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La Jornada: A conspiração oligárquica na Bolívia

Editorial publicado nesta terça-feira (6) pelo jornal mexicano La Jornada descreve o cenário político do departamento de Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, local do referendo realizado pela elite local no último domingo. Texto faz um alerta: cl

Leia abaixo o texto:



Bolívia, a conspiração oligárquica



Diante de sua ilegalidade de origem, e mediante recursos fraudulentos e anti-democráticos, as autoridades oligárquicas da província de Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, realizaram no domingo um referendo para aprovar um “estatuto autônomo” aberrante, que transmitiria faculdades irrenunciáveis do governo central à administração local: entre as 44 competências que os governantes locais pretendem se atribuir, se destacam a administração dos recursos naturais, o manejo fiscal, a distribuição agrária, o controle do transporte de cargas, ferroviário, aéreo e fluvial, as regras das telecomunicações e até a vigilância aérea feita por radares, assim como a salvaguarda da ordem pública, que pela Constituinte boliviana corresponde ao governo central.



Para resumir, o projeto dos oligarcas de Santa Cruz não é autônomo, mas sim pró-secessão, pois implica em um processo de desistegração nacional, como não se vê em qualquer lugar do mundo, salvo talvez em algumas regiões kurdas e chiitas no Iraque, sob a ocupação estadunidense.



O aparente disparate da proposta votada no domingo – e, como era previsível, aprovada por uma ampla maioria composta por cidadãos reais e votos fantasmas – obedece a dois propósitos muito claros: por um lado, a urgência das direitas racistas bolivianas, mestiças em sua maioria, por se desfazer de um presidente indígena, progressistas e comprometido com as transformações sociais que o país necessita; por outro, o interesse dos grandes conglomerados multinacionais para recuperar o controle sobre os recursos naturais bolivianos, que lhes foi arrebatado de forma paulatina pelo atual governo, com o propósito de restituir a soberania à nação.
 


O mandatário foi claro ao sinalizar que o governo estadunidense “encabeça a conspiração”, dando conta que desde Washington vem sendo pretendido o estatuto autonômico de Santa Cruz, a fim de negociar com a oligarquia local o acesso ao gás e aos recursos hídricos da região.
 


Semelhante conspiração oligárquica e estrangeira, realizada em contrariedade às leis e à Constituição da Bolívia, não poderia ter sido possível de levar adiante, certamente, de forma pacífica e democrática. A jornada ocorreu, como cabia prever, entre confrontações violentas e denúncias sobre urnas que chegaram aos locais de votação com votos a favor da reforma. Significativamente, o referendo revelou uma alienação de classes: enquanto os  grupos abastados e médios votaram pelo sim, os setores pobres e majoritários optaram pela abstenção, pelo voto em branco ou, em alguns setores, pelo rechaço à realização do referendo.



Sinal dos tempos, e não exclusivamente dos da Bolívia, a defesa da soberania e da integridade nacional fica a cargo das classes populares, enquantos os ricos se unem às multinacionais para propiciar o enfraquecimento do Estado e criar condições favoráveis ao saque dos recursos naturais de nossos países.



Ainda que careça de validade legal, a votação de domingo deixa dividida a província de Santa Cruz e abre a perspectiva de uma instabilidade de grandes proporções à nação andina. Que fique claro: a perseguição ao governo progressista e independente de Evo Morales está em curso, e o referendo ilegal e anti-democrático realizado pela oligarquia local é apenas um dos primeiros atos da ofensiva.
 


Cabe fazer votos para que o povo boliviano e seus dirigentes consigam driblar com êxito as manobras que se avizinham e que seja possível, apesar delas, tirar a Bolívia do estado de dependência, atraso, desigualdade e miséria no qual foi colocada pela aliança tradicional entre os ricos locais e os ricos de fora.