Rondonoticias entrevista presidente do PCdoB

Um dos maiores sites de notícias do estado de Rondônia, o Rondonotícias, publicou neste fim de semana uma entrevista com o presidente estadual do Partido Comunista do Brasil.
 
A íntegra da entrevista pode ser acessada

''Na Assembléia mudam-se apenas os nomes e as caras, mas o modus operandi é o mesmo''
 



 
O comunista Júlio Olivar é o presidente do Diretório Estadual do partido mais antigo do Brasil, o PCdoB, que na próxima terça-feira (25/03), completa 86 anos de fundação.  Antes de entrar na política, Olivar, um filho de pequenos agricultores, era apenas o discreto comunicador, com atuação em jornais, rádios, TV e assessoria de imprensa. Estudioso da história, escreveu livros, faz parte da Academia Vilhenense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei(MG).


 


Mineiro, 34 anos, uma década de Rondônia e há apenas cinco anos na lida política. Neste curto período disputou duas eleições: para vice-prefeito de Vilhena e para vice-governador. Agora, é pré-candidato à prefeitura de sua cidade. Por isso, é visto como um bom articular, entendedor do sinuoso jogo do poder. Além do mais é um ''comunista'' que foge ao estereótipo: afável, carismático, sabe ouvir e transitar em vários segmentos.


 


Convidado pelo RONDONOTÍCAS, Olivar fala nesta entrevista do que o motivou a entrar na política. Fala também de comunismo, da atual composição da Assembléia Legislativa, do governo Cassol e da ruptura havida entre o PCdoB e o PT, que ganharam juntos a prefeitura de Porto Velho, em 2004.



 
 
RONDONOTÍCIAS – Qual o segredo para ter se tornado candidato a vice-governador, na chapa que ficou em segundo lugar nas eleições, sem ter sido antes sequer vereador?


 


JÚLIO OLIVAR – Em 2006, eu seria candidato a deputado estadual. Aceitei o desafio de ser candidato a vice-governador por conta da obediência a um projeto partidário. Não foi mérito de uma articulação pessoal. O segredo é simplesmente a coerência ideológica dos partidos envolvidos na disputa. Foi uma aliança entre PT e PCdoB, fechada em torno de idéias, projetos e princípios em comum. Em outros segmentos políticos é preciso, de fato, ter um curral eleitoral, muito dinheiro ou ser subserviente ao titular para pleitear um cargo de vice-governador. Geralmente, os figurões  e seus interesses acabam valendo mais do que um partido todo. Mas no nosso campo político é diferente. E mesmo sem recursos e sem o apoio de coronéis, saímos vitoriosos do processo, com certeza, mesmo que não tenhamos sido eleitos. Se o candidato do PMDB tivesse obtido apenas mais 4% dos votos teríamos chegado ao segundo turno. 



 
RONDONOTÍCIAS – Como ficou a relação entre o senhor e a sua companheira de chapa, a senadora Fátima Cleide (PT), após a derrota nas eleições passadas?



 
JÚLIO OLIVAR – A senadora cumpre um mandato ético, é respeitadora dos princípios do PCdoB. Isso basta. Admiro a história de lutas, sacrifícios e conquistas pessoais e políticas da Fátima. Agora, eu gostaria muito desta reciprocidade,  tendo-a em nosso palanque em Vilhena, com o PT nos apoiando para a prefeitura local. Mas, é lógico que isso não depende dela, é uma questão localizada. Seja como for, tenho o maior respeito por essa filha de Porto Velho. É uma cabocla das barrancas do Madeira, com a sapiência típica da mulher rondoniense, com uma inteligência rara e muita energia para a luta.



 
 
RONDONOTICIAS – A cada legislatura, dizem que a formação da Assembléia fica ainda pior que a da anterior. O senhor concorda com esse conceito popular?



