Seqüestro, cárcere privado e espetáculo midiático

Durante toda a última semana, os olhos da mídia, principalmente a paulistana, estavam voltados para a Grande São Paulo, mais especificamente para um conjunto habitacional de Santo André. Lá, como todos estão cansados de saber, um rapaz de 22 anos, Lind

Mais uma vez, me fiz uma pergunta que já havia feito no caso da morte de Isabella Nardoni: por que, entre tantos outros casos semelhantes, este ganhou tamanha repercussão? E dessa vez, mais claro impossível: do papel de relatar os fatos, a mídia passou a agir como um combustível para insanidade do seqüestrador.


 


Alves, segundo disse o próprio coronel Eduardo Félix, comandante do Batalhão de Choque da Polícia Militar, era um jovem que não tinha antecedentes criminais, e que estava passando por uma crise amorosa.


 


“A conversa dele era inconstante. Dava uma de coitadinho, de pessoa sofrida, depois estava agressivo, depois compreensivo”, disse Félix em entrevista coletiva. Isso fazia do caso complicado e extremamente difícil, já que não era possível prever ao certo qual atitude seria tomada por ele.


 


Dentro deste quadro de instabilidade, em que um jovem desequilibrado, armado com dois revólveres, mantinha como refém a garota pela qual era apaixonado e por quem se sentia rejeitado, entra a mídia sedenta pelo “furo”, pelo “exclusivo” e troca os pés pelas mãos. Se sente no direito de, em posse do número de telefone do seqüestrador, entrar em contato com ele e, em um caso específico, exibir a conversa ao vivo.


 


Circo bizarro


 


O seqüestro começou na segunda-feira (13). Já na quarta (15), quando o caso já durava mais de 48 horas, a Rede TV! entrevistou Lindemberg Alves, por meio do repórter Rui Guerra. Mais tarde, a repórter Zelda Mello, da TV Globo, também usou do artifício e ligou para o seqüestrador. A entrevista foi exibida no jornal SPTV. A Folha Online também ligou e publicou matéria com entrevista de Alves.


 


O mais bizarro, no entanto, aconteceu também na Rede TV!, quando a jornalista Sônia Abrão, apresentadora do programa A Tarde é Sua, conversou ao vivo, sim, ao vivo com Alves e Eloá por telefone. A ligação caiu por várias vezes e Sônia garantia que sua produção não estava “prendendo a linha” da casa da jovem e que Lindemberg poderia ser contatado via celular pela polícia, caso fosse necessário. Um verdadeiro show de horrores.


 


Faça agora um exercício de imaginação: o rapaz estava acuado. A polícia cercava todo o local e não havia para onde fugir. Ele estava armado, cansado e instável, com medo de ser preso, de ser morto. Em meio às negociações, vários veículos de mídia fazem contato com o jovem. Será que tais telefonemas não afetaram o estado de ânimo do rapaz? Será que isso não deu a ele a sensação de poder?


 


Indignação


 


Conversei com muitos colegas jornalistas sobre isso. Todos, repito, todos os profissionais com quem falei a respeito, se mostraram indignados e envergonhados com a atitude da mídia neste caso. Quem deu à imprensa poder de interferir de tal maneira no trabalho da polícia? Como assim entrevistar um seqüestrador armado, com duas reféns sob sua mira?


 


De fato, dessa vez, me assustei com os rumos que o jornalismo parece querer seguir. Um dos colegas com quem conversei disse: “me irrita essa coisa de jornalista se comportar como soldado do quarto poder”. Interessante, não?


 


Findo o seqüestro com um desfecho trágico, a mídia busca culpados pelos tiros que atingiram Eloá e Nayara. Fala em demora da ação do Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate), em erro de estratégia. E quanto à sua própria culpa? Será que a mídia não teve sua parcela de culpa nesse desfecho? É correto o artifício de entrar em contato com o seqüestrador para entrevistas?


 


Mais uma vez, a imprensa deu a uma notícia ares de espetáculo e, nesse caso, o tiro saiu pela culatra. Tomara que esse caso sirva para que a imprensa reflita e faça um mea culpa, e que não seja esse um precedente para outras coberturas que certamente estão por vir.


 


* Thaís Naldoni é jornalista, graduada pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e é editora-executiva do Portal Imprensa e apresentadora do programa Imprensa na TV.