Luis Nassif: Como o Copom esconde os números

Existe um manual tácito de manipulação das estatísticas, que a ata do Copom (Comitê de Política Monetária), divulgada ontem (18), utiliza em toda sua plenitude. Uma das jogadas mais bisonhas é a seleção do mês de comparação mais adequado à tese que se

Na avaliação de um indicador, pode-se compará-lo com o mês anterior ou com o mesmo mês do ano anterior. Pode-se comparar também a variação de 12 meses do último mês, em relação à variação dos 12 meses do mês anterior ou do ano anterior.



Por exemplo, a inflação estava em um patamar baixo no ano passado, aumentou no primeiro semestre – em decorrência da explosão da inflação mundial -, começou a cair, depois que foi furada a bolha de commodities. O que define a tendência é o que ocorre “na ponta” – isto é, nos últimos meses.



O que faz a ata do Copom? Na hora de apresentar os dados de inflação, compara com o ano passado. “A inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) recuou em julho e agosto, para 0,53% e 0,28%, respectivamente, ante 0,74% em junho.


Com isso, a inflação alcançou 4,48% nos primeiros oito meses de 2008 – a maior variação nesses meses desde 2004 – ante 2,80% em igual período de 2007. Em doze meses, o IPCA mostrou a primeira desaceleração desde outubro de 2007”.



Ao longo de toda a Ata, tenta convencer que existe uma explosão de demanda pressionando os preços. E acena com o crescimento do NUCI (Nível de Utilização da Capacidade Instalada) da indústria como sinal de que a produção está batendo no seu limite



No entanto, a rigor, o único preço pressionado é o de serviços, setor que não depende do NUCI e não tem reflexos para frente – como seria o caso de bens intermediários, que impactam os bens finais.



Com todos os dados apresentados fica faltando a prova do pudim. Desde que estourou a bolha das commodities, todos os índices de inflação ou têm registrado redução no ritmo ou deflação – isto é, queda de preços. Como se explica, então?



O Copom não explica. Apenas muda o período de comparação e análise dos preços. Diz que, para determinar a política econômica, tem que se olhar para frente e não para trás – isso depois de utilizar persistentemente as comparações anuais para defender a tese da aceleração de preços: “No regime de metas para a inflação, o Copom orienta suas decisões de acordo com os valores projetados para a inflação”



O grande risco da crise externa é apenas tangenciado. A percepção de risco sistêmico permanece elevada, à medida que os problemas financeiros vêm sendo agravados por uma deterioração cíclica na qualidade do crédito, o que tende a reforçar a contração das condições financeiras e, por conseguinte, o risco de intensificação da desaceleração.



O relatório constata a deterioração da balança comercial, passa ao largo das contas correntes e acaba deixando para segundo plano o problema crucial da economia brasileira.



A cada dia que passa, mais perigosa fica essa miopia do Banco Central para conduzir o país incólume nessa crise.