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Umberto Martins: O pacote do G20 vai conter a crise?

Reunida no último sábado (15) em Washington, a cúpula do G20, grupo composto pelas 20 maiores economias do mundo, sugeriu aos que governam o mundo um pacote de 47 medidas para combater a severa crise econômica que eclodiu nos EUA em meados de 2007 e de

A resposta definitiva a esta indagação virá com o tempo, mas é sintomático que a notícia que forneceu a matéria-prima das manchetes da nossa mídia no domingo não animou os mercados, que despertaram mal humorados e deprimidos nesta segunda-feira (17), aparentemente fazendo ouvidos moucos aos líderes dos países que, em conjunto, se apropriam de estimados 85% da produção mundial. O dia foi marcado pela notícia de recessão no Japão e as bolsas fecharam em queda na Ásia, na Europa, nos Estados Unidos e no Brasil, onde o dólar continua em alta.



Senhorita anarquia



Os fatos estão conduzindo à conclusão de que no duelo entre os Estados capitalistas e os mercados esses últimos vêm se saindo bem melhor. Governos e bancos centrais revelam-se relativamente impotentes diante da crise, o que confirma diariamente o caráter objetivo dos fenômenos econômicos, que costumam ser indiferentes à vontade dos indivíduos, inclusive governantes.



As políticas públicas e proclamações altissonantes de autoridades econômicas não são suficientes para anular ou reverter o fato de que a expansão do capital não obedece à voz da razão, é guiada pelos caprichos da senhorita anarquia. Primeiro tivemos a resposta dos EUA, na forma de um plano que vai custar 850 bilhões aos contribuintes de todo o mundo, depois os bilhões da Europa, do Japão, da China e outros países menos poderosos. A crise não foi revertida e já é quase consenso de que ela mal começou e que seus efeitos mais dramáticos estão a caminho.



Afinal, não foram os neoliberais tão radicais em apregoar a supremacia dos mercados sobre o Estado? Eis que vemos nos fatos a supremacia dos mercados sobre o Estado, que de resto foi enfraquecido pelas políticas neoliberais. É uma verdade que nem mesmo o apelo desesperado dos senhores proprietários do capital para a intervenção dos governos nas economias, que contraria e desmoraliza os postulados da ideologia dominante (evidenciando sua falsidade), pode negar.



Transição geopolítica



De positivo, podemos dizer que o G20 tem a virtude de conter implicitamente o reconhecimento da obsolescência do G7, que, em função dos efeitos em médio prazo do desenvolvimento desigual das nações, já não representa sequer as sete economias mais ricas do planeta. Sinaliza, também, o progressivo deslocamento do eixo do poder mundial do Ocidente para o Oriente e dos EUA para a China, o que significa que está em curso um movimento de transição geopolítica, ainda que embrionário. Mas, embora isto tenha lá sua importância, não é tudo.



O G20 agrega ao G7 (EUA, Japão, Alemanha, França, Inglaterra, Itália e Canadá) uma representação da União Européia e de outras doze economias consideradas “emergentes”: China, Índia, Rússia, Brasil, Coréia do Sul, África do Sul, Arábia Saudita, Turquia, México, Argentina, Austrália e Indonésia.



Que ninguém se iluda! Embora mais amplo que o G7, o G20 é composto e dominado por um conjunto de países capitalistas, inseridos na ordem imperialista, globalizada, de reprodução do capital e com ela comprometidos. Por esta razão, em função do seu caráter capitalista, o conteúdo das medidas que o grupo preconiza não ultrapassam os limites dos interesses do capital, não questiona o sistema imperialista em si, nem mesmo suas instituições, limitando-se a sugerir reformas de duvidosa eficácia e aplicação. Não se pode também esquecer que a reunião foi patrocinada por Washington e liderada pelo pato manco George Bush.     



Boas intenções



O documento do G20 cita o compromisso “com o avanço da reforma das instituições de Bretton Woods para que eles possam refletir melhor a mudança no peso das economias do mundo”. Sugere, também, o aumento dos recursos à disposição do FMI e do Banco Mundial para lidar com a crise, assim como a expansão do Fórum de Estabilidade Financeira (FEF, que reúne representantes dos países que compõem o G7).



Será que a abordagem remoçada do FMI e do Banco Mundial é aconselhável? As velhas e desmoralizadas instituições de Bretton Woods são passíveis de reformas progressistas? É verdade que o G20 propugna medidas anticíclicas, como a redução dos juros e das restrições fiscais, que não constavam da cartilha recessiva do Fundo, mas ainda faz a ressalva de que só podem ter tais privilégios os países que políticas econômicas consideradas corretas e estão com as finanças em dia. Por este critério, os EUA, que acumularam a maior dívida externa do planeta, deveriam ser deixados de fora, mas a recomendação obviamente não vale para a potência hegemônica, é uma alusão a países rebeldes (como a Venezuela) e aos mais pobres.



O grupo também fez questão de elencar uma série de medidas aparentemente carregada de boas intenções e destinadas a promover uma maior regulação do sistema financeira, como se a crise estivesse restrita ao âmbito financeiro. A crise do capitalismo, contudo, é muito mais abrangente e tem seus aspectos mais dramáticos precisamente no setor produtivo, onde se desdobra na tragédia social do desemprego em massa.



Privilégios do império



Assim como o plano Bush, o documento do G20 sequer menciona a necessidade de adotar medidas urgentes focalizadas na proteção aos interesses da classe trabalhadora, que de longe é a principal vítima da crise capitalista. Nada fala sobre a necessidade de garantir maior estabilidade no emprego, interromper as execuções hipotecárias, defender os salários e brecar a crescente precarização das relações entre capital e trabalho. O texto não contempla o trabalho, objetiva apenas livrar a cara do capital e do capitalismo a pretexto de combater a crise. Finalmente, o grupo também evitou responsabilizar os Estados Unidos e os formidáveis desequilíbrios comerciais e financeiros que cultiva pela turbulência econômica.



Tem razão o líder da revolução cubana, Fidel Castro, ao dizer que a reunião “favorece o império, que não recebe crítica alguma a seus métodos abusivos. No meu ponto de vista, não foram tocados nem com a pétala de uma for os privilégios do império”, sustentou o comandante em artigo publicado no Granma. Na mesma direção, os manifestantes ligados aos movimentos sociais que realizaram uma marcha pelas ruas de Washington no sábado encenando um funeral simbólico do sistema capitalista indagaram: “o capitalismo está sendo salvo para quem? Para os ricos e poderosos”.  



A reunião do G20 e as medidas por ela preconizadas parecem fadadas ao fracasso, pois não tocam no essencial, que é a necessidade urgente de uma transformação profunda na ordem econômica internacional hegemonizada pelos EUA e não apenas uma regulação maior do sistema financeiro. O G20 não está em sintonia com os interesses da classe trabalhadora e dos povos, é mais um instrumento subordinado ao sistema imperialista e às grandes corporações capitalistas que dele se beneficiam.