Pirataria: por que os somalis tomam navios?
Após a execução de três somalis e a captura, com ferimentos, de um quarto no Oceano Índico, em 12 de abril, um líder dos autodenominados piratas jurou vingar as mortes dos três jovens, que mantiveram em cativeiro um capitão americano do navio Maersk Al
Publicado 16/04/2009 13:11
O Maersk Alabama jamais foi capturado ou abordado pelos Somalis, embora seu capitão tenha ficado sob a custódia dos piratas por cinco dias. O capitão não foi ameaçado nos cinco dias que permaneceu como refém e o navio mais tarde aportou em Mombasa, no Quênia, país da parte oriental da África.
Desde a cidade costeira de Eyl, Abdi Garad, um porta-voz do grupo de somalis que tentou abordar o navio dinamarquês de 17 mil toneladas de deslocamento, a cerca de 450 quilômetros da costa, disse à agência francesa France Presse (AFP) que ''os mentirosos americanos mataram nossos amigos depois que eles haviam concordado em libertar o refém, sem piedade. Mas eu digo a vocês, isso vai ter uma retaliação, e nós agora partiremos para a caça de cidadãos americanos que por acaso naveguem em nossas águas''.
''Nós vamos intensificar nossos ataques até bem mais distante das águas da Somália, e da próxima vez que nós pegarmos cidadãos americanos… eles não devem esperar piedade de nós'', continuou.
Garad argumenta que, após divulgar o valor do resgate, os somalis pediram que o capitão Phillips fosse trasladado para um outro barco do grupo.
Jamac Habeb, um somali de 30 anos da cidade de Eyl, declarou ao jornal Inside Somalia em 13 de abril que ''de agora em diante, se a gente capturar navios estrangeiros e seus respectivos países nos atacarem, nós os mataremos. As forças armadas dos EUA são nossas inimigas número um''.
Outro somali, Abdulahi Lami afirma no mesmo artigo que os piratas não serão intimidades pelas ações militares dos EUA no Oceano Índico. ''Todo país será tratado do mesmo modo que trata a gente. No futuro, os Estados Unidos estarão lamentando e chorando. Nós vamos retaliar as mortes dos nossos homens'', ameaçou.
De acordo com relatos oficiais divulgados pelas forças armadas americanas, franco-atiradores posicionados no vaso de guerra USS Bainbridge dispararam e mataram três somalis após monitorar o comportamento deles por três dias. O plano de matar os somalis foi aprovado, segundo o relatório, pelo presidente Barack Obama.
Porta-vozes da marinha dos EUA alegaram que os franco-atiradores dispararam contra os somalis quando perceberam que a vida de Phillips estava em perigo. ''Eles estavam mirando suas AK-47 contra o capitão'', afirmou o vice-almirante William Gortney, que chefia o Comando Central da marinha americana. Suas declarações foram dadas em um briefing a partir de Bahrain e foram divulgadas pela catariana al-Jazira em 13 de abril.
Entretanto, essa versão foi desmentida pelos somalis, que apoiam os saques a navios. Eles alegam que os três jovens foram mortos depois de terem concordado em dar um fim ao sequestro, libertando Phillips. Essa operação ocorreu somente dois dias depois que uma ação similar, realizada por comandos militares franceses, abordou um barco tomado pelos piratas resultando na morte de um dos franceses capturados.
O correspondente da al-Jazira, Mohammed Adow, afirmou em uma reportagem que ''há relatos de que as forças americanas atacaram o bote enquanto os piratas aguardavam negociar, sendo que um deles, o sobrevivente, foi levado para um dos barcos americanos ancorado naquelas águas''.
Em um outro acontecimento que aumentou mais ainda a tensão naquela região, dois helicópteros da marinha americana, em voo baixo, passaram sobre áreas portuárias da cidade de Harardhere, no nordesde da Somalia, em 12 de abril. Os militares americanos argumentam que esta área é a ''base'' das operações piratas contra navios que trafegam no Golfo de Aden.
Moradores da área acreditam que os helicópteros passaram em missão de planejamento de um raid aéreo na região. ''Pescadores decidiram não trabalhar na manhã seguinte, por causa do voo dos helicópteros. Ficaram amedrontados'', segundo o Inside Somalia, de 13 de abril.
