20 fotos, 500 pessoas, uma bandeira: a legalização do aborto
Cerca de 500 pessoas de oito estados realizaram, nesta sexta-feira (26), um ato no centro de São Paulo em solidariedade às mulheres que estão sob ameaça de prisão por terem feito aborto. Com forte tom de denúncia, a ocasião também marcou, com a participaç
Publicado 26/09/2008 21:25
(-veja ao final da matéria galeria de fotos)
A manifestação teve início na Praça Ramos, passou pelo Ministério Público Estadual (MPE), na rua Riachuelo, e terminou em frente ao Tribunal de Justiça (TJ), junto à Praça da Sé. A passeata, alegre e irreverente, contou as performances dos grupos de teatro Atuadoras e Kiwi, além de uma teatralização com imagens impactantes da situação da mulher pelos grupos Loucas da Pedra Lilás e As Mal Amadas.
Uma comissão de mulheres, representantes de articulações e entidades nacionais – entre elas a UBM (União Brasileira de Mulheres), a Articulação de Mulheres Brasileiras, as Católicas pelo Direito de Decidir, a MMM (Marcha Mundial de Mulheres), a Liga Brasileiras de Lésbicas e a Conlutas – protocolaram o manifesto (leia abaixo da matéria) contra a criminalização das mulheres que optam pelo aborto no MPE e também no TJ, onde foram recebidas por Ana Amazonas, em nome da presidência do Tribunal.
Ao longo protesto, as mulheres se manifestaram com palavras de ordem como “direito ao nosso corpo, legalizar o aborto”, “se podemos parir, podemos decidir!”, “aborto não é crime, é direito da mulher”. Foi lido o manifesto conjunto das entidades, que está colhendo assinaturas pela internet e que já conta com o apoio de dezenas de entidades, e de centenas de ativistas do movimento social e democrático.
Entre os estados presentes à manifestação e ao lançamento da Frente Nacional estavam São Paulo, Acre, Rio de Janeiro, Pernambuco, Pará, Minas Gerais, Bhaia e Mato Grosso do Sul.
Quando a vítima se torna réu
Não por acaso, o ato realizado nesta sexta foi considerado o maior já feito no Brasil sobre o tema, já que o país tem mais de duas mil mulheres que estão sob ameaça de prisão pela realização do aborto.
Algumas dessas vítimas já foram indiciadas, outras estão cumprindo pena em Mato Grosso do Sul. Elas tiveram sua privacidade invadida e suas vidas expostas à execração pública. Outras centenas correm os mesmos riscos em estados como São Paulo e Rio Grande do Sul.
No Paraná, a Polícia Civil de Apucarana prendeu, no último dia 16 de setembro, Marisa Rodrigues da Silva, 23 anos, sob a acusação de prática de aborto induzido aos cinco meses de gestação. Segundo o delegado-chefe Gabriel Junqueira, após pagar fiança de cerca de R$ 400,00, a acusada foi liberada e deve responder criminalmente pelo suposto ato em liberdade, já que era ré primária.
Essas violações dos direitos humanos comoveram e mobilizaram as entidades do movimento feminista e de mulheres a realizarem o ato desta sexta-feira. Além disso, também levou as entidades a se articularem com o conjunto do movimento social, além de partidos políticos, para a criação da Frente Nacional pela Legalização do Aborto.
Aborto é a terceira causa de morte
Anualmente são praticados no Brasil cerca de 1,2 milhão de abortos por ano. Os óbitos, decorrentes das péssimas condições em que são realizados esses abortos, constituem a terceira causa de mortalidade materna no país. Os números falam por si e são suficientes para que a interrupção de gravidez indesejada seja tratada como questão de saúde pública e não como questão de polícia.
Os óbitos e seqüelas penalizam, sobretudo, as mulheres de baixa renda, sem condições financeiras de recorrer a clínicas particulares que cobram preços extorsivos. As mulheres ricas e de classe média têm melhores condições de decidir sobre seus corpos e suas vidas. Mas as pobres, que constituem a imensa maioria da população feminina, são duplamente punidas.
Além de estarem sujeitas aos trabalhos mais pesados e pior remunerados, à falta de moradia e de assistência de qualquer espécie, ficam sem o direito de decidir sobre suas vidas mesmo quando estupradas ou em risco de vida.
Legalização: saída digna
A legalização oferece uma saída digna para as mulheres em situação de gravidez indesejada, inoportuna, ou que não se sentem em condições de criar um filho. Aquelas que se sentem desejosas de empreender uma gestação continuam a ter o direito de levar adiante a gravidez e assumir esta responsabilidade.
A legalização não viola a consciência das pessoas, apenas garante um direito e abre alternativas para quem pensa diferente. Afinal, o papel do Estado não é impor convicções religiosas ou de qualquer outro tipo a ninguém, mas sim garantir a todos o direito ao exercício de direitos garantidos por lei. Um Estado laico é condição primordial para a democracia.
Leia abaixo o manifesto.
