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Paulo Nogueira: Faltam medidas para regular o sistema financeiro

Em entrevista ao Blog da Estela Benetti, o economista Paulo Nogueira Batista Junior, diretor-executivo do Fundo Monetário Internacional (FMI), onde representa grupo de nove países, disse que a série de medidas para tirar o mundo da recessão causada pela pior crise desde a década de 1930 começa a provocar efeitos positivos. O que falta, ainda, são as medidas necessárias para regular o sistema financeiro global.

Nogueira Batista continua crítico da política de juros do Banco Central e defende mais cortes, apesar de o Copom ter sinalizado que a taxa Selic ficará em 8,75% por alguns trimestres. Mesmo morando em Washington, o economista segue atento ao Brasil para onde viaja muitas vezes, especialmente para Florianópolis. É que sua mulher, Lia Soncini, é da capital, e duas das suas três enteadas, que ele chama de filhas, Mariana e Luiza Soncini, residem aqui. A modelo Isabela Soncini mora em Miami, onde trabalha.

Leia a entrevista.

Na sua avaliação, já dá para afirmar que a economia mundial iniciou um processo de reversão da crise?

Paulo Nogueira Batista Junior – Nos últimos dois meses, a situação melhorou, os mercados financeiros se acalmaram e o nível de atividade deu alguns sinais de melhora em vários países. É prematuro, talvez, se falar em reversão da crise, mas o mínimo que se pode dizer é que a situação parou de piorar claramente e há uma expectativa de que o quadro possa melhorar devagar. Ninguém está prevendo uma recuperação rápida, a não ser em países específicos, como é o caso da China. De uma maneira geral, a recuperação é lenta e sujeita a risco na maioria dos países, principalmente os desenvolvidos, que são o foco da crise.

O que o FMI vem fazendo para ajudar na superação desta crise?

Paulo Nogueira – O FMI aumentou muito o volume de empréstimos e de programas desde setembro do ano passado, quando a crise começou a se agravar depois do colapso do Lehman Brothers. Concedeu empréstimos para vários países europeus, entre os quais a Hungria, Ucrânia e até a Islândia, uma nação desenvolvida, o que não ocorria há muito tempo. Também atendeu países da América Central, como El Salvador, Guatemala e México. O Brasil colaborou com a sugestão de uma nova linha de crédito, denominada Linha de Crédito Flexível, que já atendeu ao México e à Colômbia. Até meados do ano passado, o FMI estava perdendo importância relativa, mas a crise o trouxe de volta ao centro da cena.

Poucos países vinham pedindo socorro e, com a crise, o número de pedidos de empréstimo de emergência aumentou e o Fundo se tornou uma instituição central, tanto que o G-20 solicitou mais recursos à disposição. De um total de US$ 250 bilhões antes da crise, passou para R$ 750 bilhões depois da crise.

Como estão os resultados dessa ajuda?

Paulo Nogueira – Nem todos os países estão melhorando, mas o apoio do Fundo estabilizou a situação em alguns que estavam em condições muito precárias. A situação na Europa Oriental continua difícil, há países com recessões muito fortes. O México também enfrenta recessão muito forte.

A explosão da crise financeira global gerou um consenso internacional de que são necessárias regras mais rígidas ao setor financeiro mundial. O FMI está participando desse processo?

Paulo Nogueira – O FMI participa dessa discussão na medida em que fornece os subsídios para o G-20 e na sua atividade de supervisão. O FMI tem participado em nível bilateral, em nível multilateral com o G-20 e junto com o Conselho de Estabilidade Financeira (Financial Stability Board), que trabalha com regras de supervisão e regulação. Há um consenso muito genérico sobre as regras de regulação, mas quando você desce para as especificidades dos países, o consenso desaparece, porque o sistema financeiro resiste muito a isso.

Ele quer ter a possibilidade de ter socorro estatal nos momentos difíceis e ter o máximo de liberdade para operar em condições normais. Então, há toda uma resistência do setor financeiro a uma regulação mais rigorosa, diferença de opinião entre os países. A França se destaca por defender uma regulamentação mais rigorosa, enquanto a Inglaterra e os EUA estão mais relutantes. Então, na minha opinião, uma das piores coisas que poderia acontecer seria sairmos dessa crise mundial, provocada, em grande medida, por falta de regras adequadas de supervisão e regulação do sistema financeiro, com pouco ou nada reformado. É a receita para novas crises no futuro.

O que representou a mudança de posição do Brasil no FMI, ao se tornar credor da instituição, com a oferta de um empréstimo de US$ 10 bilhões?