Por trás da escalada da ''pirataria''
Nos últimos meses, piratas somalis alegam que corporações europeias estão descarregando lixo tóxico na costa da nação, na região que é conhecida por ''Chifre da África''. Um navio ucraniano foi sequestrado e depois liberado pelos somalis, após um milionário resgate pago por seus proprietários. Esse dinheiro, segundo eles, tem sido usado para limpar o lixo deixado nas costas do país.
Em entrevista à al-Jazira, em 11 de outubro do ano passado, Januna Ali Jama, um dos porta-vozes dos piratas somalis, afirmou que o dinheiro pago nos resgates serve como meio de ''reagir ao lixo tóxico que tem sido continuamente depositado nas praias de nosso país por mais de 20 anos''.
''A linha costeira da Somália tem sido destruída ao longo dos anos, e nós acreditamos que este dinheiro não é nada comparado à devastação que temos visto nessas áreas'', afirmou Jama, a partir de seu escritório na região semiautônoma de Puntlândia.
Outras evidências de depósitos de lixo tóxico foram relatadas pelo enviado das Nações Unidas à Somalia, Ahmedou Ould-Abdallah, que disse à al-Jazira que tinha ''fontes confiáveis'' sobre o despejo de lixo tóxico por parte de corporações europeias e asiáticas, inclusive despejo de lixo nuclear, nas praias do país.
''Devo sublinhar, porém, que essas ações não foram endossadas por nenhum governo e que empresas privadas e alguns indivíduos agem sozinhos e são inteiramente responsáveis por isso'', considerou.
Em seguida ao tsunami de dezembro de 2004, começaram a surgir evidências que confirmam a atividade de despejo ilegal na região. O Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas (UNEP) relatou que o tsunami acabou trazendo à tona conteineres velhos e enferrujados, que continham lixo tóxico, nas praias de Puntlândia, região que fazia parte da Somalia até a queda do governo pró-ocidental de Mohammad Siad Barre em 1991.
Um porta-voz da UNEP, Nick Nuttall, afirmou à al-Jazira, no mesmo artigo, que os conteineres foram abertos pela violência das ondas que golpearam a costa somali, espalhando o lixo tóxico, conteúdo que ficara escondido por muitos anos. ''A Somália tem sido usada como lixão para substâncias perigosas desde o início da década de 1990, e isso continuou acontecendo durante os anos de guerra civil subsequentes. Empresas europeias descobriram que é muito barato se desfazer do lixo por ali. A tonelada de lixo jogado ao mar custa cerca de US$ 2,50 para essas empresas, enquanto pagariam aproximadamente mil dólares por tonelada para se desfazerem do lixo nas costas da Europa'', afirmou Nuttall.
Nuttall também revela que há ''muitos tipos diferentes'' de lixo. ''Existe lixo radiativo de urânio. Há chumbo e outros metais pesados como cádmio e mercúrio. Há também lixo industrial e hospitalar, ou químicos, se quiser''.
A partir do momento que esses conteineres chegaram à costa, começaram a surgir diversas doenças entre a população local, incluindo sintomas como sangramentos na boca ou no intestino, infecções da pele e outras enfermidades.
''Nós (da UNEP) planejamos realizar uma abordagem profunda e significativa da magnitude deste problema. Mas por causa do alto nível de insegurança na costeira e ao largo dela, estamos impossibilitados de proceder um exame acurado desse problema'', continuou.
Todavia, Ould-Abdallah disse que o despejo ilegal de lixo tóxico continua na região. ''O que é mais alarmante aqui é que até lixo nuclear tem sido despejado. Urânio radiativo é um potencial agente da morte de somalis e da destruição da vida nesta parte do oceano''.
Mohammed Gure, chefe da Ong Somalia Concerned Group (Grupo Preocupado da Somália), afirmou no mesmo artigo que o impacto ambiental e social do despejo desse lixo tóxico será sentido por décadas. ''A linha costeira da Somália é o lar e a fonte de vida para centenas de milhares de pessoas, como fonte de alimentos e riquezas. Boa parte disso está quase destruída agora, principalmente pela ação desses auto-denominados ministros, que venderam sua nação em troca de encher os bolsos de dinheiro''.
