Críticas a deputado escondem interesses comerciais da mídia

O projeto de reforma eleitoral que está no Senado deve ser aprovado sem grandes alterações. A expectativa é do relator do projeto na Câmara, deputado Flávio Dino (PCdoB-MA), que defende a proposta e se defende das críticas feitas a ele pela grande mídia. O que existe são interesses comerciais contrariados diante da proibição de matéria paga nos grandes portais na campanha eleitoral, avalia o parlamentar.

Reforma eleitoral - Câmara dos Deputados

“Houve uma distorção intencionalmente construída a partir da questão da propaganda paga. Desde sempre o objetivo da reforma é diminuir o peso do dinheiro nas campanhas. Se não houver regras, a internet vira espaço do vale-tudo, que não é democrático. Há uma divergência ideológica derivada de interesses comerciais. A única regra impeditiva é com relação a matéria paga”, explica o deputado.

Para o deputado Flávio Dino, as matérias sobre a reforma eleitoral foram criminosas – técnica e juridicamente. A da Revista Veja (edição de 9 de julho) foi quem mais sintetizou os interesses comerciais da grande mídia. “Eles não querem assumir a sua crítica, que é fundada em interesses comerciais, que são legítimos, mas são incompatíveis com a democracia”, diz o parlamentar, adotando um tom diferente da forma preconceituosa com que foi acusado pelos jornalistas.

Segundo o jornalista Augusto Nunes, da Revista Veja, o problema da reforma eleitoral reside no fato do relator ter nascido no Maranhão, por exemplo. Segundo o colunista da Veja, “a condição de brasileiro, maranhense e parlamentar em Brasília pode ser prontamente associado a malandragem, José Sarney e corrupção.”

Para o deputado, “essa é uma atitude primitiva e primária que imaginei varrida das páginas da vida política brasileira.”

Opção pela demcoracia

Entre os interesses comerciais dos grandes portais e a democracia, o Congresso optou pela democracia. O texto foi aprovado com quase 100% dos votos dos parlamentares, de todos os Partidos, inclusive aqueles com perfil mais conservador, e de todos os estados brasileiros.

Flávio Dino diz que ainda existem duas incompreensões fundamentais sobre a nova lei eleitoral e acrescenta dois fatos relevantes para entender a polêmica gerada pela mídia na cobertura do assunto.

Ele vai direto ao ponto: não estamos regulamentando a internet, e sim a internet nas campanhas. Depois ele lembra que no projeto não existe nenhuma referência a liberalização de candidatos “ficha suja”. A questão da inelegibilidade, termo técnico para “ficha suja”, não pode ser tratada em lei ordinária, porque alteraria uma lei complementar, que só pode ser mudada com outra lei complementar, explica. A lei da reforma eleitoral é ordinária.

Um aspecto levantado por Flávio Dino é que, ao contrário do que faz parecer a mídia, com ataques pessoais a ele e ao partido que representa – o PCdoB –, o texto da reforma eleitoral não é dele. Ele foi o relator do texto, que foi elaborado por um grupo de trabalho coordenado pelo deputado ACM Neto (DEM-BA) e aprovado pela maioria dos deputados no Plenário da Câmara.

Outro fato destacado pelo deputado é o de que se o Congresso não regulamentasse o uso da internet nas campanhas, mais cedo ou mais tarde, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o faria. “Se nós não fixarmos regras, o TSE o fará, ou por meio de resolução e, progressivamente por norma, ou julgamento de casos concretos. É politicamente correto que o Congresso estabeleça essas regras.”

Evitar desequilíbrio

“Não estamos regulamentando a internet de um modo geral. Estamos tratando do uso da internet nas campanhas eleitoras. Não estamos restringindo, estamos liberando o que era proibido em 1997”, explica Flávio Dino, lembrando que naquele ano foi aprovada uma lei que equipara a internet à TV.

Ele diz que foi com base nessa lei de 1997 que o TSE editou resolução obrigando os candidatos a só usarem a extensão “can” (de candidato). Segundo as normas do TSE, os candidatos não podem usar sites com extensão “com” (de comercial). “Estamos liberando o que é proibido. Para o internauta comum, não há proibição nenhuma, os debates são livres, as entrevistas, as propagandas. Os candidatos também são livres, só têm que informar ao TSE qual o seu site.”

“A restrição é apenas para a propaganda paga nos grandes portais e nos provedores, que visa evitar o desequilíbrio nas eleições”, afirma o parlamentar.

Ele afasta a ideia de que a internet é um território livre. Não é verdadeiro que não há regras, diz, destacando que não é permitido, por exemplo, criar um site “vivaapdedofilia.com.br” ou “vivaoraciscmo.com.br” e que a ação dos “rackers” não é legítima. “Não há nenhuma mídia livre para campanhas. Há regras para todas as mídias e elas são muito mais importantes na campanha eleitoral.”

Segundo ele, as regras são criadas para atender o princípio das igualdades de chances dos candidatos. É por isso que o candidato, por mais rico que seja, não pode comprar uma página inteira de jornal para publicidade de campanha, só um oitavo de página. “A internet não pode ser diferente. Não vamos fazer regras que impeça, mas que regulamente (o uso).”

Para o parlamentar comunista, a crise no senado vai arrefecer. Ele defende que as investigações continuem e cheguem a uma conclusão, mas não pode paralisar o Congresso, porque haveria prejuízos irreversíveis. Ele também crê que haverá mudanças, mas que a “espinha dorsal” do projeto será mantida. Se o projeto voltar para Câmara até o dia 15 de setembro, calcula Dino, há tempo hábil para aprovação para que as regras passem a vigorar nas eleições de 2010.

Nova discussão

O trabalho que resultou na reforma eleitoral vai permitir a retomada da discussão sobre a reforma política. Para Flávio Dino, a reforma eleitoral é importante em si mesma e pela vitória metodológica da elaboração do projeto. Foi formado um grupo de trabalho multipartidário que não é regimental da Casa, mas que funcionou.

Segundo ele, a discussão e aprovação da reforma eleitoral é importante e necessária, mas não haverá um “momento mágico” em que tudo será votado e resolvido. Ele disse que ao ler, recentemente, estudo da Oxford University, da Inglaterra, que analisa vários sistemas políticos, a conclusão que se chega é que é preciso investir na educação e na educação política da população para garantir melhorias no sistema político do País, as regras só não resolvem todos os problemas.

Ele diz que até o sistema político inglês, que é centenário, se manifesta a favor de reforma. Portanto, o Brasil, por suas características, de pluralidade, de diferenças regionais que repercutem nos partidos políticos, sem instituições e partidos fortes pelos longos períodos ditatoriais, com desigualdades sociais, não pode alcançar um sistema político adequado com uma só reforma.

De Brasília
Márcia Xavier