Roubini teme que crise financeira torne-se depressão global

Muito antes do início da atual crise financeira, o economista turco Nouriel Roubini já alertava para a gravidade do cenário que estava por vir. Agora, em meio ao turbilhão, a Casa Branca já leva em consideração suas análises. No momento, ele acha que o mu

Na última segunda-feira (6), Roubini escreveu que o governo norte-americano deveria organizar um corte coordenado de juros nas principais economias mundiais e o Federal Reserve, o banco central do país, tinha de fazer empréstimos de curto prazo diretamente para as empresas. Na terça e na quarta, as duas medidas foram anunciadas.



Em fevereiro, Roubini escreveu um artigo no qual elencava os 12 passos que, sob seu julgamento, a economia daria em direção a uma crise financeira global. Em maior ou menos medida, todos se cumpriram.



O Financial Times organizou da seguinte forma os já famosos 12 passos anunciados por Roubini:



1. Pior recessão imobiliária da história dos EUA derruba preços entre 20% e 30% de seu pico, elimina entre US$ 4 trilhões e US$ 6 trilhões da riqueza imobiliária e deixa dez milhões de lares valendo menos do que suas hipotecas.



2. Crise do subprime causa perdas diretas de entre US$ 250 bilhões e US$ 300 bilhões e 60% de todas as hipotecas feitas entre 2005 e 2007 apresentam “componentes tóxicos”. Bancos congelam créditos.



3. Congelamento do crédito chega à “economia real”, diminuindo a oferta de crédito, financiamento de carro, empréstimos a estudantes. Os subprime (pessoas com crédito desproporcionalmente superior à riqueza que têm) desses setores começam a aparecer.



4. Seguradoras com avaliação inflada pelas agências de risco começam a quebrar.



5. Derretimento do mercado de empréstimo para imóveis comerciais; cai demanda por escritórios, lojas e shoppings.



6. Quebram grandes bancos regionais e nacionais mais expostos às hipotecas de alto risco.



7. Prejuízos de bancos aumentam com a perda do valor dos títulos.



8. Crise financeira contagia o mundo corporativo, e há uma onda de falências.



9. O “sistema financeiro paralelo” [ bancos de investimento, por exemplo] se desfaz.



10. Os valores das ações desabam, levando consigo as Bolsas do mundo inteiro.



11. Há falta de liquidez, generalizada nos mercados financeiros, incluindo empréstimos interbancários.



12. Começa o “círculo vicioso” de perdas, redução de capital, congelamento de crédito, concordatas e venda de ativos abaixo do valor de mercado.



Em entrevista à Folha de S.Paulo, o economista diz que a depressão já começa a acontecer nos Estados Unidos. “Estamos a um passo do derretimento total”, afirma.



Leia abaixo a entrevista:



FOLHA – Depois de os 12 passos que o sr. previu em fevereiro para a crise atual se cumprirem, o que podemos esperar para o 13º?
Bem, há duas opções. Ou promovemos uma mudança radical no sistema financeiro para evitar o derretimento completo, que é a coisa certa a fazer, ou esse sistema sofrerá colapso nos Estados Unidos, na Europa e em outros países. E poderemos ter uma depressão global.



FOLHA – O sr. vê contágio no setor corporativo?
Já começa a acontecer aqui nos EUA. Em geral, com algumas exceções, as companhias americanas não estavam tão expostas ao papéis tóxicos hipotecários. Ainda assim, nas últimas semanas, diminuiu drasticamente o acesso a crédito das empresas aqui no país, mesmo companhias avaliadas pelas agências de risco como AAA. Com o mercado de papéis comerciais [letras de câmbio não-garantidas] praticamente interrompido e os empréstimos bancários caríssimos, não há dinheiro para que elas cumpram as obrigações do dia-a-dia. Se nem essas estão tendo acesso, imagine as que têm avaliação pior. Se isso se agravar no setor corporativo, todo o sistema pára, começaremos a ver quebras de empresas incapazes de honrar seus compromissos de curto prazo. Na minha opinião, já estamos no ponto de crise grave também aqui.



FOLHA – Isso leva à minha próxima pergunta. O sr. escreveu na última segunda um artigo em que pedia um corte coordenado de juros nas principais economias mundiais e que o Federal Reserve emprestasse diretamente para as empresas. Nos dias seguintes, as duas medidas foram anunciadas. Coincidência, é claro, mas o sr. acha que alguém no governo finalmente começou a ler suas colunas?
Eu sei que eles ouvem de fato, porque muitos deles me ligam e dizem isso. As decisões foram corretas e vão na direção certa, mas não são suficientes, muito mais tem de ser feito. Se você ler o meu artigo, eu pedia duas outras ações, que o Fed garanta que vai prover liquidez no caso de uma corrida generalizada aos bancos e que aumente sua ação para prover liquidez de curto prazo a atores não-bancários que emprestam a corporações. A primeira eu não sei quando vai acontecer, a segunda já estamos vendo aos poucos. Outro aspecto que eu não escrevi mas que acho necessário é um programa de expansão fiscal do governo nos moldes dos da Grande Depressão, porque a demanda privada e o consumo estão sofrendo colapso, então serão necessários gastos governamentais em infra-estrutura nos níveis municipal, estadual e federal. Precisamos revisar o Plano Paulson também para que aja efetivamente nos setores imobiliário e no sistema bancário. Resumindo, ainda falta fazer muito.