Paulo Nogueira – O Brasil anunciou que está disposto a emprestar até US$ 10 bilhões na forma de compra de notas que o Fundo emitirá, mas isso não se concretizou ainda. Esta decisão do Brasil é inédita porque ele nunca emprestou ao Fundo, nunca foi credor, mas tomou recursos emprestados por várias vezes. A situação atual é uma mudança muito grande. Estamos vivendo a crise econômica mais grave desde os anos de 1930. Não é que o Brasil não esteja sofrendo com a crise, mas tem uma condição forte para, no meio dela, fazer empréstimo ao Fundo. É um fortalecimento importante da posição brasileira.

Isso reforça a posição do Brasil aqui dentro do FMI, fortalece a posição da cadeira brasileira dentro do Fundo. Formalmente, isso não aumenta os votos do Brasil, o que depende de uma reforma de cotas, que será feita em janeiro de 2011.

A posição do Brasil será fortalecida no Fundo?

Paulo Nogueira – O Brasil tem 1,4% dos votos no FMI e, com a reforma, vai passar para 1,7%. A cadeia do Brasil, que inclui nove países, tem 2,4% dos votos, e passará para 2,8%. A nossa influência prática no Fundo sempre foi maior do que isso. Agora, com o fortalecimento da posição brasileira, que o Brasil é credor do Fundo, a boa avaliação da diretoria dele sobre o país, o destaque é crescente.

Com foi a última consulta do FMI sobre o Brasil?

Paulo Nogueira – Há um procedimento que todo o país-membro, a cada ano, deve fazer uma consulta ao Fundo. Uma missão do FMI vai ao país e faz um relatório bastante detalhado. Na deste ano, o Brasil recebeu muitas manifestações de apoio, comentários positivos. Houve coisas curiosas, como apoio à flexibilização da política fiscal. Foi uma avaliação muito positiva, o que não é o caso de muitos países.

Qual é a expectativa do FMI para o crescimento do PIB do Brasil este ano e no ano que vem?

Paulo Nogueira – Para este ano, a previsão do FMI para o Brasil é de uma queda de 1,3% do PIB, e para o ano que vem, é de crescimento de 2,5% do PIB. É uma projeção muito próxima daquela feita para a média mundial.

Há economistas alertando que o governo do Brasil está aumentando muito os gastos correntes e dando incentivos fiscais, o que poderia desestabilizar a economia. Como avalia isso?

Paulo Nogueira – Essa preocupação dos economistas é relevante porque é importante manter disciplina fiscal. Como a economia entrou numa recessão no final do ano passado e continuou em recessão no início do ano, e só agora, no segundo trimestre, começou a melhorar, era normal que o governo usasse a política fiscal como instrumento antirrecessivo. Apenas deve ter a preocupação para que não se desestruture as finanças públicas. Essa preocupação existe, o Brasil tem sido razoavelmente cauteloso no uso da política fiscal. O déficit público brasileiro está aumentando, mas ainda é um dos mais baixos dos países do G-20, e segundo estimativas do FMI, o Brasil é um dos países mais cautelosos entre os membros do G-20.

O Banco Central do Brasil reduziu os juros mais uma vez e sinalizou que vai encerrar este ciclo de reduções. O senhor acha que há espaço para mais cortes dos juros?

Paulo Nogueira – O Brasil já não é mais o campeão mundial de juros, mas a taxa de juros brasileira continua alta em termos reais. Acho que há espaço para reduzir mais os juros este ano. É claro que a preocupação com a inflação tem que existir, mas com a economia saindo de uma recessão de maneira lenta, é normal que o governo use a política fiscal e monetária como instrumento antirrecessivo. Acredito que ainda há espaço para redução dos juros, não só a taxa básica, mas as taxas do sistema bancário, que são muito altas.

Como avalia o processo de recuperação da economia dos EUA?

Paulo Nogueira – O presidente Obama assumiu com uma situação dificílima, com o sistema financeiro desestruturado, a economia em recessão, finanças públicas crescentemente deficitárias, foi obrigado a adotar medida de socorro ao sistema financeiro e medidas de estímulos fiscais adicionais para a economia. Os dados mostram que a recuperação é muito lenta. Não há previsão de que a crise seja superada rapidamente, nem seria de se esperar pelas dificuldades do setor financeiro e repercussões na economia real.

O que estaria faltando?

Paulo Nogueira – O que talvez esteja faltando, ainda, por parte do Congresso americano e do Executivo é uma visão mais clara sobre a reforma do sistema financeiro, para que não volte a ocorrer o que aconteceu agora. Na Europa desenvolvida e nos EUA os problemas que se acumularam para o sistema financeiro foram gigantescos. Então, a tarefa ainda não equacionada, de como será a reforma do sistema financeiro, é o grande tema da reunião do G-20 em setembro. Na minha opinião, precisamos de um sistema financeiro menor, mais controlado e menos capaz de fazer estragos ao mundo. Os sistemas financeiros dos EUA e da Europa desenvolvida, que foram o foco da crise, precisam mudar.