Lula: ''Vou eleger meu sucessor e é possível que seja mulher''

Em entrevista ao jornal argentino Clarín, publicada nesta segunda-feira (8) por motivo de sua visita da presidente Cristina Kirchner a Brasilia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assegurou que elegerá o seu sucessor ''porque  o Bra

Clarín: A quem imagina como seu sucessor?


Luiz Inácio Lula da Silva: Com muita humildade, digo-lhe que vou eleger meu sucessor. Não posso dizer quem é, mas posso até assegurar que há muitas possibilidades de que seja uma mulher.


Clarín: Mas por que tanta segurança?


Lula: Porque o Brasil vai estar muito bem em 2010. Tudo que tem de acontecer em 2010, afora a política, já está programado. Não esqueça que o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) programou o Brasil até 2010. E vamos ter de planejar, no início de 2009, a Copa do Mundo de 2014. Especialmente na área da mobilidade urbana – o metrô, as rotas, os corredores especiais de transporte. Eu creio que vamos chegar a 2010, ano da eleição presidencial, numa situação muito confortável.


Clarín: E o próximo presidente não pode ser um homem?


Lula: Penso que vamos abrir esta discussão no partido (PT) no próximo ano. Mas estou seguro de que temos todas as possibilidades de ganhar as eleições. Vamos estar com uma economia em crescimento, uma renda per capita em aumento, os trabalhadores melhorarão, os pobres serão menos pobres. Isso é o que garante uma eleição.


Clarín: Como vê os seus colegas sul-americanos?


Lula: Creio que nós criamos uma nova classe dirigente na América do Sul. Uns terão um discurso mais de esquerda, outros mais de direita e outros mais ao centro. Porém é essa diversidade política e ideológica que permite construir os consensos. Sempre digo a meus amigos presidentes da América do Sul: precisamos olhar nossa história para valorizar os avanços que já tivemos.



Eu estabeleci um vínculo de amizade com os presidentes da América do Sul. Não é só uma relação de Estado para Estado. No dia em que eu não for mais presidente e em que Hugo Chávez também não for, vamos ser amigos. Sou amigo de Kirchner, embora ele já não seja presidente. Sou amigo de Nicanor (Duarte Frutos, do Paraguai), independentemente de que tenha perdido as eleições. Afinal de contas, são mais de cinco anos de relações que você tem e eu preservo isto. Tenho como valor fundamental minha relação de amizade. A amizade não é algo que sai da natureza, é algo que se constrói. E isto pesa. Não esqueço que quando se construiu Itaipu os militares brasileiros e argentinos falavam em construir uma bomba atômica.


Clarín: E também a bomba hídrica que seria Itaipu. Dizia-se que o Brasil poderia inundar Buenos Aires com essa represa.


Lula: E, vejam só! Hoje estamos pensando em construir conjuntamente uma hidrelétrica. Ou seja, há um avanço político de nosso continente e precisamos dar valor a ele. Quero mais empresas brasileiras investindo na Argentina e mais empresas argentinas que invistam no Brasil. Quero mais associações entre empresários argentinos e brasileiros; quero mais atividade cultural entre Argentina e Brasil. É uma vergonha, por exemplo, que eu não saiba dançar tango. E os argentinos talvez não saibam dançar samba. Precisamos nos engrenar. Quantos jornalistas do Clarín sabem sambar?


Clarín: Não devem ser mais de quatro. Os brasileiros sabem bailar o tango mais que os argentinos dançar samba. E mais, poucos argentinos dançam tango.


Lula: Teríamos de inventar outro ritmo, o ''tango-samba''.


Clarín: Presidente, gostou do pagamento da Argentina ao Clube de Paris?


Lula: Olhe, creio que é muito importante. É uma decisão acertada da presidente Cristina Kirchner. Creio que há momentos para tomar posições duras, tempos de radicalizar as posturas e há momentos para fazer negociações.



No ano em que cheguei ao governo, chamei o ministro da Fazenda e perguntei quanto devíamos ao FMI, ele me disse que eram US$ 16 bilhões. Aí ordenei: vamos pagar. E eles, do Fundo, não queriam. O titular do FMI, que era o espanhol Domingo Rato, me dizia: Lula, não, não precisa nos pagar, não necessitamos. E eu respondi a eles: Sim, eu quero pagar e vou pagar. Então, no caso do Clube de Paris, foi uma decisão correta da presidente Cristina. Certamente ela só pôde pagar porque a Argentina hoje tem uma condição muito melhor do que a que Kirchner egou no começo.


Clarín: O Brasil tem extraordinárias reservas de petróleo, recentemente descobertas e chamadas de camada ''pré-sal''. O que vai acontecer com a grande renda saída de sua exploração? Esse dinheiro irá para a educação e saúde, que são dívidas sociais?


Lula: Primeiro, nós queremos criar uma fortíssima indústria naval. Segundo, precisamos aproveitar esse petróleo para não exportá-lo em bruto mas exportar derivados. Vamos construir em São Luís do Maranhão uma refinaria de 600 mil barris diários para produzir gasolina premium e vamos criar outra refinaria de 300 mil barris diários para produzir diesel da melhor qualidade, para vender na Europa e nos EUA. A última refinaria que se constriu no Brasil foi em 1980. Agora contratamos cinco novas refinarias. Duas estão em obras e três serão licitadas no ano que vem.



A outra coisa é que precisamos pagar a dívida para com a educação brasileira.Queremos criar um fundo com essem petróleo da pré-sal que seja de todos os brasileiros. E para que possamos fazer investimentos na educação. Ao mesmo tempo, uma parte desse fundo será para cuidar dos brasileiros pobres. Queremos aproveitar esses recursos para diminuir a pobreza neste país.


Clarín: Mas então não será uma nova empresa e sim um fundo.


Lula: Ainda não temos uma decisão. Em 19 de setembro vou receber uma proposta do grupo de trabalho que criamos para buscar a melhor opção. A idéia de criar uma empresa também é uma coisa simples. Seria uma holding. A da Noruega, por exemplo, tem apenas 60 funcionários. Mas isto decidiremos no final do ano.



Para terminar, só quero dizer: sou um homem que crê em Deus. E por esta crença que tenho estou convencido de que nos próximos dez ou vinte anos a Argentina e o Brasil terão mudado de nível na relação com o mundo. Se olharmos o que acontece neste momento, e espero estar vivo para ver o que se passará em vinte anos, nossas relações serão muito maiores e será muito forte a integração política, cultural e comercial. Eu trabalho com esta visão e tenho a certeza de que o meu sucessor também trabalhará com esta visão.