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Usuários de crack criam estratégias contra exclusão social

Segundo a psicofarmacóloga Solange Nappo, que estuda a droga desde 1992 em São Paulo, as associações do crack com outras drogas lícitas e ilícitas amenizam os principais efeitos colaterais, como a psicose e a fissura (desejo compulsivo de consumir a su

Alguns usuários de crack desenvolveram estratégias para lidar com o vício e, ao mesmo tempo, não ficar excluídos em guetos como a Cracolândia, em São Paulo, apontam as pesquisas da psicofarmacóloga da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Solange Nappo, que estuda a droga desde 1992.



A pesquisadora acredita que as associações do crack com outras drogas lícitas e ilícitas feitas por essas pessoas amenizam os principais efeitos colaterais: a psicose e a fissura (desejo compulsivo de consumir a substância).



“Quando o crack surgiu, eles não misturavam com nada para não perder o efeito. Hoje em dia, eles abrem mão de parte desse efeito prazeroso para não sentir o outro efeito que é tão lastimável”, disse Solange.



Apesar dos efeitos ainda incertos sobre a saúde com a mistura de outros elementos ao crack, essas pessoas conseguem trabalhar e conviver com a família, afirma a pesquisadora. “Alguns têm obtido sucesso, não se sabe a que preço. Mas têm obtido sucesso porque estão vivos e inseridos na sociedade.”



De acordo com a pesquisadora, essas estratégias podem ser estudadas para que seja desenvolvido um modelo de redução de danos. Ela explicou que o combate as drogas ocorre em três etapas: prevenção, o tratamento e redução de danos para os dependentes em estágio avançado.



“Ele [o viciado em estágio avançado] vai usar [a droga] de qualquer forma. Então, vamos tentar reduzir os danos desse uso para que ele não seja banido da sociedade, para que não se exponha a riscos e não morra”, assinalou Solange.



A abordagem da redução de danos pode, segundo a pesquisadora, incentivar o usuário a abandonar a droga aos poucos. Na Cracolândia, a Organização Não Governamental (ONG) É de Lei realiza um trabalho para evitar a transmissão de doenças como HIV e hepatite por meio do uso de crack.



O cachimbo de madeira foi o primeiro insumo distribuído para usuários de crack com o objetivo de incentivar o não compartilhamento do instrumento. Normalmente, os viciados constroem modelos artesanais de metal, que queimam a boca, causando feridas, e podem transmitir doenças quando compartilhado com outras pessoas.



“O cachimbo serviu como um cartão de visitas”, disse o coordenador do projeto de redução da ONG É de Lei, Thiago Calil, sobre o início da sua atuação na Cracolândia.



Segundo Calil, a redução de danos é uma proposta de “fomentar o autocuidado” entre os usuários de droga, sem tentar necessariamente impedir o uso da substância.



“Se você usa crack, é bom saber que é uma prática que pode deixá-lo vulnerável e que é importante você aprender a se cuidar”, diz o panfleto distribuído nas ruas do centro de São Paulo pela ONG.



Calil destacou que essa linha de atuação é reconhecida internacionalmente e também pelo Ministério da Saúde. A redução de danos, enfatizou, é uma estratégia mal compreendida e pouco aceita por muitos setores da sociedade. Ele lembrou que foi diversas vezes abordado e até revistado por policiais enquanto realizava o trabalho nas ruas do centro.



Por causa das reclamações dos próprios usuários, ONG parou de distribuir os cachimbos de madeira. Eles se queixavam que a madeira dificultava a rapagem da “borra”, resíduo da droga que fica nas paredes do cachimbo. Atualmente são fornecidas piteiras de silicone, panfletos e protetor labial a base de manteiga de cacau.



A ONG É de Lei também costuma ouvir os usuários para definir a sua atução. Os panfletos e o restante do material distribuído pelo ONG, por exemplo, foram elaborados com base em sugestões dos dependentes de crack.