Gravidez de feto anencéfalo: direitos iguais para mulheres
O Estado não deve obrigar a mulher a manter uma gravidez que não terá êxito. Os exames atuais têm condições de prevê com precisão se o feto é anencéfalo (sem cérebro). A manutenção de uma gravidez de feto anencéfalo, em que 75% dos casos o feto morre n
Publicado 16/09/2008 16:54
Na quarta audiência pública – foram realizadas três outras audiências – reunindo especialistas da área de Ginecologia, Psiquiatria, Medicina Preventiva e a ministra da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, Nilcéia Freire, a voz dissonante foi a da ginecologista Elizabeth Cerqueira.
O ministro Marco Aurélio Melo, relator da matéria, disse que após as audiências públicas, haverá a fase das alegações finais, quando serão ouvidos a Advogacia Geral da União (AGU) e o Ministério Público, a elaboração do relatório e do voto para definir o dia da sessão de julgamento.
Ele disse que as audiências públicas, que reuniram 25 diferentes instituições, ministros de Estado e cientistas, entre outros, foram norteada pela liberdade e que tudo o que foi veiculado integrará o processo. Ele admitiu que o assunto representa um grande conflito para o Supremo e que “se tivesse esse poder constituiria um colegiado só de mulheres para julgar a questão”.
Sofrimento maior
A ginecologista Elizabeth Cerqueira defendeu a continuação da gravidez em caso de bebês anencéfalos, dizendo que “o feto é vivo, seriamente comprometido quando nasce, com curtíssimo tempo de vida, mas está vivo”, disse. Para a médica, a carga emocional dessa experiência não pode ser ignorada, mas defende a idéia de que a interrupção da gravidez agrava o estado emocional da mulher.
A socióloga Eleonora Menecucci de Oliveira, professora do Departamento de Medicina Preventiva da Universidade de São Paulo (USP), defendeu que a retirada do feto deve ser uma escolha dos pais, destacando que a ciência permite que a mulher tome conhecimento do diagnóstico precoce, no primeiro semestre da gravidez, para que possa decidir se quer ou não interromper a gravidez.
Ela, a exemplo do psiquiatra Talvane Marins de Moraes, que também participou da audiência, disse que a legislação brasileira impõe à gestante – já fragilizada pelo diagnóstico médico – um segundo sofrimento: o de ter de correr pelas instâncias judiciais em busca de autorização para interromper a gravidez e, muitas vezes, não a conseguir.
Casos reais
Todos os participantes citaram casos de mulheres que fizeram o aborto em casos de fetos anencefálicos. Eleonora citou o caso de uma jovem peruana que, diante da negativa do Estado em concedê-la o direito de abortar um feto anencéfalo, recorreu à Organização das Nações Unidas (ONU) em 2005. A resposta do Comitê de Direitos Humanos foi no sentido de reconhecer o direito de opção da mãe.
“O Comitê considerou que a impossibilidade de interromper gerou sofrimento excessivo à jovem”, informou. Em 1996, o comitê já havia considerado como “desumana” a tipificação do aborto de anencéfalos como crime.
“Manter obrigatoriamente a gestação expõe a mãe a um processo de tortura, sofrimento e medo. A obrigatoriedade é uma situação limítrofe de vulnerabilidade que a atual legislação impõe a ela”, criticou Eleonora.
A opinião dela foi corroborada pelo psiquiatra. Segundo Talvane, “manter a gravidez obrigatória é comparado à tortura. O Estado que obriga pode estar promovendo tortura e as mulheres podem desenvolver caso de depressão e desencadear situação de auto-extermínio”, alertou.
Talvane Marins de Moraes, citou vários casos a partir de um trabalho que descreve a vivência de 10 mulheres que tiveram gravidez interropmpida por feto anencéfalo. Em todos os casos, são registrados um choque terrível no anúncio do resultado do exame, seguido de tristeza, angústia e culpa, angústia, mas depois elas se sentiram como se tivesse feito a escolha correta.
Ele destacou o caso de uma moça de 18 anos que declarou que se sentiu vitoriosa, “porque era a única coisa que eu podia fazer por ela e eu tinha que ter força para aquilo”.
Sem necessidade de tutela
A ministra Nilcéia Freire, da Secretaria Especial de Política para as Mulheres, disse que desde 2004 o Conselho Nacional de Direitos da Mulher, entidade que preside, se manifestou favorável a antecipação do parto em caso de feto anencefálico.
E disse que, tentando não ser repetitiva, já que essa argumentação vem sendo utilizada ao longo dos anos, o princípio que norteia a discussão é o direito de escolha das mães. “O princípio do trabalho é que em qualquer circunstâncias mulheres sejam vistas como sujeitos de direitos e que tem que ser respeitadas como tal”.
“Há uma clara percepção de que muitos desses discursos trazem embutidos preconceitos, como se as mulheres não tivessem capacidade de tomarem decisão sobre seu corpo, suas vidas, seu destino e precisam de tutela, do Estado, da religião. As mulheres necessitam de informação e apoio para tomarem decisões”, disse a ministra.
Ela também defende a idéia de que “qualquer decisão ou assistência às mulheres deve sejam garantidas a todas, independente de renda, condição social ou região do país em que vivam”. Para isso, ela afmrou que a Secretaria de Polpiticas das Mulheres trabalha junto com o Ministério da Saúde pelo acesso e ampliação dos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) a todas as mulheres.
Opiniões
“Quem pensa diferente de mim não é meu inimigo, é meu parceiro na construção de uma sociedade plural”. (Luiz Roberto Barroso, advogado da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS).
“Não se trata de aborto, mas de crime impossível, porque o feto é considerado morto. É antecipação terapêutica. Eu defendo a auto-determinação da gestante com direito a assistência governamental”. (Talvane Marins de Moraes, especialista em Psiquiatria Forense e representante da Associação Brasileira de Psiquiatria).
“Não é possível a lei garantir os direitos de só uma parte das mulheres. O que nós queremos é o direito da escolha. Se quiser, a mulher aborta, se não quiser, leva a gravidez até o fim”. (Eleonora Menecucci de Oliveira, socióloga e professora do Departamento de Medicina Preventiva da Universidade de São Paulo (USP).
“Nós lutamos muito para que os direitos fossem reconhecidos, agora é preciso que eles sejam garantidos e efetivados através de políticas públicas, e é isso que o plano nacional de políticas para mulheres se propõe, inclusive o direito de escolher e viver plenamente a maternidade da maneira que cada mulher entender. (Nilcéia Freire, ministra da Secretaria Especial de Política para as Mulheres).
De Brasília
Márcia Xavier