qual dispomos, falando em termos realistas. Os pessimistas acham que, quando nos retirarmos, o Iraque vai mergulhar no caos. Se for verdade, será melhor partirmos mais cedo. Como disse um oficial citado por James Fallows na Atlantic Monthly, 'podemos perder no Iraque e destruir nosso Exército ou podemos apenas perder'”.