''Apego emocional'' prejudica negócios de magnata da mídia
Rupert Murdoch mandou construir um escritório para ele no Wall Street Journal poucos dias depois de comprar o jornal, 14 meses atrás, e o vem usando bastante – para ordenar uma série de mudanças no conteúdo e na cultura do jornal, sempre conservador. E
Publicado 02/03/2009 21:27
Mas Murdoch é tanto um barão da imprensa à moda antiga quanto um magnata da mídia do século 21, e precisa enfrentar uma realidade deprimente: o apreço duradouro que manteve pelos jornais em papel tem prejudicado o desempenho de sua empresa, a News Corp.
O grupo recentemente contabilizou prejuízos de US$ 8,4 bilhões, US$ 3 bilhões dos quais na divisão de jornais, que inclui a Dow Jones, responsável pelo Wall Street Journal. Os preços das ações da News Corp. caíram em quase dois terços no ano passado, declínio mais severo que o registrado em conglomerados rivais de mídia como a Time Warner e a Viacom.
Em um momento econômico mais vibrante, os investidores e analistas se dispunham mais a deixar passar o apego de Murdoch aos jornais – que hoje representam a maior fonte de receita do grupo, respondendo por 19% no último trimestre. Mas hoje em dia a tarefa é mais difícil, já que as demais mídias estão em crise e os jornais passam por sua pior queda desde a Grande Depressão.
''O que ouvimos dos investidores é que gostariam que a News Corp comprasse qualquer coisa a não ser novos jornais'', diz David Joyce, analista de mídia da Miller Tabak & Company.
''Os investidores são mais compreensivos quando estão de melhor humor'', afirmou. ''Mas a esperança de uma reversão na situação nos jornais está se provando ilusória''.
O declínio econômico e os problemas das publicações de mídia impressa colocam em destaque o amor por Murdoch e sua tomada de controle da Dow Jones, finalizada pouco antes que a recessão começasse. Murdoch, presidente-executivo e do conselho da News Corp., pagou mais de US$ 5 bilhões por um ativo que gerou receita operacional de US$ 100 milhões no ano passado, e o preço parece tremendamente exagerado hoje. Murdoch se recusou a comentar para este artigo.
A empresa não divulga detalhes sobre o desempenho do Wall Street Journal, mas executivos do grupo dizem que, como no resto do setor, o jornal apresentou severo declínio em receita publicitária.
Em outra área, porém, o Wall Street Journal superou quase todos os seus concorrentes, ao manter uma circulação paga de cerca de dois milhões de cópias, em papel e online, no período mais recente, enquanto quase todas as demais grandes publicações exibiam quedas. Alguns dos assinantes recebem apenas a versão online, o que torna a publicação um dos poucos jornais a obter sucesso em cobrar pelo conteúdo oferecido na web.
Parte desse sucesso, porém, pode se dever a pesados descontos, uma prática que antedatou a tomada de controle pela News Corp.
Murdoch conquistou uma repetição merecida por fechar negócios que se enquadram às suas preferências pessoais, como a aquisição da Dow Jones, ainda que os especialistas discordem. Esse aspecto instintivo da personalidade de negócios de Murdoch costumava ser apreciado no passado – ele recebeu elogios ao abocanhar o MySpace por US$ 850 milhões em 2005, superando a proposta da Viacom -, mas agora parece prejudicá-lo aos olhos de Wall Street.
''Inclinações e apegos emocionais afetam nossas decisões de maneira realmente significativa'', diz Sydney Finkelstein, professor da Escola Tuck de Administração de Empresas, na Universidade Dartmouth. ''E, no caso de Rupert Murdoch, existe um apego amplo ao setor de negócios, porque foi assim que ele começou, e é algo que ele realmente compreende; também parece que era emocionalmente importante para ele controlar o Wall Street Journal''.
Na publicação, as marcas de Murdoch e do homem que ele conduziu ao posto de editor chefe, Robert Thomson, são visíveis desde a primeira página, onde hoje as manchetes são maiores, a cobertura política ganhou destaque e há menos das reportagens longas e ocasionalmente idiossincráticas que caracterizavam o jornal no passado. Eles também adotaram textos mais curtos e transferiram parte da cobertura de negócios às seções traseiras do jornal.
Mas alguns jornalistas também descrevem um certo alívio por o novo regime ter acabado com as ''panelinhas'' e as disputas de política internas que caracterizavam o jornal nos anos finais de propriedade da Dow Jones. Os repórteres e editores dizem também que Murdoch relaxou uma cultura que no passado podia ser excessivamente cuidadosa, e requeria múltiplos memorandos longos para dar início a um projeto de reportagem e diversas rodadas de trabalho de edição antes que um artigo fosse finalizado.
A maior esperança de Murdoch, no que tange aos seus jornais, parece ser a de agüentar até o fim da crise e torcer por um futuro no qual haja menos jornais contra os quais concorrer.
''Está no sangue dele'', disse o analista Joyce sobre o apego de Murdoch aos jornais em papel. ''Foi assim que surgiu a News Corp., 50 anos atrás''.
Fonte: New York Times
Tradução: Paulo Migliacci ME