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Jovens muçulmanos constroem cultura alternativa nos EUA

Há cinco anos, jovens muçulmanos em todos os Estados Unidos começaram a ler e a passar adiante a cópia de um livro obscuro chamado “The Taqwacores”, sobre muçulmanos fictícios da cena punk rock em Buffalo. “Esse livro ajudou a criar minha identidade”, dis

Muçulmana nascida no Paquistão, Naina disse que passou horas no telefone ouvindo sua irmã mais velha ler o livro para ela. “Quando eu finalmente li o livro”, disse, “foi uma experiência sensacional”.



O livro é “O Apanhador no Campo de Centeio” dos jovens muçulmanos, disse Carl W. Ernst, professor de estudos islâmicos na Universidade da Carolina do Norte, em Chapel Hill. Depois de brotar da imaginação de Michael Muhammad Knight, o livro inspirou os jovens muçulmanos rebeldes dos Estados Unidos a formarem bandas punks de verdade e a construírem sua própria cultura alternativa.



Agora o sucesso underground do punk muçulmano resultou num filme independente de baixo orçamento baseado no livro.



Um grupo de artistas punk que moram numa república em Cleveland chamada Tower of Treason [Torre da Traição] ofereceram a casa como set de filmagem. As ruas esburacadas e fachadas de loja remendadas com tábuas do bairro lembram algumas áreas de Buffalo. A filmagem aconteceu em outubro e o filme será lançado no ano que vem, diz o diretor Eyad Zahra.



“Ver esses personagens que costumavam viver apenas dentro da minha cabeça andando por aí, e pensar em todos esses jovens vivendo partes do livro, é totalmente surreal”, disse Muhammad Knight, 31, enquanto passeava pelo set de filmagem.



Como parte do set, um músico de punk rock muçulmano, Marwan Kamel, 23, pintou “Osama McDonald”, uma figura com o rosto de Osama Bin Laden sobre o corpo de Ronald McDonald. Kamel disse que a pintura era um protesto contra o imperialismo das corporações norte-americanas e contra o Wahhabismo, a forma mais rígida do Islã.



Noureen DeWulf, 24, uma atriz que faz o papel de roqueira no filme, defende a mensagem do roteiro. “Sou muçulmana e sou 100% americana”, diz DeWulf, “Então posso criticar minha fé e meu país. Rebeldia? Punk? Isso é totalmente americano”.



O título do livro combina as palavras “taqwa”, árabe para “piedade”, com “hardcore”, usada para descrever muitos gêneros raivosos de música ocidental.



Modelo



Para muitos jovens muçulmanos americanos, estigmatizados por seus colegas depois dos ataques de 11 de setembro e rejeitados tanto pela reação do governo Bush aos ataques quanto pelo rígido conservadorismo de muitos líderes muçulmanos, o livro tornou-se um modelo para suas vidas.



“Ler o livro foi totalmente libertador para mim”, disse Arrej Zufari, 34, professora muçulmana de humanidades na Faculdade Comunitária de Valencia em Orlando, Flórida.



Zufari disse que ela ouvia música punk durante a adolescência em Arkansas e descobriu “The Taqwacores” há quatro anos. “Ali estava alguém tão frustrado com o Islã quanto eu”, disse ela, “e ele expressou isso usando bandas que eu adoro, como o Dead Kennedys. Juntou tudo”.



Os personagens muçulmanos do livro incluem Rabeya, uma riot girl que toca guitarra no palco usando uma burca e lidera um grupo de orações de homens e mulheres. Há também Rasiq, um skatista viciado em maconha, e o bêbado Jehangir.



Essas atitudes – tocar música ocidental, mulheres liderando orações, homens e mulheres rezando juntos, beber e fumar – são consideradas “haram”, proibidas, por milhões de muçulmanos.



Muhammad Knight nasceu católico irlandês no norte do Estado de Nova York e converteu-se ao Islã quando era adolescente. Ele estudou numa mesquita no Paquistão, mas se desiludiu com o Islã depois de saber das guerras sectárias depois da morte de Muhammad.



Ele disse que escreveu “The Taqwacores” para fazer uma ponte entre ser um muçulmano praticante e um jovem americano revoltado. Ele encontrou validação na vida de Muhammad, que instruía as pessoas a ignorar seus líderes, destruir os falsos deuses e seguir apenas a Alá.



Depois de ler o livro, muitos muçulmanos mandaram e-mails para Knight, pedindo o endereço do próximo show de punk muçulmano. Quando ficaram sabendo que essas bandas não existiam, alguns deles criaram suas próprias bandas, como nomes como Vote Hezbollah e Secret Trial Five.



Uma banda, chamada Kominas, escreveu uma música chamada “Suicide Bomb the Gap”, que se tornou o primeiro hino do punk rock muçulmano.



“Enquanto muçulmanos, não seremos honestos se criticarmos os Estados Unidos sem primeiro criticar a nós mesmos”, disse Kamel, 23, que cresceu numa família síria em Chicago. Ele é o vocalista da banda al-Thawra, “a Revolução” em árabe.



A mescla entre o Islã e a rebeldia encontrou ressonância em muitos jovens americanos muçulmanos. Hanan Arzay, 15, é filha de imigrantes muçulmanos do Marrocos e mora em East Islip, Nova York. Nos meses após os ataques de 11 de setembro, os pedestres jogaram ovos e copos de café na van que a levava para a escola muçulmana, disse ela, e uma pessoa jogou uma garrafa de vinho, estilhaçando uma janela da van.



Na escola, seu professor do Alcorão jogava pedaços de giz nela para pedir traduções literais do livro sagrado, disse Arzay. Depois de ser expulsa de duas escolas muçulmanas, ganhou do tio o livro “The Taqwacores”. “Esse livro foi minha salvação”, disse Arzay. “Ele salvou a minha fé”.



Fonte: New York Times