Carta aos Cariocas discute eixos da Prefeitura com Jandira

Uma Carta aos Cariocas, que discute o conflito entre fragmentação e integração, o “estado de guerra”, o papel das favelas na cultura e identidade do Rio de Janeiro, está servindo de aglutinador programático do Comitê suprapartidário “Braços Abertos”, em a

“Grandes cidades contêm dentro de si forças de fragmentação e forças de integração. Diferenças de renda e de acesso à propriedade, distâncias físicas e sociais, desconhecimento recíproco, idolatria do egoísmo e do consumo desenfreado, tudo isso separa as pessoas. Os direitos, os espaços públicos, o trabalho, a necessidade cotidiana de cooperação, a solidariedade, as festas e celebrações, a cultura, o amor, isso as une.



No Rio de Janeiro de hoje predominam forças de fragmentação, que multiplicam a violência e o medo. Há quem anseie por uma separação ainda maior, plenamente consumada, praticamente completa. É um anseio ruim: quanto maior a apartação, maiores a desigualdade, o preconceito e o ódio, geradores de mais violência. É um anseio impossível: a cidade, em sua essência, é um lugar de encontro e de comunhão, onde mais se desenvolve a sociabilidade humana.



Uma prefeitura democrática deve usar todos os recursos disponíveis para tornar a cidade o lar de todos. Também este é, de certo modo, um desejo impossível. Forças de fragmentação continuarão a existir, pois a sociedade as recria. Mas, se nos propomos a ser governo, é porque acreditamos na possibilidade de fazer a civilização prevalecer sobre a barbárie. Isso exige um regime comum de valores, maior igualdade de oportunidades, caminhos de mobilidade social ascendente, a idéia de um futuro em construção.



A escola pode separar ou unir. A escola que une é pública, universal e de boa qualidade. Nela, crianças de todas as classes, de todos os lares, de todas as cores, se encontram, se tornam amigas e recebem a mesma educação fundamental. Preparam-se para ser cidadãos. As mais de mil escolas da Prefeitura do Rio de Janeiro abrigam, todos os dias, quase 750 mil crianças e jovens. Seus 50 mil servidores são os formadores das gerações de amanhã. Essa rede humana e material, de valor inestimável, tem que se capacitar para oferecer atenção integral ao estudante – incluindo alimentação, assistência social, atividades diversificadas e cuidados com a saúde –, pois muitas dificuldades de aprendizado não podem ser corrigidas apenas em aulas tradicionais.



O sistema de saúde pode equalizar direitos ou consagrar privilégios. Para que a primeira opção prevaleça é preciso muito mais que promessas. Estamos em uma posição intermediária na transição epidemiológica. “Doenças da modernidade”, como as do aparelho circulatório e as neoplasias, já estão entre as principais causas de óbito, mas as “doenças da pobreza”, como as parasitárias, a hanseníase e a tuberculose, continuam disseminadas. Algumas “doenças antigas”, como a dengue, retornam. E as causas externas, especialmente violência e acidentes de trânsito, predominam na mortalidade entre jovens, o que exige muitas intervenções de emergência. Improvisações não resolvem. Para estender a todos o direito à saúde, é essencial que a Prefeitura garanta o funcionamento de um sistema integrado, de grande capilaridade, confiável, humano, versátil, concebido racionalmente, que primeiro trate da prevenção para depois oferecer atenção curativa em níveis de complexidade crescentes. 



O sistema de transportes determina em grande medida que tipo de uso as vias públicas terão. O planejamento das movimentações pendulares, de ida e volta entre a casa e o trabalho, é essencial para a qualidade de vida de todos. As principais cidades do mundo contam com poderosos sistemas baseados na combinação trem/metrô, reservando a ônibus e automóveis um papel complementar. É nessa direção que devemos rumar – aqui, considerando o complexo trem/metrô/barcas –, pois ela racionaliza os deslocamentos, facilita a integração, diminui a concorrência pelas mesmas vias, aumenta a capacidade de escoamento em velocidades constantes e barateia os custos. Mesmo se for operado por diferentes empresas, o sistema tem que ser planejado e dirigido a partir de um único centro, um órgão público que tome decisões a partir de uma visão de conjunto.



O sonho do urbano é sempre alimentado pela possibilidade, real ou imaginária, da mobilidade social. O desenvolvimento econômico pode multiplicar essas oportunidades, se for justo com as pessoas e responsável com  ambiente. Cultura e natureza formam a identidade do Rio, e em torno delas pode haver uma economia pujante.  Cerca de 25% da superfície da cidade são ocupados por áreas verdes, às quais se agregam dezenas de quilômetros de praias, ilhas, lagoas e o espelho d’água da baía da Guanabara. A livre disposição desse patrimônio, único entre todas as grandes cidades do mundo, combinada com a redução da poluição e do temor à violência, fará do Rio de Janeiro um lugar privilegiado para viver, visitar e trabalhar.



