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OMC tentará avançar Rodada Doha antes das eleições nos EUA

O embaixador Roberto Azevedo, subsecretário-geral de assuntos econômicos do Itamaraty e principal negociador comercial do Brasil, perdeu a conta das viagens e articulações para reativar a Rodada Doha nos últimos tempos. Mas agora começa a ver uma “nesga d

A tendência é de um acordo ser estruturado na área industrial, por exemplo, como um “cardápio, onde cada um escolhe seu prato”, com a abertura do mercado adaptada a sua estrutura tarifária. Definido o tamanho dos cortes de tarifas e de subsídios, prazos para implementação dos compromissos, flexibilidades e exceções, os países partiriam para o calendário sobre cada alíquota no segundo semestre, além de tentar concluir os outros temas – serviços, regras (antidumping, subsídios), indicações geográficas, propriedade intelectual (Trips e biodiversidade).



Para Azevedo, se houver um acordo, o Brasil ganhará na negociação agrícola mais fatias para carnes, açúcar, soja, algodão, milho e outras commodities. Na área industrial, de um lado terá de fazer cortes em quase metade das tarifas de importação aplicadas, “mas cortes modestos e que podem ser absorvidos”. De outro, terá flexibilidade adicional para proteger setores sensíveis, como automotivo, calçados, brinquedos e têxteis.



Em Genebra, persiste muita prudência. De um lado, por causa dos repetidos fiascos da negociação. Depois, os governos estão concentrados na crise financeira global. E as resistências continuam fortes em vários países. Os franceses aumentam o tom, contrariados com concessões que a União Européia (UE) estaria disposta a fazer para fechar um acordo.



EUA



Azevedo reconhece esse cenário, mas aponta duas mudanças na negociação desde fevereiro. Diz que “pela primeira vez” os EUA se comportam como quem quer encontrar um acordo em abril, para concluir a rodada antes que o presidente Bush deixe a Casa Branca, em janeiro de 2009. “Desde julho do ano passado era só discurso, mas agora o interesse americano é perceptível na mesa negociadora, apesar de ter seus limites”, afirma.



Além disso, cresce o sentimento entre outros parceiros de que “estamos muito mais perto da hora da verdade”. Há interesse em não deixar a rodada para mais tarde, e não correr o risco de um novo governo dos EUA tentar reabrir barganhas já negociadas. “Ao contrário da percepção popular, está havendo uma enxurrada de atividades entre os principais países para concluir um acordo”, constata Martin Khor, um dos principais opositores da negociação global.



As delegações se concentraram, nas últimas semanas, em barganhas envolvendo duas questões prioritárias imediatas: a expansão de cotas agrícolas para produtos considerados sensíveis, e flexibilidades para os emergentes protegerem suas indústrias. Haverá cerca de 40 produtos agrícolas sensíveis. O corte tarifário desses produtos será apenas um terço do previsto pela fórmula que for aprovada. Se a redução na alíquota para carne bovina na UE for de 70%, sua redução fica em 23,3% como sensível. Mas a UE terá de compensar o exportador com cota (determinada quantidade com tarifa menor) ao produto.



A expansão da cota deve ser entre 4% a 6% do consumo doméstico do importador. A briga é como calcular essa expansão. Azevedo ilustra a dificuldade com o açúcar. A UE consome 17,4 milhões de toneladas por ano. Ocorre que o açúcar tem dezenas de linhas tarifárias – tem açúcar de cana, da beterraba, açúcar com cor, misturado com cacau, de confeitaria etc. Japão e Suíça, sobretudo, querem contabilizar só algumas linhas tarifárias. Alegam que açúcar usado em produto para exportação deve ficar fora do cálculo. Assim, a expansão da cota na UE seria calculada apenas pela metade das 17,4 milhões de toneladas. Para o Brasil, isso não tem o menor sentido.



O resultado é que cada produto sensível terá sua regra para a expansão da cota. Os países tentam definir o que é o produto básico, depois as linhas tarifárias de açúcar processado. Só então decidirão até onde o produto passou a ser chocolate, biscoito, alimentação para bebês. O cálculo pode ter impacto de milhões de dólares nos negócios. E se repete em todos os produtos.



Mercosul e UE



Na área industrial, Azevedo nota que EUA e UE, durante meses, se recusaram a discutir flexibilidades adicionais para o Mercosul. Só quando o mediador industrial, Don Stephenson, apresentou novo texto industrial, com várias opções de cortes e flexibilidades adicionais para proteção industrial, por exigência dos emergentes, é que os americanos e europeus finalmente se dispuseram a negociar.



Na estrutura de “cardápio”, o Brasil vai optar por mais linhas tarifárias protegidas. Isso implica corte cheio nas alíquotas em geral, mas apenas 50% desse corte para um maior número de setores industriais. Se o corte for de 50% para os produtos em geral, o país reduz em 25% em automotivo, calçados, brinquedos, têxteis etc.



A Índia tem posição diferente e vai optar por não fazer corte nenhum em 5% de suas tarifas industriais. O México, que faz 80% de seu comércio com um só país, os EUA, prefere outra combinação. Não quer flexibilidade adicional, e não ter de arbitrar quais indústrias se beneficiariam com a proteção. Prefere cortar menos em geral, e toda a indústria vai pagar igual a fatura da abertura. “O certo é que sem barganha entre indústria e agricultura, não podemos assumir maior esforço”, reiterou Azevedo. Ele reuniu representantes do agronegócio e da indústria, na semana passada, em Brasília, e diz que a conclusão foi positiva.



Se houver entendimentos nos textos industrial e agrícola revisados no começo de abril, e o diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, considerar que os textos tem apoio suficiente dos países, convocará ministros para a barganha final em meados do mês. Os ministros deverão permanecer em Genebra uma semana, pelo menos, na tentativa de evitar o fiasco total da rodada.



Fonte: Valor Econômico