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Para “Palocci” do novo governo, Lugo é o Lula paraguaio

O ministro da Fazenda do governo do presidente eleito do Paraguai, Fernando Lugo, será Dionísio Borda. Tido por neoliberal por seus críticos e elogiado pelos empresários do país, ele entende que o ex-bispo será o responsável por iniciar um grande processo

Em entrevista ao sítio Terra Magazine, Borda, que já ocupou o mesmo cargo no governo do presidente Duarte Frutos entre 2003 e 2005, acredita que chegou a hora de o Paraguai crescer  e se desenvolver. Ele admite que a prometida reforma agrária gera temores em alguns setores mais conservadores, mas disse apostar num grande pacto social para o desafio de combater a pobreza num dos países mais pobres da região.



Após sair das eleições como vitorioso, Lugo passou gradualmente a utilizar declarações e posições mais moderadas do as proferidas durante a campanha presidencial. Desde então, procurou tranqüilizar empresários e agricultores, temerosos de confiscos, nacionalizações ou invasões de propriedades. A designação de Borda como ministro da Fazenda foi um sinal aos investidores, tal qual Lula o fez em 2002, ao colocar Antonio Palocci no Ministério da Fazenda.



Leia abaixo a entrevista de Borda:



Dos dois modelos com maior ou menor grau de intervenção estatal na economia, o pragmático de Lula, Michelle Bachelet (Chile) e Tabaré Vázquez (Uruguai) ou o mais intervencionista de Venezuela, Equador e Bolívia, com qual o senhor se identifica mais?
As realidades são diferentes em cada país e os modelos são relativos a essas realidades. O Paraguai necessita de um Estado mais institucionalizado e firme com políticas para o crescimento econômico, para a redução da pobreza, do desemprego e da desigualdade. Ao mesmo tempo, precisa fortalecer o setor privado para desenvolver o mercado. Aqui vamos buscar esse modelo que combine harmoniosamente as políticas econômicas com o setor privado. Isso não passa pelo debate ideológico. Sob nenhuma hipótese, vamos tentar construir uma economia só com o Estado ou só com o mercado.



Em alguns países, algumas privatizações dos anos 90 foram revertidas com nacionalizações. Mas no caso paraguaio com empresas estratégicas ainda públicas (telefonia, água, energia elétrica, petróleo e cimento) a discussão parece passar pela eficiência porque as empresas são usadas como “caixa política”. Qual será a política do governo para essas empresas? Haverá privatizações?
As nossas empresas públicas têm problemas financeiros e uma situação deficitária. É preciso capitalizá-las. Também são ineficientes. Naturalmente que se o serviço não funciona, temos que ver o que fazer. Privatização é apenas um caminho, mas existem outros dez. O fundamental aqui é que vamos reformar a administração pública porque nada funciona. Devemos enfrentar frontalmente a corrupção e conciliar interesses com a modalidade público-privada que foi adotada em outros países para obras públicas e empresas.



Há receios sobre a segurança para os investimentos privados. O que o senhor diz aos empresários que frearam qualquer decisão à espera de sinais sobre segurança jurídica?
Que esses empresários venham sem medo porque aqui vamos respeitar a propriedade privada e garantir a segurança jurídica. Aqui vamos viver num Estado de direito. Vamos cumprir a lei. E a lei diz que a propriedade privada será respeitada. Respeitaremos todo tipo de propriedade, incluindo a intelectual, embora não sejamos muito bons nisso.



A Constituição garante respeito à propriedade privada, mas também o direito à terra para o pequeno produtor. Em algum momento esses dois direitos podem chocar-se?
O ponto central para o proprietário que vier para o setor agrícola ou para o setor industrial é que se possa viver num Estado de Direito. O problema do Paraguai não é a lei, é a aplicação da lei. Isso passa pelo poder Judiciário, mas também pelo poder político do Executivo. Creio que com reformas administrativas e algumas leis é possível fazer muito. Também entendo que um bom pacto social pode ser bem administrado.



