Olimpíada deixa legado relevante, afirma estudo do Ipea

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), fundação pública vinculada à Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República e um dos mais respeitados núcleos de pesquisadores do País, publicou em setembro de 2008 um estudo valioso s

No trabalho para discussão, de 52 páginas, batizado de Leitura Econômica dos Jogos Olímpicos: financiamento, organização e resultados, Marcelo Proni, Lucas Araújo e Ricardo Amorim analisam e cruzam informações e dados sobre três Jogos reconhecidos como os de melhor organização na história: Barcelona 1992, Sydney 2000 e Pequim 2008.



Apesar de sugerirem cuidados para que pontos negativos ocorridos nas três disputas não se repitam em experiências futuras, Proni (professor do Instituto de Economia da Universidade de Campinas), Araújo (economista e pesquisador formado na mesma universidade) e Amorim (economista do Ipea, professor licenciado da Universidade Mackenzie, de São Paulo, e membro da Sociedade Brasileira de Economia Política) chegam a conclusões que, no mínimo, incentivam os esforços dos governos federal, estadual e municipal e do Comitê Olímpico Brasileiro (COB) para abrigar os Jogos Olímpicos de 2016 no Rio de Janeiro.



Algumas delas, como estão no estudo:




* “Os impactos da realização dos Jogos, pelo menos nos casos relatados, têm sido bastante positivos. Crescimento do PIB, impulso ao turismo, aumento das oportunidades de emprego e reestruturação urbana são algumas das benesses prometidas para as cidades que se candidatam a sediar o evento.”



* “Nos três casos, observou-se uma convergência de propósitos: converter a cidade-sede numa metrópole mundialmente conhecida e admirada, capaz de reunir todos os requisitos para se destacar na era contemporânea. Esta foi a estratégia adotada por Barcelona, Sydney e agora por Pequim.



Os interesses são óbvios: estabelecer um novo posicionamento da cidade na rede global (recebendo fluxos de pessoas e de capitais). Inegavelmente, há também um relevante componente político na decisão de abrigar um evento como este, mas aí os motivos podem se diferenciar muito de um caso para outro.”



* “Investir na cidade (e região) – e não no evento – é algo que deve ser colocado como prioridade na hora de formular uma proposta de candidatura para abrigar um evento desse porte.



Antes dos estádios, ginásios, piscinas e alojamentos é importante pensar na questão das facilidades de transporte e comunicação, na questão ambiental e na segurança e no conforto dos turistas e atletas, por exemplo.”



* “Barcelona 1992 tem destaque por ter aproveitado os Jogos para superar a estagnação dos anos 1980, para se modernizar e dar um salto à frente, tornando-se uma cidade cosmopolita, muito bem avaliada segundo os atuais padrões mundiais.



A maioria dos investimentos foi feita na própria infra-estrutura urbana (por exemplo, no trânsito de veículos), deixando para a população da cidade um legado muito maior do que o esportivo. E a avaliação da população refletiu essa aprovação: o aumento da auto-estima e a satisfação dos cidadãos, por causa das melhorias realizadas em virtude da Olimpíada”



* Sydney 2000 tem como maior trunfo a preocupação ambiental. Pela primeira vez na história dos Jogos o meio ambiente foi colocado como prioridade, como item a ser valorizado.



Ações como a despoluição da Homebush Bay, colocando-a como o centro dos Jogos Olímpicos, bem como a implantação de técnicas de reaproveitamento de água, energia e lixo e a preocupação com o desenvolvimento sustentável transmitiram a idéia que o mundo precisava.



A partir disso, a preocupação com o meio ambiente passou a ser uma exigência do COI – tanto em Atenas 2004 como em Pequim 2008 previram-se ações voltadas para a proteção da natureza”



* “Pequim 2008 foi o evento mais caro de todos os tempos. A preparação dos Jogos Olímpicos exigiu investimentos de mais de US$ 34 bilhões em infra-estrutura (número extraoficial), o que ajudou a transformar a cidade e a região.


Esse investimento foi mais importante do que aquele destinado a formar novos campeões nas modalidades em que a China não tinha tradição, ou aquele destinado à realização da festa maravilhosa que produziu uma sensação de êxtase no público.



O evento grandioso trouxe para a cidade de Pequim uma série de benefícios econômicos e deu impulso à preservação do meio ambiente, confirmando o legado que os Jogos Olímpicos têm deixado em suas últimas edições.”



* “Provavelmente, (Pequim 2008) terá daqui por diante uma influência positiva no desenvolvimento econômico chinês, em especial em setores como mídia, televisão, internet, telefonia móvel, energia “limpa” e material esportivo.



