Rainha dos 'Dalits', intocável quer ser premiê na Índia
Com o apelido de “rainha dos dalits” (ou intocáveis, a casta mais baixa da Índia), Mayawati Kumari, 53 anos, sonha em se converter na primeira-ministra da Índia para mudar a situação do grupo que representa. A favor, estão os milhões de eleitores do Es
Publicado 16/04/2009 17:45
Líder do BSP, o Partido Bahujan Samaj (ou Partido da Sociedade Dalit) e governadora desde de 1995 do Estado de Uttar Pradesh, com uma população quase equivalente à do Brasil, 182 milhões de habitantes, Mayawati poderá dificultar as coisas para o Partido do Congresso, atualmente no governo e com orientação de centro-esquerda e para o BJP, maior partido, de direita e líder da oposição.
Caso consiga seu objetivo, a ex-professora primária conquistará um feito, apesar de “a maior democracia do mundo” já ter tido um presidente da República “intocável”, Kocheril Raman Narayanan (1997-2002).
Os indianos da casta inferior dos “dalits” – 165 milhões, de um total de 1,17 bilhão de habitantes – se queixam dos obstáculos que sofrem para entrar no mercado de trabalho, conseguir moradia e se inscrever no sistema educacional.
Os atos violentos e de humilhações contra os indianos de castas inferiores são freqüentes, apesar de os textos proibirem qualquer discriminação. A “intocabilidade” foi formalmente abolida pela Constituição indiana de 26 de janeiro de 1950, mas a ONU denunciou, em 2007, que “de fato, a segregação persiste”.
Formação pessoal
A “irmã” Mayawati, ou a “rainha dos intocáveis”, nasceu em 1956 em uma família de curtidores de couro perto de Délhi. Nos anos 80, o presidente do BSP, Kanshi Ram, a convenceu a entrar para a política.
Apesar das acusações de corrupção e de enriquecimento pessoal denunciadas pela imprensa, a popularidade de Mayawati é imensa.
Para conseguir a reeleição em 2007 no governo de Uttar Pradesh, ela ampliou sua base eleitoral seduzindo até os indianos das castas mais altas – os brahmanes – e os de confissão muçulmana.
Mayawati, orgulho da comunidade, apesar de ser megalômana e exagerada – encheu a região de estátuas em homenagem a si mesma -, deseja ser a primeira dalit a liderar o Governo central se os dois principais partidos nacionais não conseguirem bons resultados.
Voz aos intocáveis
Vítimas de uma forte discriminação, os dalits, ou intocáveis indianos, começaram a usar a democracia como uma ferramenta para fazer suas vozes serem ouvidas na Índia.
“Os dalits se ergueram com a democracia e votam mais que o resto, porque viram nela uma ocasião de participar das decisões políticas. Em nível local, porém, são vistos com desprezo e até pressionados para não votar”, disse à EFE a professora Vidhu Verma, especialista em castas.
Mais de 160 milhões de dalits vivem na Índia, formando uma comunidade heterogênea excluída do sistema hindu de castas que se dedica às tarefas consideradas “impuras” – limpar latrinas, recolher lixo, por exemplo – e que é desprezada pelas demais.
Como o voto dessa comunidade – 16% do censo – é determinante em muitas circunscrições, os diferentes partidos tentaram conquistar a simpatia dessa parcela da população para obter uma maioria sólida em um pleito indefinido.
Chances eleitorais
Os analistas afirmam que os dalits se inclinarão por partidos mais afins à casta, como o Bahujan Samaj, de Mayawati, parte de uma inovadora “Terceira Frente” eleitoral que tem como meta colocar fim ao bipartidarismo na Índia promovido entre Partido do Congresso e BJP.
Muitos na Índia a consideram, de fato, o azarão deste pleito e, apesar de realmente surpreender se conseguir alcançar uma maioria suficiente para governar, “terá um papel de primeira linha nas negociações pós-eleitorais”, aposta Verma.
A liderança de Mayawati é indiscutível. Em um comício de encerramento de campanha para a primeira fase das eleições, a candidata qualificou as duas grandes legendas nacionais (Congreso e BJP) de “partidos dos capitalistas e milionários”. “Eles tornaram os pobres da Índia ainda mais pobres”, segundo a agência PTI.
Seguindo Ambedkar
A candidata concluiu um trabalho de décadas para aproveitar a democracia e dar voz a esta comunidade tão grande como desprezada, que teve em Bhimrao Ambedkar, o pai da Constituição indiana, de 1950, o primeiro grande defensor dos dalits.
Apesar de ter nascido em uma família intocável, Ambedkar (1891-1956) se graduou em Direito e se tornou um ativista social e político que denunciou o sistema de castas e promoveu e alcançou a abolição do mesmo.
“Ambedkar é o artífice da libertação dalit. É um ator fundamental na História, um homem que deu a vida pela causa. Os dalits ainda o respeitam, apesar do tempo que se passou”, disse Verma.
No entanto, a ilegalização das castas e a implantação de cotas na universidade e na Administração para os dalits não trouxe o fim ao sistema, que persiste no campo e serve como instrumento para a mobilização do voto.
Em áreas rurais, os intocáveis vivem em zonas afastadas e ainda são proibidos de entrar em templos ou de ter acesso a fontes de água comuns, um exemplo da discriminação contra a qual Ambedkar lutou com fervor, até o ponto de abandonar o hinduísmo e se converter ao budismo.
Na última terça, a luta do ativista foi novamente lembrada em uma festa anual que homenageia a data de seu nascimento.
“Nós nos reunimos para colocar guirlandas ou rezar diante das estátuas de Ambedkar. Em nosso ato, éramos 300 pessoas, mas saiu gente por toda a Índia”, disse em Chennai, sul do país, um porta-voz do partido Panteras Dalits (VCK).