E qual é a sua estratégia para a reforma agrária?
Devemos elaborar um plano gradual que não signifique gerar muita expectativa na população. O povo tem direito à terra e a todo tipo de assistência. Por outro lado, teremos de convencer os latifundiários. Deverá haver algum tipo de acerto com esses setores que possuem grandes extensões de terra. Há leis e mais leis que limitam a extensão e o uso da propriedade. Então, o Estado deve intermediar essas demandas e defesas.



Qual será a prioridade?
O primeiro passo será responder às ocupações de terras que já existem. São muitos casos de ocupações.



A solução para as invasões é emergencial; a reforma agrária estrutural. Como resolver a questão a longo prazo e não ficar na metade do caminho?
Vamos elaborar um cadastro para definir a propriedade e a regionalização produtiva. Nenhuma das duas coisas existe no Paraguai. Precisamos saber a quem as propriedades pertencem, se são produtivas e se o uso produtivo é o adequado para o tipo de solo. A falta dessa regionalização levou a um descalabro ecológico. É preciso combinar várias coisas aqui. Equilíbrio ecológico, áreas reguladas para certo tipo de produção e áreas reguladas para produção agrícola. Por exemplo, existem áreas de terras frágeis que foram devastadas massivamente para a agricultura. Tem que haver um ordenamento produtivo para saber se são terras disponíveis, expropriáveis, etc. Nisso, entra o direito à terra que todos têm.



Pode haver reforma agrária sobre terras produtivas?
Não creio. Mas as empresas que têm grandes extensões e produzem têm a obrigação de gerar emprego. A nossa plataforma produtiva está muito concentrada no uso intensivo de recursos e de capital, mas pouco em mão-de-obra. Na medida em que houver maior compromisso de geração de emprego e de responsabilidade social da empresa, creio que teremos dado o passo a direção correta.



A desconcentração da tensão social que se vive no campo passa somente pelo sucesso da reforma agrária?
No Paraguai, não temos um mercado de capitais. Muitos investiram em terras para preservar o seu capital. À medida que existirem um mercado de capitais e indústrias, vamos desconcentrar essa tensão. Ainda estamos no século XVIII aqui no Paraguai. Tomara que essas grandes extensões possam, cumprindo com lei, gerar emprego. Para mim, isso é um compromisso que as grandes empresas (agropecuárias) devem ter. E o Estado tem que atender os pobres. O Estado nunca enfrentou de forma decidida uma luta contra a pobreza. A questão sempre foi politizada e isso deve acabar. Controlando o nível de corrupção, poderemos fazer muito.



O Paraguai é famoso por questões negativas como contrabando, pirataria, lavagem de dinheiro, corrupção. Como se combate isso que parece fazer parte de uma cultura?
Se falarmos de uma cultura, isso levará mais tempo, mas uma tarefa imediata é recuperar a institucionalidade do Estado. Um Estado forte – não grande – que possa acabar com essa corrupção, com os atos de excesso de poder. Isso requererá políticas muito decididas e firmes para combater a corrupção. Essa será uma tarefa fundamental do governo. Tenho certeza de que no final do mandato será possível ter diminuído essas questões negativas.



O combate ao contrabando passa mais por uma questão de polícia e de controle das fronteiras ou pela geração de fontes de trabalho?
No caso do contrabando, não é só uma questão legal. É também de competitividade. O Paraguai deve aumentar o seu nível de competitividade. Há um desafio grande na área econômica para uma diversificação produtiva e com maior valor acrescido. À medida que tivermos maior competitividade, a economia de fronteira deixa de ter um peso. Veja hoje, por exemplo, a cana-de-açúcar. No Paraguai, o rendimento é de 40 toneladas por hectare. No Brasil, são cerca de 85 toneladas por hectare. Temos um problema de produtividade. E se a isso acrescentamos que as políticas econômicas nem sempre incentivam a maior competitividade, então estamos em muita desvantagem. Não se trata de encher a fronteira com controles e sim de levantar a produtividade. À medida que esta economia for mais competitiva, mais produtiva, creio que teremos ganho a batalha contra o contrabando.



Qual seria o valor justo para a energia de Itaipu?
Tenho dificuldade com essa definição sobre preço justo. Ou o preço é de mercado ou não é.



