'O café pode esperar': como o Twitter mudou os hábitos americanos
Karl e Dorsey Gude, de East Lansing, Michigan, se recordam de manhãs mais simples, há não muito tempo. Eles sentavam-se juntos e conversavam enquanto tomavam o café da manhã. Eles liam o jornal e competiam apenas com a televisão pela atenção de seus dois filhos adolescentes.
Publicado 12/08/2009 20:54
Isso agora é tão século passado. Hoje, Karl Gude acorda por volta das 6 horas da manhã para checar o e-mail do trabalho e suas contas no Facebook e Twitter. Os dois meninos, Cole e Erik, iniciam suas manhãs com mensagens de texto, videogames e Facebook.
A nova rotina rapidamente se transforma em fonte de conflito na família, com Dorsey Gude reclamando que a tecnologia está roubando o tempo em família. Mas no final, até mesmo ela sucumbiu parcialmente, ao abrir seu laptop antes do café da manhã.
"Coisas que eu considerava inaceitáveis há poucos anos agora são comuns na minha casa", ela disse, "como todos nós quatro começando o dia em quatro computadores em quatro cômodos separados".
A tecnologia tem sacudido grande parte das rotinas da vida, mas para muitas pessoas ela alterou completamente os rituais antes previsíveis do início do dia.
Esta é a manhã americana na era da Internet. Após seis a oito horas de privação de rede — também conhecida como sono — as pessoas estão cada vez mais despertando e imediatamente buscando seus celulares e laptops, às vezes antes mesmo de colocarem os pés no chão e cuidarem de atividades biologicamente mais urgentes.
"Antes as pessoas acordavam, iam ao banheiro, às vezes escovavam os dentes e pegavam o jornal", disse Naomi S. Baron, uma professora de linguística da Universidade Americana, que escreveu sobre o avanço da tecnologia na vida cotidiana. "Mas o que fazemos primeiro agora mudou dramaticamente. Eu serei a primeira a reconhecer: a primeira coisa que faço é checar meu e-mail."
Os filhos dos Gudes dormem com seus telefones ao lado de suas camas, de forma que começam o dia com mensagens de texto em vez de despertadores. Karl Gude, um instrutor na Universidade Estadual de Michigan, envia o texto para seus filhos para acordá-los.
"Nós usamos mensagens de texto como um intercomunicador interno da casa", ele disse. "Eu poderia subir até o quarto deles, mas eles sempre respondem às mensagens." Os Gudes começaram recentemente a desligar seus aparelhos no fim de semana, para compensar a diminuição do tempo em família.
Em outros lares, o impulso de se conectar online antes de sair de casa acrescenta uma camada extra de caos às manhãs já agitadas. As manhãs dos dias úteis há muito são frenéticas, com produtos como o mingau de aveia instantâneo Quaker desenvolvidos nos anos 60 para se adequarem a um estilo de vida já em aceleração.
Mas as famílias que costumavam disputar o chuveiro ou o jornal agora brigam pelo acesso ao único computador da casa — ou sobre se deveriam estar usando os aparelhos, em vez de conversando uns com os outros.
"Eles costumavam ter cobertores; agora têm celulares, que até mesmo possuem seu próprio cordão umbilical até o carregador", disse Liz Perle, uma mãe de San Francisco que lamenta a imersão matinal em tecnologia de seus dois filhos adolescentes. "Se as camas deles ficassem longe das tomadas, eles provavelmente dormiriam no chão."
O aumento do uso logo cedo dos aparelhos é refletido pelos padrões de tráfego online e de telefonia móvel. As empresas de Internet que costumavam observar um aumento de tráfego apenas quando as pessoas chegavam ao trabalho, agora veem um aumento muito mais cedo.
A Arbor Networks, uma empresa de Boston que analisa o uso da Internet, diz que o tráfego online nos Estados Unidos cai gradualmente da meia-noite até por volta das 6 horas da manhã na Costa Leste, e então dá um enorme salto matinal de cafeína. "É como um foguete lançado às 7 horas da manhã", disse Craig Labovitz, o cientista-chefe da Arbor.
A Akamai, que ajuda sites como Facebook e Amazon a lidarem com a demanda dos visitantes, diz que o tráfego decola até mesmo mais cedo, por volta as 6 horas da manhã na Costa Leste. A Verizon Wireless informou que o número de mensagens de texto enviadas entre 7 horas e 10 horas da manhã saltou 50% em julho, em comparação ao ano anterior.
Tanto adultos quanto crianças têm bons motivos para acordar e fazer o login. Papai e mamãe podem precisar se atualizar com as mensagens de colegas de trabalho em diferentes fusos horários. As crianças checam as mensagens de texto e postagens no Facebook de amigos com horários de sono diferentes — e às vezes esquecem seus deveres no processo.
Em maio, Gabrielle Glaser, de Montclair, Nova Jersey, comprou para sua filha de 14 anos, Moriah, um laptop da Apple como presente de aniversário. Nas semanas que se seguiram, Moriah perdeu três vezes o ônibus da escola e deixou de levar o cachorro da família para passear por 20 minutos toda manhã, passando a deixá-lo sair apenas brevemente de casa.
Moriah reconhece que tem negligenciado o ônibus e o cachorro, culpando o Facebook, onde a possibilidade de atualizações cruciais de seus amigos a faz ingressar online assim que acorda. "Eu tenho alguns amigos que acordam cedo e começam a conversar", ela disse. "Existe uma atração clara para checar."
Algumas famílias tentam impor limites ao uso da Internet pela manhã. James Steyer, o fundador da Common Sense Media, uma organização sem fins lucrativos que lida com crianças e entretenimento, acorda toda manhã às 6 horas e passa a hora seguinte em seu BlackBerry, administrando os e-mails de contatos de diferentes partes do mundo. Mas quando ele encontra sua esposa e quatro filhos, com idades entre 5 e 16 anos, na mesa do café da manhã, laptops e celulares não são permitidos.
Steyer disse que ele e seus filhos sentem a tentação da tecnologia desde cedo. Kirk, 14 anos, frequentemente usa grande parte de sua cota de uma hora por dia de videogame pela manhã. Até mesmo Jesse, 5 anos, começou a pedir toda manhã se pode jogar jogos no iPhone de seu pai. E Steyer disse que constantemente sente a atração das mensagens que aguardam em seu BlackBerry, mesmo durante as horas da manhã reservadas para a família.
"É preciso resistir ao impulso. É preciso sair do modo trabalho e passar ao modo paterno", ele disse. "Mas me manter fiel ao padrão que eu mesmo estabeleci é difícil."
Fonte: The New York Times