 
JÚLIO OLIVAR – Na atual legislatura, houve uma renovação significativa dos parlamentares. No entanto, mudam-se apenas os nomes e as caras são as mesmas. As práticas, em certos casos, continuam as mesmas. Nem vou falar da improdutividade, do clientelismo, do clube de amigos que parece ser o legislativo, que não segue a premissa de parlamentar, ou seja, discutir, interpor-se. Falta criatividade e ousadia, beirando à coisa insossa.  Posso apontar equívocos mais evidentes que maculam a imagem da Casa. Episódios como a antecipação da eleição do presidente, que estava há coisa de quatro meses no cargo. É o tal golpe institucionalizado; é legislar para si e não para a população. Afora o fato de continuarem com uma folha de pagamento absurda e com deputados que se mantêm no poder graças à prática do assistencialismo, através de associações e fundações mantidas com o dinheiro público. São verdadeiros currais eleitorais num estado novo, com práticas tão atrasadas.



 
RONDONOTÍCIAS – E o governador Cassol, como o senhor o avalia?



 
JÚLIO OLIVAR – Bem, perdemos as eleições para ele defendendo o aposto do que ele é. Nós éramos o povo na disputa: sem recursos, com pudor, humildade, falando em ética, quebrando a cabeça pelos caminhos de Rondônia, como uma espécie de Don Quixote lutando contra os moinhos de vento. E o que ele é? Um dos coronéis do Norte, o maior gerador privado de hidroeletricidade da região amazônica, o retrato do homem bem-sucedido, o trator, é a cara do agronegócio, do capitalismo que campeia no Norte. Tem um poder de mando muito grande na vida privada e isso ele leva para o governo, inibindo o sindicalismo, as forças progressistas, enfrentando os desafetos políticos como  inimigos. Mas, também não o endemoninho, até para entendê-lo do ponto de vista sociológico e psicológico. Cassol é um fenômeno, sim senhor. Se ele tem pouca escolaridade, o Lula também tem. Então não é esse o argumento que o desmerece. Ele conhece muito da vida local, é um típico migrante valentão que carregava cacaio nos ombros. É do tipo que faz as vezes até de mecânico de avião, e com um detalhe: tem a coragem de embarcar no avião que ele mesmo consertou e seguir viagem. Eu já vi isso. Ele é meio louco, é diferente. É inteligente, não usa de muitos chavões, pensa com a própria cabeça, é um destes personagens que a direita, que precisa de ídolos, usa para sobreviver. Estar com ele politicamente é outra coisa, mas o que tento mostrar aqui é os porquês dele encantar a  tantos e ser uma personalidade interessante, a ser observada.



 
RONDONOTÍCIAS – O PCdoB é bom de oposição. E de governo? Temos o exemplo de Porto Velho, onde a vice-prefeita Cláudia Carvalho foi eleita pelo seu partido. Hoje ela sequer cumprimenta o prefeito Roberto Sobrinho (PT), não tem espaço algum.



 
JÚLIO OLIVAR – Quem tem que explicar os seus porquês é ela, que não faz parte mais do PCdoB. Ela deixou o partido e migrou para o PPS. Pelo que sei, acabou sem espaço por lá e também sem espaço na administração do Sobrinho. Poderia ser hoje uma deputada federal no bojo da esquerda, pelo qual ela foi eleita. Mas, ela fez uma opção. Eu a respeito. Mas você sabe que há um ônus decorrente da falta de entendimento e maturidade. Na administração, ela se complicou por estar sozinha num partido que é oposição ao prefeito e isso também trouxe danos ao PCdoB.



 
RONDONOTÍCIAS – E o rompimento do partido em si com o prefeito Sobrinho? Foi porque queriam mais cargos, mas espaço? Como aconteceu a briga?



 
JÚLIO OLIVAR – O PCdoB entrou na campanha do Sobrinho desarmado, acreditando numa proposta em comum. Não exigiu nada, queria e quer o bem-estar de Porto Velho. Tem quem não entenda tal filosofia e pense que a vitória seja pessoal e depois decida de forma unilateral.