Outro fator envolvido na exploração da Somália é a passagem de linhas navais pelo Golfo de Áden, transportando bilhões de dólares em bens pela região a cada semana. Quase nada desse dinheiro é usado em benefício do povo somali, que sofre um subdesenvolvimento causado pela interferência dos Estados Unidos em seus assuntos internos.
O regime americano, sob administração de George W. Bush, financiou e projetou a invasão e ocupação do país pela vizinha Etiópia, um protetorado ocidental, em dezembro de 2006. Em resultado da feroz resistência, os militares etíopes abandonaram o país em janeiro de 2009. A formação de um novo governo fracassou ao tentar trazer todas as forças políticas para o governo.
Em seguinda, tropas ugandesas e burundis foram instaladas na capital, Mogadíscio, sob o patrocínio da Missão para a Somália da União Africana (Amisom, em inglês). O grupo principal da resistência, al-Shabab, continua a exigir a retirada das forças da União Africana, em troca da participação em um governo de coalizão chefiado pelo presidente, o xeque Sharif Ahmed.
O governo fantoche de Mogadíscio, que foi substancialmente apoiado pelo regime americano, aplaudiu o ataque aos piratas somalis. ''Ficamos muito contentes com a ação e seu resultados'', afirmou o ministro de Relações Exteriores Mohamad Abdullahi Omaar. ''Não estou surpreso, nem ninguém deve ficar surpreso, com as ações do governo americano para salvar seus cidadãos e garantir a segurança de seu povo'', disse Omaar à agência Reuters em 12 de abril.
Crescente presença militar americana
Relatórios recentes revelados pela Casa Branca indicam que a administração Obama está dividida em relação a como dar continuidade à sua política no Chifre da África. Alguns funcionários desejam uma aproximação diplomática do problema da pirataria, assim como atrair a atenção das nações europeias e asiáticas, para que ajudem a patrulhar as águas do Golfo de Áden e do Oceano Índico.
Entretanto, outros conselheiros influentes na Casa Branca desejam um envolvimento militar maior dos EUA, tanto em terra quanto no mar costeiro da Somália. O incidente recente envolvendo o Maersk Alabama serviu para que o Pentágono enviasse mais vasos de guerra para a região do Oceano Índico.
De acordo com estatísticas publicadas pelo Birô Marítimo Internacional, pelo menos uma dúzia de navios cargueiros e mais de 200 tripulantes estão sendo mantidos prisioneiros por piratas somalis na região. Ao mesmo tempo, a guerrilha ainda fustiga as tropas da Amisom e as forças leais ao governo de Mogadíscio, no interior da Somália.
Em 13 de abril, a rádio Garowe relatou que três pessoas tinham sido mortas depois de um ataque dos rebeldes ao porto de Mogadíscio. ''Desconhecidos, talvez guerrilheiros, lançaram um ataque de morteiros contra o principal porto da capital somali, Mogadíscio, em 11 de abril'', informou.
''Rebeldes islâmicos prometeram lutar contra o governo interím do país do Chifre da África. Testemunhas e trabalhadores do principal porto de Mogadíscio disseram que as tropas da Amisom fecharam as ruas e caminhos que levam ao porto e ocuparam as redondezas'', assinalou a rádio.
A reportagem revela também que ''há muitos soldados da Amisom em nossa área… no topo dos edifícios e eles não permitem aos cidadãos que deixem suas casas, segundo falou uma testemunha. Trabalhadores das docas disseram que um dos barcos da Amisom, que aportou no dia da ocupação, desembarcou equipamento militar, incluindo veículos, que foram transportados para as bases da Amisom em Mogadíscio''.
Baseado nestes relatos e no assassinato de três jovens somalis, é vital que as forças antiguerra e anti-imperialistas nos Estados Unidos enfatizem que o crescente envolvimento militar americano na região não criará uma situação política mais estável na Somália nem no resto do Chifre da África.
Na verdade, como o história já provou, o imperialismo americano no Chifre da África só gerou instabilidade e subdesenvolvimento na região. Em resultado das políticas de Bush para a Somália foi criada a pior crise humanitária do continente africano.
As forças progressistas devem exigir hoje a evacuação dos militares do Chifre da África, insistindo no direito de auto-determinação dos povos, inclusive pagando indenizações aos povos da Somália e do resto do Chifre da África.