Cenpes, Cepel, Fiocruz, IME, Furnas, BNDES, Petrobrás, Nuclebrás, PUC, UFRJ, UERJ, CBPF e outras instituições, aqui instaladas, significam alta concentração de inteligência e trabalho qualificado. E há alternativas claras de desenvolvimento industrial. A macrorregião que inclui a Zona Oeste do Rio de Janeiro precisa planejar cuidadosamente esse desenvolvimento para responder ao desafio da expansão do porto de Itaguaí, pois o que a baía da Guanabara foi no passado, a de Sepetiba será no futuro. Isso reforça a necessidade de o Rio de Janeiro liderar uma articulação metropolitana, tendo em vista otimizar a infra-estrutura e os serviços.



Os investimentos públicos precisam seguir critérios justos e transparentes, levando em conta as necessidades, as potencialidades e a densidade populacional de cada área. As instalações da cidade demandam um esforço permanente contra a tendência natural ao envelhecimento. Hoje, esparrama-se pelo Rio de Janeiro um arquipélago de locais esvaziados ou abandonados: terrenos militares obsoletos, áreas fabris desativadas, instalações portuárias e ferroviárias em desuso, prédios públicos subutilizados. Em muitos casos, são heranças negativas do antigo Distrito Federal, pois, ao se transferir da cidade, a União se tornou uma grande proprietária ao mesmo tempo avarenta e relapsa. Até mesmo o Centro do Rio e seu entorno abrigam inúmeras áreas decadentes. Parte expressiva do eixo da avenida Presidente Vargas, aberto na década de 1930, ainda não foi ocupada. Um sobrevôo pela Lapa, o Bairro de Fátima, a Gamboa, o Caju, o Catumbi, São Cristóvão e toda a zona portuária mostra vazios e ruínas em regiões com grande valor simbólico, histórico e arquitetônico, que dispõem de infra-estrutura plena e podem se converter em adequadas alternativas domiciliares, incorporando-se ao renascimento da vida metropolitana.



Um dos maiores sintomas do predomínio das forças de desagregação é a profunda alteração do “lugar” das favelas na vida e no imaginário da cidade. Durante muito tempo, apesar dos problemas, elas foram vistas como ambientes ricos em experiências associativas e de cooperação. Boa parte da cultura e da própria identidade do Rio de Janeiro, especialmente na música, nascia nelas. Essa percepção se alterou. A competição entre gangues pelo controle do tráfico e as incursões policiais, o mais das vezes arbitrárias e ineficazes, amplificaram a violência e alimentaram a estigmatização das favelas como zonas francas do crime. Por essa vertente reinstala-se a velha visão dos pobres como classes perigosas, o que esconde o fato de que o jovem favelado é a maior vítima na situação atual. A violência internalizada pelo tráfico nas comunidades e o medo associado a esse quadro deterioram dramaticamente a qualidade de vida dos próprios favelados, que são 1/3 da  nossa população. Há favelas e favelas, diferenciadas pelo tamanho, pelo tempo de sedimentação e por padrões de subsistência. O denominador comum relevante é sua precária inserção nas instituições da cidade, tarefa, em grande parte, afeita à ação da Prefeitura.



O Rio de Janeiro necessita de paz. Não há caminho fácil para estabelecê-la. A construção do estado de guerra, em que vivemos, foi processual e teve múltiplas causas. A construção da paz, de que precisamos, não poderá ser diferente. Massacres sucessivos e criminalização generalizada das alternativas de sobrevivência da população pobre só agravam os problemas. A paz tem que ser construída com persistência, o que exige grande política. A pequena política difunde o cinismo, rebaixa os valores, facilita a corrupção, desqualifica a democracia, nos envergonha. A grande política defende projetos, eleva os valores, promove a participação, a consciência, o encontro e a troca. Prepara a paz.



Apoiamos Jandira Feghali e Ricardo Maranhão. Ambos compartilham os nossos ideais e, por suas histórias de vida, merecem a nossa confiança. Nunca traíram. Militam em partidos que sempre estiveram ao lado do povo brasileiro. São os que reúnem as melhores condições para impedir um segundo turno entre conservadores, que representam forças de desagregação. Se forem eleitos, estenderão as mãos a todos, para devolver ao Rio de Janeiro orgulho, esperança e alegria.”