A excitação pela realização dos Jogos Olímpicos propiciou a entrada de muitos desses setores numa espécie de “revolução internacional”. Contudo, o aspecto decisivo, do ponto de vista do governo chinês, não parece ser o impacto econômico dos Jogos, mas a demonstração do que a China é capaz de oferecer ao mundo”.



O estudo registra a “virada olímpica” proporcionada pelo The Olympic Program (TOP), o programa de estratégias de marketing e parcerias com a iniciativa privada consolidado nos anos 1980 e 1990 pelo ex-presidente do Comitê Olímpico Internacional (COI), o espanhol Juan Antonio Samaranch, com a consultoria do americano Michal Payne. De eventos geradores de prejuízos financeiros, os Jogos passaram a ser vitrines bilionárias para bons negócios e disputa de grandes mercados.



A virada permitiu repassar aos comitês olímpicos nacionais e aos comitês organizadores dos Jogos quantias suficientes para que estes dependessem o mínimo possível de seus governos. O processo foi fundamental para tornar o movimento olímpico menos vulnerável às instabilidades políticas.



O primeiro grande fruto da “virada” foi Barcelona 1992. Na década de 1980, a cidade catalã viveu um período de dificuldade, agravado pela fuga de grandes empresas.



A saída para a recuperação foi a Olimpíada. “Após sua nomeação, em outubro de 1986, Barcelona passaria da depressão ao boom econômico”, recordam os pesquisadores.



“Para entender os motivos pelos quais os Jogos de 1992 se tornaram referência obrigatória nos manuais de marketing olímpico é preciso examinar a composição de receitas e despesas, os projetos de construção das instalações, o de reforma urbana e a sinergia entre investimentos públicos e privados.



Além disso, é necessário examinar os impactos dos Jogos sobre a economia local e o mercado de trabalho, assim como o legado em termos de qualidade de vida e auto-estima para a população de Barcelona”, completam eles.



Os investimentos diretos ligados aos Jogos de Barcelona, entre 1986 e 1993, foram de 956,6 bilhões de pesetas, aproximadamente US$ 8 bilhões. E o impacto econômico induzido por esses recursos na cidade, no estado da Catalunha e no país, no período de 1987 a 1992, atingiu dois trilhões de pesetas, ou US$ 16,6 bilhões.



“Adicionando-se o impacto direto ao investimento calculado, o efeito total poderia ser estimado em 3,1 trilhões de pesetas, ou cerca de US$ 26 bilhões”, informa o estudo.



A transformação urbana de Barcelona foi lembrada pelos pesquisadores. “Entre os resultados mais visíveis, que por si sós podem ter importantes efeitos econômicos, é destacado o impacto sobre o urbanismo.



A mudança na configuração urbana da cidade teve como catalisador os Jogos. (…) A mudança no trânsito em razão do efeito dessas estradas foi uma das mais claras expressões do impacto dos Jogos Olímpicos na cidade”, relatam os autores.



Outro ponto destacado foi a injeção de ânimo na construção civil. “O setor reflete melhor o boom econômico em Barcelona entre 1986 e 1993. A população empregada no setor da construção cresceu 72% de 1985 a 1992. O pico do emprego na construção foi em 1991. O uso de cimento aumentou 74% entre 1985 e 1993.



O consumo de eletricidade para a produção de materiais de construção cresceu 55% de 1985 a 1993.” Na construção, este uso aumentou 142% no mesmo intervalo de tempo. Os autores acrescentam: “No período, 606 mil metros quadrados de espaço de escritório foram construídos (aumento de 21%), o que, em grande medida, compensou a indisponibilidade anterior”.



O mercado de trabalho na Catalunha também foi ampliado. A taxa de desemprego, que até então crescia, começou a cair. Entre outubro de 1986 e julho de 1992, o índice geral de desemprego caiu de 18,4% para 9,6% (contra 15,5% no resto da Espanha). O total caiu de 127.774, em novembro de 1986, para 60.885 em meio aos Jogos, em julho de 1992. A queda foi ainda mais importante se for considerado que o número de pessoas ativas empregáveis em Barcelona cresceu 1,1% no período.



“Pela natureza dos Jogos Olímpicos, Barcelona conseguiu apagar a falsa imagem de uma cidade provinciana, isolada pelas idiossincrasias da Catalunha, tendo sido capaz de se afirmar diante da opinião pública internacional, assumindo a imagem muito positiva de uma metrópole cosmopolita, contemporânea, aberta à interação de diferentes culturas. E isto não apenas ampliou sua força de atração sobre as grandes empresas (como centro de negócios) como impulsionou seu desenvolvimento no campo do turismo internacional”, destaca o estudo.