Então, a qual mercado o governo se refere quando pede uma tarifa de mercado? Refere-se ao mercado brasileiro?
A referência tem que ser o mercado regional. O mercado brasileiro, o argentino, a região. Assim como o petróleo tem um preço internacional, a energia tem um preço regional. Naturalmente o que o Paraguai vai pedir é um preço de mercado. E revisaremos quais são esses custos. Para mim, uma coisa é muito clara: o Paraguai precisa de maior justiça em relação à produção de energia elétrica. Segundo, a energia tem que servir para o Paraguai impulsionar o seu crescimento. E impulsionar o crescimento num momento de crise de energia. O Paraguai tem que usar essa energia para produzir mais na agricultura e na indústria. A energia tem que ir para a produção e não somente para o consumo residencial como agora.



A negociação sobre Itaipu foi assinada pelas autoridades paraguaias. Até que ponto essa tarifa “injusta” é responsabilidade brasileira?
Itaipu emerge com a crise do petróleo de 1973 como um recurso alternativo. Em 2008, estamos vendo essa disparada do preço do petróleo. Não temos petróleo e temos que usar o recurso do qual somos co-proprietários. Também precisamos reconhecer que muitas coisas foram mal feitas pelo Paraguai, mas este governo vai fazer o dever bem e vai sentar para discutir Itaipu e Yaciretá. Temos que rever o tratado de Itaipu.



Mas o governo brasileiro já antecipou que não aceita discutir sobre o tratado…
Seguramente, será um pouco mais difícil revisar o tratado. Mas não é tão difícil quando 2023 está tão perto. Eu sei que os brasileiros são monoplanificadores e que já vêem 2023 no horizonte. Falemos agora então. Não entendo por que não.



Essa energia poderia ser levada a quem precisasse mais ou a quem pagasse melhor?
Essa energia poderia ser levada a um vizinho mais necessitado como a Argentina. Por isso, a referência para o preço tem que ser regional. Se o Brasil estiver fazendo dumping com a sua energia, corrijamos o dumping. Pode haver subsídios também.



Como é possível conciliar interesses tão opostos dentro da coalizão de governo. Da esquerda mais ferrenha até a ala conservadora liberal, e ao mesmo tempo atender as expectativas da população que espera soluções imediatas?
Primeiro, temos uma liderança política que mostrou capacidade de articular essa gama. E de ter transformado esse pensamento num projeto bem sucedido que, em oito meses de formado, tirou um governo que está há 61 anos no Poder. Nem o mais otimista dos opositores podia imaginar que isso fosse acontecer. E aconteceu sob a liderança de quem soube articular. Em segundo lugar, a coragem do presidente Lugo é maior do que enfrentar um poder de 61 anos. É também enfrentar um poder de 2.000 anos, o Vaticano, a Igreja. Em terceiro lugar, é uma pessoa que mostra a outra cara do Paraguai. O Paraguai pobre, o Paraguai desigual. Este é um país indolente que não vê uma grande maioria que passa situações muito difíceis. É o Lula paraguaio. Talvez a comparação não seja muito acertada, mas Lugo vem de uma convicção ética muito profunda. Não só de uma convicção política, mas de uma prática social de compromisso com os pobres. Nesta sociedade conservadora, mostrar a pobreza é algo de extrema ousadia, inclusive com risco de ser taxado de extremista. Quarto lugar: é um senhor com capacidade de delegar. Isso é uma fortaleza.



E isso é suficiente para unir tantos setores ideologicamente contrários e manter a governabilidade num país com diversos casos recentes de governos derrubados?
Eu acredito que as grandes prioridades podem estar por cima de um posicionamento ideológico imediato. Isso é uma vantagem que pode adiar um debate ideológico. E quais são essas necessidades imediatas? Primeiro, devemos enfrentar frontalmente a corrupção. Segundo, devemos reformar a administração pública porque nada funciona. Há necessidades imediatas no campo social. É preciso conciliar interesses do setor público e do setor privado. Essas necessidades imediatas vão permitir maior convergência do que divergência.



Da redação, com informações do Terra Magazine