Para economista, grau de investimento requer juros menores
Não é mero acaso que o Brasil tenha recebido o “grau de investimento” (uma espécie de atestado de baixo risco para aplicações no país) de uma das principais agências classificadoras de risco precisamente no momento em que a economia mundial atravessa u
Publicado 06/05/2008 11:01
O país já acumulara evidências de sobra de que passara a zelar pelo equilíbrio fiscal e pelo controle da inflação, bastando lembrar que o atual governo em sua primeira etapa teve início precisamente sob esta égide. Mas o baixo crescimento econômico e a vulnerabilidade externa persistiam como âncoras negativas da economia, traduzindo-se em fonte de potencial instabilidade e de riscos excessivos para as posições de dívida interna e externa, assim como para a própria solidez fiscal e estabilidade inflacionária.
Ou seja, controle fiscal e da inflação eram condições necessárias, mas não suficientes para a promoção do país em termos de sua classificação de risco. Faltava a demonstração de solidez das contas externas e a indicação de que a economia é capaz de percorrer um crescimento maior e com maior sustentação ao longo do tempo. A solidez externa foi construída a partir de 2004 pelos elevados saldos comerciais e conseqüentes superávits em transações correntes, o que permitiu a formação de reservas internacionais substanciais. Como cabe sublinhar, as reservas brasileiras de quase US$ 200 bilhões vêm amparando o relativo “descolamento” da economia brasileira da crise internacional. Esta, em um contexto anterior à formação do “colchão” de proteção externa constituído pelas reservas, já teria ditado tendências de forte retração do crescimento doméstico e agravamento do quadro inflacionário em razão da restrição cambial e da desvalorização da moeda.
Em prol do crescimento, cujas características até então eram um baixo nível médio e forte oscilação, desde 2005 o governo passou a adotar políticas explícitas, como a facilitação do crédito, redução do custo dos financiamentos de longo prazo (TJLP), menor tributação sobre os investimentos, programa de inversões públicas na infra-estrutura (o PAC) e anúncio de uma política industrial abrangente. Em 2007, o crescimento econômico foi maior e sua qualidade foi superior, pois a evolução real do investimento de 13%, superando em mais de duas vezes o crescimento do PIB global, indicava uma maior sustentação do crescimento. Nem as políticas de estímulo adotadas nem o mais alto crescimento obtido tiveram como condição ou resultaram em desequilíbrio fiscal ou aprofundamento da inflação. Por outro lado, mesmo com a economia mundial entrando em uma fase de desaceleração, o ímpeto da evolução do PIB brasileiro não esmoreceu na entrada desse ano, de forma que exceto por um não esperado aperto excessivo da política de juros, seu crescimento em 2008 deve ser mantido em nível próximo a 5%.
Bases fiscal e inflacionária mantidas aliadas a uma maior solidez externa e crescimento econômico maior são os fatores que explicam uma avaliação de risco que, não é de hoje, vem melhorando para o Brasil e agora recebe a “chancela” do grau de investimento da parte de uma internacional classificadora de risco. A perspectiva de se tornar em prazo relativamente curto uma “potência energética”, a partir do álcool e das novas descobertas de petróleo e gás, e, ainda, a força demonstrada pelas empresas brasileiras no cenário mundial devido à sua crescente internacionalização, completam, no plano “microeconômico”, os determinantes do “grau de investimento”.
Para manter esse “status” ou progredir para níveis ainda superiores de classificação, o Brasil terá que reproduzir com melhoras as bases fiscal e inflacionária. Tão decisivo, no entanto, será preservar sua solidez externa e a dinâmica de crescimento, e aproveitar corretamente o seu novo potencial energético e promover ainda mais os grupos empresariais nacionais. Na questão externa, os recentes e potencialmente elevados déficits em transações correntes devem ser fonte de preocupação. No crescimento, devem ser aprofundadas as políticas já adotadas com ênfase nos programas de investimento em infra-estrutura, na desoneração de investimentos e exportação e na política industrial.
O “grau de investimento” deveria levar a uma revisão do recém iniciado processo de elevação da taxa de juros e suscitar no governo o exame de medidas efetivas de compensação do elevado e repentino atrativo que o influxo de recursos para o país passou a ter em função dos últimos acontecimentos, reunindo: a redução da taxa de juros nos EUA que já acumula 3,25 pontos percentuais de queda desde o início da crise internacional e que teve nova baixa de 0,25 ponto percentual na semana passada; o aumento em 16 de abril da taxa Selic em 0,25 ponto percentual; e, finalmente, a concessão do “grau de investimento” para o Brasil no último dia de abril. Nessas condições, a entrada de recursos externos que o “grau de investimento” enseja para o presente e para o futuro próximo será capaz de levar a uma nova e intensa onda de valorização da moeda, como a ocorrida em 2007 (valorização do Real de 18%). Cabe notar que a mudança cambial do ano passado foi determinante em refrear o dinamismo das exportações e em potencializar a evolução das importações, de forma que os primeiros quatro meses desse ano registram um resultado comercial muito menor do que foi em 2007 e uma rápida deterioração das contas externas.
É possível controlar o efeito adverso de valorização cambial se o governo adotar em tempo as políticas corretas. Sendo assim, terão preponderância os efeitos positivos de médio e longo prazo do “grau de investimento”: a) em ampliar a atração dos investimentos diretos (IDE) para o Brasil, algo que já vinha ocorrendo desde o ano passado; b) em tornar mais amplo, melhorar prazos e baratear o acesso de instituições e empresas brasileiras aos recursos de financiamento no exterior; c) em aprofundar a capacidade de financiamento por emissões de ações das empresas, incluindo operações de “IPO”. Ampliação dos investimentos produtivos na economia e redução do custo de capital das empresas e instituições públicas e privadas são, em suma, duas das mais destacadas conseqüências. Isso permitirá uma melhora da competitividade das empresas brasileiras em comparação com as suas concorrentes dos principais países em desenvolvimento e países desenvolvidos, sobretudo aquelas pertencentes aos setores mais intensivos em capital. E induzirá o mercado doméstico de financiamento do setor público e de crédito para empresas e consumidores a praticar prazos maiores e taxas de juros menores.
* Júlio Gomes de Almeida é professor da Unicamp e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda.
Fonte: Terra Magazine