As estatísticas sobre Sydney 2000, as Olimpíadas do turismo e do meio ambiente, também revelam um saldo positivo. Um detalhe chama atenção neste ponto do estudo: os consideráveis investimentos, em relação ao total, feitos pelo comitê organizador, o SOCOG, e do governo do estado de New South Wales (NSW), onde a bela cidade litorânea de quatro milhões de habitantes está localizada.



Os Jogos de 2000 tiveram um custo líquido de US$ 1,3 bilhão – bancados pelo governo estadual. Em um mosaico que inclui, de um lado, infra-estrutura e instalações esportivas, e, de outro, assuntos relacionados diretamente às Olimpíadas, o custo total foi de US$ 6,5 bilhões. “No primeiro bloco de gastos, o total de despesas foi de aproximadamente US$ 3 bilhões. No segundo, US$ 3,5 bilhões”.



O SOCOG foi a entidade que mais investiu nos Jogos. Entre infra-estrutura, instalações e outras despesas, o comitê organizador central aportou US$ 2,8 bilhões”, revela o trabalho. A negociação dos direitos de transmissão rendeu ao SOCOG mais de US$ 1,1 bilhão. Os patrocinadores, outros US$ 650 milhões. E a venda dos ingressos, mais US$ 530 milhões.



Além de construir instalações modernas e de investir na sustentabilidade, os australianos transformaram a bonita mas abandonada Homebush Bay em um encantador centro de instalações de esporte e lazer, “que depois seria usado pelo povo de Sydney e pelas gerações seguintes”.



Os impactos econômicos no Estado de NSW e no país, sobretudo nos quatro anos anteriores à disputa, foram pesados. “Estima-se que a média anual do Produto Interno Bruto do estado de NSW, no período 1997-1998 a 2000-2001, foi US$ 1,4 bilhão (em preços de 1996) maior do que seria caso os Jogos não tivessem acontecido.



O PIB para o resto do país deve ter recebido um impulso anual de US$ 0,3 bilhão durante o mesmo período. O ano do evento representa o ano de pico para esses efeitos”. Nos seis anos pré-Jogos, o consumo doméstico real de NSW teve aumento médio anual de US$ 300 milhões. E o do país, de pouco mais de US$ 350 milhões.



No turismo e na geração de empregos, os ganhos foram semelhantes. “A Olimpíada foi o evento que trouxe benefícios mais significativos na história do turismo australiano.



Um incremento de 1,6 milhão de visitantes, que gastaram mais de US$ 6 bilhões e aceleraram em dez anos o desenvolvimento da 'marca Austrália' no mundo”, informa o estudo. Do início dos trabalhos até o final de 2000, foram criados 15,6 mil novos empregos apenas no Estado de New South Wales. À época, toda a Austrália tinha cerca de 18 milhões de habitantes.



A pesquisa traz análises importantes também sobre os Jogos de 2008. Dados iniciais dão conta de que os investimentos relacionados aos Jogos fizeram o PIB de Pequim e do seu entorno crescer 2,5% ao ano desde o início dos trabalhos.



Alavancada pela disputa, a indústria do esporte na China experimentou uma brutal expansão. Hoje, apresenta um potencial de mercado calculado em US$ 250 bilhões. Os números ainda não estão fechados, mas os dados recolhidos pelos pesquisadores sugerem que a Copa do Mundo de Futebol Feminino em 2007, as Olimpíadas de 2008 e os Jogos Asiáticos em 2010 podem ter feito o mercado esportivo chinês crescer 20% ao ano neste período.



“Ainda que aconteça a esperada desaceleração econômica, especialmente no setor de publicidade, após a realização dos Jogos de Pequim, há uma expectativa de que ela será menos intensa. A economia chinesa está apenas começando a sentir o impacto positivo dos muitos projetos criados para o evento, que terão desdobramentos duradouros”, projeta o estudo.



Há também alertas úteis no trabalho. Um deles: “O ponto mais crítico do debate econômico sobre Jogos Olímpicos tem sido a questão do financiamento, uma vez que geralmente o Estado assume um papel central na alocação de recursos.



As receitas do marketing olímpico podem pagar a conta da festa – às vezes, até geram lucros para os organizadores –, mas não pagam a construção do local da festa nem o suporte logístico, ou seja, o investimento necessário para adequar e modernizar os equipamentos urbanos e instalações esportivas”.



Ao final da leitura, o estudo do Ipea fornece elementos para se concluir que realizar uma Olimpíada com planejamento, participação ativa da iniciativa privada, decisões claras, responsabilidades previamente definidas e transparência pode ser bom para a cidade, o estado e o país que a organizam.