Norman Birnbaum: Um caos 'made in USA'

As eleições nacionais para a presidência dos EUA ocorrerão nas próximas duas semanas. Na verdade, elas já começaram: no dia 4 de novembro, três de cada dez eleitores já terão enviado seus votos pelo correio ou já terão procurado por antecipação seus re

Obama conta com o apoio da maioria fora das fronteiras americanas, mas convém não comemorar antes da hora. Não é possível, entretanto, prever como as pessoas reagirão à questão da raça e da formação de Obama que, por motivos econômicos e ideológicos, poderiam votar nos democratas. Nas eleições para o Congresso e para o Senado que também serão realizadas em 4 de novembro, o Partido Democrata tem uma vantagem de 10 pontos percentuais: o fato de que Obama não tenha alcançado porcentagem no mesmo nível é uma prova de suas dificuldades entre cidadãos que têm dificuldades em aceitar sua inteligência e sua origem.



E não podemos saber por antecipação os possíveis efeitos eleitorais de uma surpresa no estrangeiro nos últimos dias de campanha, sobretudo se a surpresa – como o ataque da Geórgia contra a Ossétia do Sul – seja orquestrada a partir de Washington com o objetivo de ajudar a campanha do senador McCain. Os republicanos, desesperados ante a perspectiva da derrota, colocaram em prática uma linha de atuação em que nenhuma mentira é suficiente, nenhuma calúnia é demasiadamente sórdida e nenhum insulto à inteligência dos cidadãos comuns será tão vergonhosa. É bem possível que a última fase de sua campanha estabeleça novos patamares de degradação na democracia política dos Estados Unidos.



Se Obama vencer, encontrará uma situação em que o chauvinismo beligerante do senador McCain e a ignorância provinciana da Governadora Palin terão recebido os votos de pelo menos 4 de cada 10 eleitores. Além disso, terá que fazer frente a uma crise econômica criada pelo setor financeiro e que este, até agora, tem sido gerenciado em seus próprios termos estabelecidos pelo ex-presidente da Goldman Sachs, atual secretário do Tesouro americano e – em função da passividade e impopularidade de Bush – presidente de fato do país.



Quando Franklin Roosevelt tomou posse como presidente em 1933, em plena Depressão, aproveitou as experiências políticas de reforma econômica que haviam sido feitas durante os trinta anos antes do crash da Bolsa de Nova Iorque. Obama herdará a débil resistência de seu próprio partido à soberania do mercado precisamente quando o mercado está se autodestruindo. Na verdade, Obama não é líder da esquerda norte americana que pinta os republicanos de demônios, mas um tecnocrata brilhante que prefere trabalhar com a situação do mundo como ela é de fato.



Se McCain ganhar, as possibilidades de haver um caos aumentam. Se um McCain na Casa Branca tentar colocar em marcha algum tipo de colaboração com a previsível maioria democrata no Congresso (que certamente sofreria divisões ideológicas e desmoralização com a derrota presidencial), membros importantes de seu próprio partido apoiarão a sua vice-presidente em uma manifestação mais pura de darwinismo social. O resultado será seguramente um compromisso político ou o recurso à guerra. A campanha de McCain tem invocado o nome do novo comandante em chefe da região do Iraque, Irã, Paquistão e Afeganistão, o general Petraeus, sem que este tenha feito qualquer objeção. Com o tempo, seria recompensado nomeando-o para Chefe do Estado Maior das Forças Armadas no lugar do independente e reflexivo almirante Mullen. Estaria aberto o caminho para uma solução da crise econômica mediante a mobilização, acompanhada do aumento da repressão. O chamamento de McCain a “virar a página” do debate sobre a economia é a senha do que trataria de fazer como presidente.



Em um país em que os únicos que conhecem a história são os historiadores, McCain procurou se apossar da política econômica com que o presidente Hoover converteu a Depressão do final dos anos vinte na catástrofe de princípios dos anos trinta: reduzir o gasto público. Inclusive o Banco Central Europeu e a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico, com seus desvios da teologia do mercado, parecem ser mais realistas.



Há uma proposta lógica e evidente que não encontraremos neste debate nem no seguinte. Os 700 bilhões de dólares que vamos jogar para resgatar nossos bancos de si próprios equivalem ao orçamento do Pentágono que acabou de ser votado sem discussão no Congresso (fora as dezenas de bilhões a mais para as guerras do Iraque e do Afeganistão). Os Estados Unidos gastam mais em “defesa” que todos os países do mundo juntos, enquanto os dois partidos aceitam estes desembolsos como uma forma aceitável de keynesianismo americano. Este dinheiro não pode recolocar formas muito mais eficazes de investimento social e estímulo econômico, mas existem poucos motivos para confiar em uma transformação racional do orçamento federal. Obama e Biden, com certeza, executariam uma política externa e militar mais sutil que a de seus adversários. Entretanto ambos repetiram as besteiras habituais sobre o Irã, prometendo intensificar a guerra no Afeganistão e jurado lealdade eterna a Israel. Com o tempo, talvez reconheçam que os custos do império são excessivos ou mesmo impossíveis de se sustentar. Em um futuro imediato, nossa marcha nacional em direção ao abismo vai continuar.



Existe, entretanto, a possibilidade de impor um mínimo de racionalidade ao governo dos Estados Unidos a partir de fora. No pior das situações, a um governo Obama se poderia animar a romper com o passado recente do país e a um governo republicano se poderia deixar claro que haveria resistência contra o unilateralismo. Quando nosso país se auto-enganou com mentiras sistemáticas, amplos setores das classes dirigentes e mais bem formadas de todo o mundo aceitaram como verdadeiras, ou pelo menos falaram e agiram como se fossem verdades. Isso já não é mais possível. Não apenas nossos bancos venderam a clientes estrangeiros instrumentos financeiros sem valor, como também os títulos do Tesouro Nacional dos Estados Unidos já não são um investimento totalmente seguro, porque a bancarrota nacional é uma possibilidade real.



Em qualquer destes casos, o mundo já não acredita que nosso modelo econômico e social seja um exemplo digno de ser seguido. Agora, as autoridades econômicas e políticas de outros países, e especialmente a União Européia, oferecem respostas imediatas e a longo prazo para os desastres “made in USA” que talvez conseguissem prever, mas que tiveram a imprudência de não oporem resistência.



*Norman Birnbaum é catedrático Emérito da Faculdade de Direito da Universidade de Georgetown.



Tradução de Pedro de Oliveira


 


Fonte: El País