FOLHA – O sr. pinta um quadro excessivamente grave. A situação é tão ruim assim?
Sim, na última semana ou dez dias, o sistema financeiro inteiro parou de funcionar, não há mais empréstimos interbancários, não há mais transmissão de liquidez entre os bancos e do sistema bancário para o sistema financeiro paralelo, que está em extinção, e começa a chegar ao setor corporativo. As Bolsas se enfraquecem a cada dia, o mercado seca e os gastos começam a diminuir. Estamos a um passo do derretimento total.



FOLHA – O sr. mencionou a possibilidade de depressão global. Quão perto estaria?
Já estamos em recessão nos Estados Unidos, na Europa, no Reino Unido, no Canadá, na Austrália, na Nova Zelândia, no Japão. Ou seja, cerca de 50% das economias globais já estão em recessão. Depois que essa se estabelecer, começaremos a ver desaceleração maciça de crescimento nas economias emergentes. O que quer dizer isso? Que teremos algum crescimento nos mercados emergentes, entre 2% e 3%, o que será uma aterrissagem dura para esses países, que necessitam de muito mais do que isso. Essa diminuição contribuirá para a queda do crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) global, que pode ficar negativo.



FOLHA – E quanto durará?
Se fizermos tudo certo, o que não está garantido, deve durar entre 12 e 24 meses. Há também o risco de os EUA entrarem numa estagnação como a que atingiu o Japão.



FOLHA – E quem é o culpado , em sua opinião?
São muitos e diferentes fatores. É uma tempestade perfeita composta de dinheiro fácil, crédito fácil, baixas taxas de juros, instituições financeiras se expondo a risco excessivo, instrumentos financeiros novos e modernos, mas também exóticos e sem liquidez, cumplicidade das agências classificadora de riscos, falta de regulação e supervisão adequada por parte dos governos. Não há um só culpado, mas vários: agentes financeiros, reguladores, governantes, bancos centrais…



FOLHA – O sr. foi um dos primeiros a preverem essa crise, já em 2006. Foi chamado de catastrófico, apocalíptico e alarmista então. O sr. se sente vingado, de alguma maneira?
Vingado não é a palavra, pela quantidade de desastres que essa crise trouxe, mas eu estava seguro de que minhas análises eram plausíveis e que meus dados eram corretos, que eu tive a honestidade intelectual de manter meus pontos de vista porque sabia que estava certo. E, infelizmente, eu estava certo.



FOLHA – Por que o sr. foi quase uma exceção?
Os que fazem a política econômica tinham receio de dizer que temiam pelo futuro da economia, muitos analistas econômicos fazem previsões que procuram agradar a seus clientes, havia ainda um clima de euforia, muita gente dizendo que era um novo mundo, que seria diferente dessa vez. Muita gente dizendo que não se tratava de uma bolha imobiliária, mas de uma série de pequenos avanços…



FOLHA – O que o sr. não previu? O que o surpreendeu?
A velocidade com que os 12 passos que eu previ aconteceram. Na minha análise, o que aconteceu desde a quebra do Lehman Brothers levaria talvez dois anos.



FOLHA – O sr. trabalha numa nova série de passos?
Não, em vez de ficar prevendo desgraças novas, estou me dedicando a sugerir soluções para a catástrofe.



FOLHA – O Plano Paulson vai funcionar?
Não, falta muita coisa. Recapitalizar o sistema bancário, lidar diretamente com os mutuários inadimplentes, fazer uma triagem entre os bancos que merecem ser salvos e os que devem quebrar, muito mais tem de ser feito para que o plano funcione, e eu não vejo isso acontecendo.



FOLHA – O secretário do Tesouro, Henry Paulson, e o presidente do Fed, Ben Bernanke, parecem estar sempre um passo atrás dos acontecimentos.
Sim, atrás da curva, e isso prejudica até as ações positivas que eles tomam. Muitas vezes os mercados têm reagido mal a boas iniciativas, porque chegam tarde.



FOLHA – O próximo presidente vai encarar o pior da crise. Qual a diferença fundamental entre a política econômica do democrata Barack Obama e a do republicano John McCain?
A principal diferença é que Obama, a quem apóio, tomará ações mais decisivas para lidar com a crise, não deixará o mercado cuidar de si mesmo. Precisaremos de uma intervenção mais formal, e isso estava faltando na última gestão e continuará faltando na de McCain. Essa será a principal diferença entre os dois.



FOLHA – O sr. se incomoda de ter sido apelidado “Sr. Apocalipse”?
Não ligo. Não é que eu seja uma pessoa permanentemente pessimista em relação ao mercado, eu serei o primeiro a gritar “a crise acabou!” quando ela acabar e me tornarei um otimista. Creio, na verdade, que ainda há muitas oportunidades na economia global para que mercados emergentes cresçam num ritmo sustentável, mesmo agora. Não é uma questão de otimismo versus pessimismo. É que os eventos das últimas semanas surpreenderam até mesmo o meu pessimismo.



FOLHA – Quando o sr. se sentirá otimista?
Quando eu sentir que chegamos ao fundo do poço, o que não aconteceu. Eu vejo uma luz no fim do túnel, mas é uma locomotiva vindo em nossa direção…



FOLHA – A teoria do descolamento dos mercados emergentes vem se provando falha na prática. O que acontecerá com países como o Brasil e regiões como a América Latina?
Não existe descolamento completo. Veja as Bolsas nesses mercados, que têm sofrido tanto se não mais do que aqui. Muitas dessas economias vinham tendo forte crescimento, pelo menos maior do que os EUA, a Europa e o Japão, mas os sinais são claros de que isso já está diminuindo, particularmente na China, mas também no Brasil e na Índia e mesmo na Rússia.