É fato que o partido acabou alijado, sim. Foi desprestigiado. O que não teria tanto problema se não fosse em detrimento de forças mais conservadoras, em nome do que chamam de governabilidade. Companheiro é quem vence eleição e governa junto; quem ouve o coletivo. Mas, independentemente da experiência de Porto Velho, o PCdoB hoje faz parte, no país, do chamado Bloco de Esquerda e tem uma diretriz muito clara: a de disputar eleições em várias capitais e em cidades pólos. De forma que o afastamento do Sobrinho também é decorrente disso. No geral, desde 1989, nosso partido caminhava com o PT, tendo inclusive proposto o nome e a formatação da Frente Brasil Popular que apoiou Lula na primeira eleição presidencial após o ditadura militar. Mas, veja que na reeleição do Aldo Rebelo para a presidência da Câmara, em 2007, o PT não levou nada disso em conta, nos tratou como oposição, e nasceu aí o Bloco de Esquerda, sem o PT. Não somos oposição ao Governo Lula, do qual participamos diretamente, mas temos o direito de caminhar com as próprias pernas, mostrando a cara e seguindo a premissa da ousadia enunciada em nossas campanhas.  Neste sentido, o PCdoB apresenta em Porto Velho o nome do Davi Chiquilito Erse e uma nominata fechada para a Câmara de Vereadores. Isso não é ser contra o Sobrinho, mas sim ser a favor de nós, da nossa bandeira, do nosso projeto político-partidário.



 
RONDONOTÍCIAS – Falando em Davi Chiquilito Erse, o senhor acredita que ele ''decole'' para prefeito de Porto Velho?



 
JÚLIO OLIVAR – Para lhe responder, vou recorrer à campanha de 2004, quando o atual prefeito da capital, Roberto Sobrinho, aparecia com somente 1% das intenções de voto. Temos informações de que Davi tem 8%. A campanha será bem feita, temos militância e capacidade para mostrar que jogo é jogo e treino é treino. Agora, estamos apenas nos aquecendo. Deixa a campanha sair às ruas que a veremos  decolar, sim. O Davi já está com uma agenda muito intensa, seu programa de governo encaminhado e o Comitê Municipal de Porto Velho firme no propósito de tê-lo candidato.



 
RONDONOTÍCIAS – Mas Davi teve o mandato de vereador cassado. Isso não o macula?


 


JÚLIO OLIVAR –  Foi por corrupção, por desmandos? Não. Então não o macula. Trocou de partido, pagou por isso, injustamente eu avalio, mas de qualquer forma ele está limpo.


 


RONDONOTÍCIAS – E o senhor também será candidato a prefeito de Vilhena?



 
JÚLIO OLIVAR – Eu tenho disposição para ser, estou às ordens. O meu partido também quer que eu seja. Vilhena é uma cidade importante, pólo no Cone Sul, e nossa postulação daria visibilidade para o PCdoB. No entanto, precisamos do apoio de outros partidos, e é isso que estamos buscando até as convenções, daqui a dois meses e pouco. Temos muitos projetos para o bem-estar da cidade, que hoje é referência em politicagem rasteira; em denúncias de corrupção; em nepotismo; enfim, bandalheira generalizada, conforme se vê na imprensa todas as semanas. Temos uma Câmara de Vereadores que não legisla com independência, mas apenas referenda os atos do Executivo porque mantém com ele uma relação promíscua, alugando  máquinas, caminhões, etc, em nomes de ''laranjas''. É para botar os pingos nos ''is'', combater todas as formas de corrupção e essa alienação a que o povo vem sendo submetido graças a uma intensa publicidade e muito assistencialismo barato, que desejo encarar esse desafio de ser o prefeito de Vilhena. 



 
 
RONDONOTÍCIAS – Comenta-se à boca miúda que há muitas brigas internas no PCdoB. É verdade? Por que elas acontecem?



 
JÚLIO OLIVAR – Não mais do que em qualquer partido que preza a pluralidade. Discutimos à exaustão muitas coisas, agitamos nossas bandeiras, somos eloqüentes ao microfone, quem vê de fora pensa que estamos em guerra. Mas é tudo em nome da força das nossas convicções, da inteligência e da energia positiva dos nossos co-partidários. No entanto, no nosso PCdoB vigora o princípio do centralismo democrático. Uma vez esgotadas as discussões, a maioria decide o caminho e os demais, derrotados na defesa de suas teses, assumem os posicionamentos que passam a ser do partido como um todo. No PCdoB tratamos uns aos outros como ''camaradas'', irmãos. E é o que somos.



