Sem categoria

Paraguai: operação para desestabilizar Lugo está em curso

''O que está acontecendo hoje no Paraguai apresenta todas as características de uma operação que pretende afetar a governabilidade do presidente Fernando Lugo'', avalia Rocco Carbone, professor da Universidade Nacional de General Sarmiento, em artigo p

O professor se refere aos ataques da oposição ao presidente e à situação instalada no país, desde que Lugo reconheceu a paternidade de um filho de dois anos e, na sequência, outras mulheres começaram a anunciar mais rebentos do ex-bispo. Lugo disse que se responsabilizará por erros que tenha cometido, pediu perdão ao povo e tentou continuar seu governo, que, afinal, nada tem a ver com sua vida pessoal.

Seus adversários, contudo, têm esticado a corda na tentativa de desestabilizar o presidente. Ele tem tido dificuldades até mesmo com seu vice, Federico Franco, do Partido Liberal Radical Autêntico, que sempre brigou por espaços no governo e agora parece sonhar com a cadeira de Lugo.

Ontem, o presidente paraguaio disse que, no país, ''há muita gente que se sente capaz de governar o país, mas pouca gente capaz de ganhar eleições transparentes, livres e democráticas''. Lugo desafiou ''todos os que querem governar esse país a se prepararem para 2013 e ganharem as eleições, ao invés de se esconderem atrás de um julgamento político''.

Após diversas denúncias de que bombas teriam sido colocadas em locais públicos de Asunción (uma delas, inclusive, foi detonada, sem que houvessem vítimas), Lugo alertou para a existência de uma ''guerra suja psicológica''. Segundo ele, grupos tentam impedir a democracia, colocando explosivos en alguns edifícios do Estado e espaços públicos para criar confusão. Ele, contudo, assegurou que a ofensiva não terá êxito, pois será combatida com dureza.

Leia abaixo o artigo de Rocco Carbone:



Operação Lugo

Por Rocco Carbone*, para o Página 12 

Rodríguez de Francia, Carlos Antonio López, Francisco Solano López, Stroessner: Representam ditaduras que ocuparam a metade da existência do Paraguai como unidade política. Se a esses personagens acrescenta-se a guerra contra a Tríplice Aliança e a do Chaco, e seis décadas de hegemonia colorada, surge a palavra tragédia. Foi isto que Lugo herdou em 2008.

Lugo, o ex-bispo que nos anos 70 foi missionário na província andina de Bolívar (Equador), onde começou a interessar-se pela Teologia da Libertação, voltou ao Paraguai em 82, e, em 94, na qualidade de bispo, foi designado para a diocese de São Pedro, onde apoiou os camponeses sem terra.

Em março de 2006, deu-se o momento de sua primeira ação política: convocou 40 mil pessoas para que se manifestassem contra a violação constitucional de Duarte Frutos, chefe de Estado e presidente do Partido Colorado. A partir desse momento, ganhou força a idéia de que era possível juntar correntes políticas heterogêneas com vistas a desbancar o coloradismo. Assim, se colocou em marcha a Concertación Nacional e, em 25 de dezembro do mesmo ano, Lugo decidiu postular as eleições gerais.

Com o seu surgimento no cenário político paraguaio se formulou a negação de uma práxis de gestão governamental de caráter tradicional que se constituía na ausência de uma visão de país. E isto se deu em um contexto particular, naquele em que diferentes países da América Latina implementavam mudanças mais ou menos radicais na maneira de pensar e fazer política (processos que continuam em andamento).

Com o surgimento de novos atores: líderes oriundos já não das elites políticas, mas sim pertencentes, em alguns casos, aos grupos de baixo; novas lideranças, à margem dos partidos tradicionais, novos partidos, vinculados a um protagonismo das massas populares historicamente relegadas, que lutam por um papel no debate político regional. De concreto: Bolívia, mas também outros países latino-americanos, com diferentes matizes.

A emergência politizada do ex-bispo é resultado do mal-estar por parte do eleitorado em uma nação governada pelos Yvy jara: um partido burocrático que se encastelou no poder, ao longo de seis décadas, aumentando a pobreza, com uma administração fraudulenta e corrupção generalizada.

Nesse contexto, a candidatura de Lugo foi sustentada por grupos progressistas que compreendem sindicados e movimentos sociais organizados, sobretudo junto aos camponeses. A figura do ex-bispo tornou possível a Aliança Patriótica para a Mudança (APC), nascida no final de 2007, e abriu a perspectiva de uma mudança em tempos de reencontros em Nossa América.

Essa mesma Aliança, entretanto, se organiza em uma base ideológica perigosa. Nela confluem forças de direita, de centro e de esquerda, com diferentes matizes, que encontram um ponto de referência no líder. A APC, portanto, se trata de uma plataforma contraditória que, ao longo desse ano, obrigou Lugo – quem sabe como estratégia de sobrevivência – a não definir-se publicamente em matéria ideológica.

Paraguai 2009. O que está acontecendo hoje apresenta todas as características de uma operação que pretende afetar a governabilidade de Lugo. Atacar a sua autoridade para que esta perca legitimidade. E que, ao perdê-la, o faça oscilar no espectro político.

Afirmar que Lugo, como bispo, era moralmente desprezível, quando, na realidade, se acreditava irrepreensível (reconhecido também por sua posição progressista em uma região socialmente conflituosa, na qual manifestou apoio aos camponeses expulsos pelas corporações do agronegócio), o transforma em pouco acreditável no terreno político, fazendo com que seja questionada a sua retidão.

Em paralelo: com essa operação – armada a partir de uma combinação de sexo, filhos em profusão, quantidade de jovens abusadas, machismo – se procura impactar a classe média e média-baixa urbana do país e os grupos católicos. Banda que contestou a convocatória luguista e que se define por sua banalidade (húmus para o sensacionalismo), apatia e conservadorismo político.

A título de hipótese, seria preciso verificar que esferas da estrutura econômica, política, social ou jurídico-institucional foram alteradas por Lugo – que condensam os privilégios e os mecanismos instalados de acumulação de riqueza – dos tradicionais Yvy jara: a Associação Nacional Republicana-Partido Colorado, ao qual se somam as ambições do Partido Liberal Radical Autêntico que pode voltar a aspirar ao poder depois de 70 longos anos, via Federico Franco, o vice-presidente.

Detentores do poder a que se somam seus próximos: as oligarquias rurais e exportadora, o empresariado corrupto de ascendência colorado-stronista, os narcos e seus correlatos (polícia, exército, aparato judicial, altos escalões do governo), até passando por transnacionais.

*Rocco Carbone é ensaísta, profesor da Universidade Nacional de General Sarmiento.


Com agências