Manifesto contra a criminalização das mulheres que praticam aborto
Centenas de mulheres no Brasil estão sendo perseguidas, humilhadas e condenadas por recorrerem à prática do aborto. Isso ocorre porque ainda temos uma legislação do século passado – 1940 –, que criminaliza a mulher e quem a ajudar.
A criminalização do aborto condena as mulheres a um caminho de clandestinidade, ao qual se associam graves perigos para as suas vidas, saúde física e psíquica, e não contribui para reduzir este grave problema de saúde pública.
As mulheres pobres, negras e jovens, do campo e da periferia das cidades, são as que mais sofrem com a criminalização. São estas que recorrem a clínicas clandestinas e a outros meios precários e inseguros, uma vez que não podem pagar pelo serviço clandestino na rede privada, que cobra altíssimos preços, nem podem viajar a países onde o aborto é legalizado, opções seguras para as mulheres ricas.
A estratégia dos setores ultraconservadores, religiosos, intensificada desde o final da década de 1990, tem sido o “estouro” de clínicas clandestinas que fazem aborto. Os objetivos destes setores conservadores são punir as mulheres e levá-las à prisão.
Em diferentes Estados, os Ministérios Públicos, ao invés de garantirem a proteção das cidadãs, têm investido esforços na perseguição e investigação de mulheres que recorreram à prática do aborto. Fichas e prontuários médicos de clínicas privadas que fazem procedimento de aborto foram recolhidos, numa evidente disposição de aterrorizar e criminalizar as mulheres.
No caso do Mato Grosso do Sul, foram quase 10 mil mulheres ameaçadas de indiciamento; algumas já foram processadas e punidas com a obrigação de fazer trabalhos em creches, cuidando de bebês, num flagrante ato de violência psicológica contra estas mulheres.
A estas ações efetuadas pelo Judiciário somam-se os maus tratos e humilhação que as mulheres sofrem em hospitais quando, em processo de abortamento, procuram atendimento.
Neste mesmo contexto, o Congresso Nacional aproveita para arrancar manchetes de jornais com projetos de lei que criminalizam cada vez mais as mulheres. Deputados elaboram Projetos de Lei como o “bolsa estupro”, que propõe uma bolsa mensal de um salário mínimo à mulher para manter a gestação decorrente de um estupro. A exemplo deste PL existem muitos outros similares.
A criminalização das mulheres e de todas as lutas libertárias é mais uma expressão do contexto reacionário, criado e sustentado pelo patriarcado capitalista globalizado em associação com setores religiosos fundamentalistas. Querem retirar direitos conquistados e manter o controle sobre as pessoas, especialmente sobre os corpos e a sexualidade das mulheres.
Ao contrário da prisão e condenação das mulheres, o que necessitamos e queremos é uma política integral de saúde sexual e reprodutiva que contemple todas as condições para uma prática sexual segura.
A maternidade deve ser uma decisão livre e desejada e não uma obrigação das mulheres. Deve ser compreendida como função social e, portanto, o Estado deve prover todas as condições para que as mulheres decidam soberanamente se querem ou não ser mães, e quando querem.
Para aquelas que desejam ser mães devem ser asseguradas condições econômicas e sociais, através de políticas públicas universais que garantam assistência a gestação, parto e puerpério, assim como os cuidados necessários ao desenvolvimento pleno de uma criança: creche, escola, lazer, saúde.
As mulheres que desejam evitar gravidez devem ter garantido o planejamento reprodutivo e as que necessitam interromper uma gravidez indesejada deve ser assegurado o atendimento ao aborto legal e seguro no sistema público de saúde. Neste contexto, não podemos nos calar!
Nós, sujeitos políticos, movimentos sociais, organizações políticas, lutadores e lutadoras sociais e pelos diretos humanos, reafirmamos nosso compromisso com a construção de um mundo justo, fraterno e solidário, nos rebelamos contra a criminalização das mulheres que fazem aborto, nos reunimos nesta Frente para lutar pela dignidade e cidadania de todas as mulheres.
Nenhuma mulher deve ser impedida de ser mãe. E nenhuma mulher pode ser obrigada a ser mãe. Por uma política que reconheça a autonomia das mulheres e suas decisões sobre seu corpo e sexualidade.
Pela defesa da democracia e do principio constitucional do Estado laico, que deve atender a todas e todos, sem se pautar por influências religiosas e com base nos critérios da universalidade do atendimento da saúde! Por uma política que favoreça a mulheres e homens um comportamento preventivo, que promova de forma universal o acesso a todos os meios de proteção à saúde, de concepção e anticoncepção, sem coerção e com respeito.
Nenhuma mulher deve ser presa, maltratada ou humilhada por ter feito aborto! Dignidade, autonomia, cidadania para as mulheres! Pela não criminalização das mulheres e pela legalização do aborto! Frente nacional pelo fim da criminalização das mulheres e pela legalização do aborto!
Veja abaixo a galeria de fotos do ato desta sexta.
Manifestação correu as ruas do centro e terminou em frente
ao Tribunal de Justiça
Para saber mai acesse: http://frentepelodireitoaoaborto.blogspot.com/
De São Paulo,
Olívia Rangel