Antônio Capistrano: João Café Filho e as nossas oligarquias

Café Filho, foi o primeiro brasileiro de origem operária a chegar a Presidência da República. Com uma militância sindical junto aos portuários ele criou diversos sindicatos no Rio Grande do Norte, principalmente nas cidades de Natal, Macau, Areia Branca e Mossoró.

cafe filho

Café Filho foi uma das mais influentes lideranças populares do nosso Estado, durante o período que vai de 1930 até o inicio dos anos 60 o cafeísmo era uma paixão que empolgou muita gente, inclusive lideranças influentes como o ex-prefeito Djalma Maranhão. O cafeísmo tinha uma forte ligação com os comunistas e a sua chegada ao poder maior da República foi um momento de muita expectativa para classe operária potiguar.

Ao assumir a Presidência da República, no dia 24 de agosto de 1954, em decorrência do suicídio de Vargas, muitos dos seus seguidores acreditavam que o país iria mudar. A história política de Café Filho era de enfrentamento com as oligarquias tradicionais do nosso Estado, portanto de luta contra as nossas elites. Mas, como sempre as elites sabem como se manter no poder

O professor Moacyr de Góes no seu romance-histórico “Entre o rio e o mar”, publicado pela editora Revan, descreve essa expectativa de forma clara: “O Acórdão foi celebrado. Mais uma vez as elites faziam a aliança pelo alto. De baixo das asas poderosas do Presidente Café Filho, as candidaturas ao Senado foram divididas, harmoniosamente: uma para o PSD (Georgino Avelino) e outra para a UDN (Dinarte Mariz); os cafeístas ficaram com as duas suplências e foi negociado o rodízio.

O PTB, de fora do Acórdão, estrebuchou: nadou, nadou e morreu na praia com a candidatura de Otto de Brito Guerra.

A Velha Guarda Cafeísta, também foi excluída, meteu a viola no saco e frustrada, ficou reclamando baixinho pelas esquinas da orfandade. A verdade é que o ímpeto de vanguarda popular do cafeísmo estava quebrado pela raiz. O ex-líder rebelde fora cooptado pelas elites: desde o célebre discurso da Associação Comercial do Rio de Janeiro, após uma viagem internacional, Café redirecionara suas alianças. Isso ficara mais claro na Presidência, após a tragédia do dia 24 de agosto.

A surrada bandeira da pacificação da “família potiguar”, hoje denominada de “Paz Pública”, era a cortina ideológica para excluir as massas de qualquer participação no poder. O poder continuaria a ser dividido pela mesma classe social.

No Canto do Mangue, Euzébio conversava com Luiz Raimundo:
– O partido de João Café está rachado: o velho cafeísmo dos pobres é liderado hoje pelo ex-comunista Djalma Maranhão e o novo cafeísmo dos ricos é chefiado pelo usineiro Eider Varela.

Luis Raimundo completou:
– Não é preciso adivinhar para saber quem vai dar as cartas.

No Grande Ponto, a Velha Guarda Cafeísta, órfã, oscila, pendularmente, entre fidelidade canina com lembranças nostálgicas de tempos perdidos e ressentimentos de quem se vê traído após anos e anos de devoção. Em quaisquer das posições, as viroladas do governo Lamartine e as cadeias de Vargas são lembradas como condecorações de resistência democrática.
 
Tudo isso foi resumido uma noite quando um dos filhos do velho Amaro Magalhães concluiu uma discussão política, no Grande Ponto, em Natal:
-É verdade. Os astros são outros e as constelações estão mudando.

O cafeísmo dos ricos comprou uma página do Diário de Natal e, todos os dias, falava para a maior audiência do Estado. O cafeísmo dos pobres organizou-se em torno da Folha da Tarde, jornal que cometia o milagre de circular diariamente, com quadro páginas (às vezes seis), e os seus mil e poucos exemplares eram vendidos à custa da garganta do jornaleiro Cambraia, um preto, magro e alto de sessenta anos – uma garganta de ouro para gritar o nome do jornal, cantando.

– Lembre-se que Prestes disse, no Senado, que nada mais parecido com um senador da UDN do que um senador do PSD. E digo mais, ainda na Monarquia, Joaquim Nabuco falou que o que distinguia um Conselheiro Conservador de um Liberal era o número de engenhos que cada um tinha. Assim, porque esse alarme sobre o ministério de Café Filho?

A pergunta do Dr.. João Maria Furtado ficou parada no ar naquela outra visita que Euzébio fazia a casa da Rua Princesa Isabel. Tomara café com o Dr. João Maria e agora ouvia as lições do mestre.

– Mas, eu não entendo: ministério de João Café com o Brigadeiro Eduardo Gomes e Juarez Távora. Lacerda dando as cartas. Aqui no Estado todo mundo junto como os bagos de uma jaca. As Rocas não vão entender – ponderou Euzébio.

– As conjunturas nem sempre estão de acordo com a história das lideranças. Por isso são conjunturas – falou Dr. João Maria Furtado.

Por longo tempo os dois amigos conversaram. Repassaram passados de lutas e futuro de esperanças. Concluíram que João Café merecia um crédito de confiança. A crise brasileira era muito grave – deveriam acompanhar os desdobramentos políticos.

O jornalista Leonardo Bezerra, que chegara depois, sempre carregado de livros, revistas e jornais, era da mesma opinião”.

Essa história de acórdão esta muito presente na história política do nosso país. O Rio Grande do Norte é palco constante dessa política de entendimento quando as elites se sentem ameaçadas. As forças progressistas sempre são escanteadas do processo quando a perspectiva de Poder se concretiza. Mas, continuamos a não reagir a isso e acreditar nas elites.

por Antônio Capistrano foi reitor da UERN e é filiado ao PCdoB