 
RONDONOTÍCIAS – Ainda existe comunismo?


 


JÚLIO OLIVAR – Bem, o comunismo é uma ciência nova, que veio como resposta ao arcaico, à escravidão, ao feudalismo, ao capitalismo. Na história não existem atropelos. Chegará, com certeza, o momento para superarmos a exploração do homem pelo homem.  O comunismo nunca foi implantado em qualquer parte do mundo, portanto não acabou. O que houve foram derrotas de algumas experiências socialistas. É um tema complexo, científico. Mas, no mundo contemporâneo, cabe, sim, a solidariedade entre os povos, o sentimento de que a terra não é do homem, mas sim o homem que é da terra, como no dizer do chefe indígena Seatle. Simplistamente, esse é o conceito do comunismo, não a utopia de Canaã, a terra prometida; mas, sim, um mundo possível, feliz, com oportunidades iguais para todos e todas. A nossa luta compreende esse sentimento de amor, de doação, de libertação.



 


RONDONTÍCIAS – Vez ou outra, a imprensa questiona o fato de o PCdoB aqui de Rondônia admitir entre os seus quadros empresários, gente endinheirada, etc. Que comunismo é esse?



 
JÚLIO OLIVAR – O PCdoB é um partido de trabalhadores. Sua direção é composta por pessoas ligadas aos movimentos sociais, ao sindicalismo, à luta emancipacionista das mulheres, dos negros, são agentes culturais, defensores das discussões envolvendo gêneros, etnias, enfim, não há capitalistas selvagens dentre nós. No entanto, perceba que quando endurecemos, somos logo rotulados de xiitas. Se entendemos a psicologia do nosso estado, a necessidade de sermos pragmáticos até por vivermos num contexto capitalista, aí somos, aos olhos de muitos, flexíveis por demais, e estamos perdendo a nossa ideologia. Mas, repito, a história se faz sem atropelos. É preciso ocupar espaço. Senão, vira ''esquerdismo panfletário'', que é uma doença infantil do comunismo, como dizia o Lênin. Ser comunista não é ser franciscano, tampouco defender o isolamento como se fôssemos sacrossantos, intocáveis. Não se chega a lugar algum com voluntarismo. Defendemos o socialismo científico. É preciso interagir, sem se corromper. Mantemos-nos firmes na essência e maleáveis na articulação política. Mas, reitero que dentre nós não há latifundários, matadores de índios, gente que emprega mão-de-obra escrava, essas coisas que ainda existem e que nós combatemos com veemência.



 
RONDONOTÍCIAS – Para o senhor, seria mais fácil vencer as eleições em outro partido, menos radical?


 


JÚLIO OLIVAR – Talvez até fosse fácil se eu me comportasse como o ídolo de mim mesmo, me valesse do carisma pessoal, do personalismo. Eu poderia estar num partido de aluguel e, assim, até lucrasse financeiramente com a minha militância. Mas, não. Tenho uma bandeira, um código pessoal de ética, filosofia, um sentido de vida, para estar no PCdoB. Ganhar eleição não constitui mérito, dependendo do caminho que você escolheu. Mérito é o sucesso obtido pelo grupo, a alma lavada porque você conquistou algo que não perpassou pela fraude, pela mentira, pela corrupção.


 



RONDONOTÍCIAS – Para terminar, onde o senhor quer chegar na política?



 
JÚLIO OLIVAR – Onde o nosso partido e a nossa população permitirem. Não sou afeito a palácios e nem a status. O cargo pouco importa, pois para mim a vida política é uma missão, uma tarefa muito árdua às vezes. Mas, escreva: o PCdoB ainda será governo em Rondônia e no Brasil. Eu sou apenas um soldado na luta por essa vitória coletiva que um dia virá, e todos nós a aplaudiremos.