A máfia 'vai se aproveitar do terremoto' na Itália
Roberto Saviano, autor do best-seller “Gomorra”, assegura que os fundos destinados à ajuda à região de Abruzzo, recentemente atingida por um terremoto, correm o risco de virarem alvo do crime organizado.
Publicado 16/04/2009 16:32
Saviano, cujo livro vendeu 1,8 milhões de exemplares e foi traduzido para 43 idiomas, fez essa advertência em uma entrevista ao jornal La Reppublica, depois de visitar a área devastada.
Ele tem vivido sob proteção policial, desde que os chefões da La Camorra, a máfia napolitana, ameaçaram assassiná-lo por ele tê-los “insultado” e revelado segredos de suas operações em uma reportagem, que também foi adaptada para as telas do cinema.
Saviano recordou como o desastroso terremoto em Irpinia, próxima de Nápoles, em 1980, que matou 2.735 pessoas e deixou 230 mil desabrigados, se converteu em uma enorme oportunidade de negócios para o crime organizado.
“O que para a população foi uma tragédia, para outros pode se converter em uma oportunidade, uma mina de ouro, um paraíso de lucros”, disse.
Apesar de a localidade estar próxima das partes do sul da Itália, onde a máfia é mais poderosa, Saviano disse que Abruzzo foi relativamente ignorada, até a data, pelas máfias da Campania e Calábria porque era “carente de possibilidades para fazer grandes negócios”, mas, de qualquer forma, os gangsters não estão longe dali.
Apenas 80 chefões da máfia estavam presos na prisão de L’Aquila, até que o Ministério do Interior ordenou que fossem transferidos com urgência, devido ao risco de a prisão desmoronar durante uma das réplicas do terremoto.
Os mafiosos veteranos que ainda estão livres se reuniram há alguns anos em Abruzzo para maquinar seus planos. Um importante traficante chamado Diego León Montoya Sánchez, que está na lista dos 10 mais procurados pelo FBI americano, tem uma base em Abruzzo, enquanto que outros criminosos revelam que, devido à paisagem montanhosa, agreste e pouco povoada, a área é ideal para escapar da polícia.
O parque nacional de Abruzzo é, por outro lado, o lugar ideal para os resíduos perigosos dos traficantes, que têm um papel de relevo no mundo da Camorra, em Nápoles.
Saviano advertiu que, tudo isso seria nada mais que um aperitivo, comparado com o festim de corrupção e infiltração que poderia ser suscitado ante as quantias de dinheiro que serão destinadas à reconstrução. O que passou depois do temor em Irpinia é uma amostra-grátis horrenda.
Cerca de 55 bilhões de liras chegaram à região, mas dez anos depois do terremoto, uma em cada três atingidos pelo terremoto vivia ainda sob teto provisório.
Somente uma fração do dinheiro chegou às vítimas, enquanto isso prosperavam os contratistas da reconstrução, os políticos locais e a Camorra.
Realidade diferente
Os esforços de resgate em Abruzzo foram infinitamente maios rápidos e eficazes que os de Irpinia, onde as primeiras equipes militares de resgate chegaram, mal equipadas, quase 24 horas depois do terremoto.
Liderados pela Força de Proteção Civil, criada depois do fracasso em Irpinia, as equipes de ajuda em Abruzzo acomodaram dezenas de milhares de desabrigados em tendas, os alimentaram e cuidaram deles na velocidade de um raio. Mas Saviano adverte que, da mesma forma que em Irpinia, há um exército de profissionais da construção civil esperando a oportunidade de se lançarem sobre o tesouro governamental.
“Desenhistas, pesquisadores do censo, engenheiros e arquitetos estão a ponto de invadir Abruzzo, graças a um instrumento aparentemente inócuo, mas que é o tiro de partida da corrida para a invasão do cimento: a maneira de declarar os danos ocorridos nos edifícios”, afirmou.
Nos próximos dias serão distribuídos formulários às prefeituras de todos os distritos de Abruzzo. Centenas de formulários para milhares de vistorias. Quem tiver um desses documentos nas mãos terá a certeza de que receberá uma excelente remuneração, alimentada por um sistema incrível.
Em Irpinia a corrupção grangeou porque, com frequencia, o mesmo funcionário que aprovava o pagamento para a reconstrução estava diretamente envolvido nessa mesma reconstrução.
As enormes somas de dinheiro que foram despejadas sobre essa região fizeram que, surgissem cada vez mais construções atingidas pelo sismo, de maneira que o número de construções danificadas passou de 143 para 690.
O resultado foi que, muitos daqueles que realmente precisavam de ajuda ficaram sem nada, os insistentes inescrupulosos engordaram e a Camorra se beneficiou.
Como impedir esses mesmos erros em Abruzzo? “A única coisa que se pode fazer é criar uma comissão, com autoridade suficiente para monitorar a reconstrução”, assinalou Saviano, que completou: “Devido ao enorme risco de infiltração criminosa, a única homenagem que podemos fazer aos que morreram no terremoto é não permitirmos que a especulação volte a ser vitoriosa, como já aconteceu no passado”.
Fonte: The Independent