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Colômbia discute imunidade (ou impunidade) para soldados dos EUA

O conteúdo do acordo com os Estados Unidos para permitir a presença de militares norte-americanos em sete bases colombianas é um mistério. Mas de duas coisas já se sabe com certeza: que o acordo ainda não foi assinado e que a imunidade judicial para os militares norte-americanos é um dos pontos que continuam em discussão.

Por Juanita León*, no Opera Mundi

Depois da reunião do ministro do Interior, Fabio Valencia, do chanceler Jaime Bermúdez e do ministro da Defesa, Gabriel Silva, com o Conselho de Estado colombiano, o presidente deste tribunal, Rafael E. Ostau De Lafont, disse que o governo lhe havia confirmado que as negociações com os Estados Unidos estavam avançadas, mas não concluídas. E que o Conselho de Estado havia pedido informações adicionais sobre o tema da imunidade.

Embora o chanceler Bermúdez tenha dito publicamente que os empreiteiros estrangeiros não terão imunidade diplomática, o debate sobre os crimes graves cometidos pelos militares fora de serviço continua.

Para o governo dos Estados Unidos, o tema da imunidade para os membros das forças militares tem sido um cavalo de batalha desde a assinatura, em 1961, da Convenção de Viena, que regula a imunidade diplomática. As razões são duas. De um lado, Washington acredita que só em um tribunal norte-americano os militares podem ter um julgamento justo. De outro, teme que ações legais arbitrárias no país hospedeiro acabem obstruindo as operações militares.

Até 2008, o país mantinha uma ampla proteção a seus empreiteiros militares. No entanto, depois que empregados da Blackwater (empresa de mercenários) assassinaram 'por engano' 17 pessoas no Iraque, em 2007, a imunidade destes civis que realizam operações militares tornou-se um tema negociável para os norte-americanos. Os empreiteiros alegam que, sem esta proteção legal, ficam à mercê do sistema judicial muitas vezes injusto dos países onde trabalham e, além disso, não conseguem pagar o alto prêmio cobrado por suas seguradoras.

Todavia, considerando o histórico de crimes cometidos por soldados e empreiteiros nos países onde há bases norte-americanas, assinar um cheque em branco de impunidade também é muito difícil politicamente para as nações hospedeiras.

Três casos se tornaram famosos. Um deles foi o estupro de uma menina de 14 anos na ilha de Okinawa, no Japão, por um marine. O incidente, ocorrido em 1995, provocou protestos em massa que obrigaram os Estados Unidos e o Japão a firmar um novo acordo reduzindo as bases norte-americana. Outro caso foi a violação de uma filipina em 2005 por um soldado americano. E o terceiro foi o do Iraque.

Em 16 de setembro de 2007, empreiteiros da Blackwater que escoltavam um comboio de veículos do Departamento de Estado dos EUA dispararam contra civis na praça Nisour, em Bagdá, matando 17 iraquianos. Logo depois, o Iraque retirou a licença de operação da empresa, motivando mudanças na legislação norte-americana sobre os privilégios dos empreiteiros.

Na Colômbia, o caso de Jessika Beltrán também entrou no debate. Sua mãe denunciou que o sargento Michael Cohen e o empreiteiro César Ruiz, ambos lotados na base de Tolemaida, onde trabalhavam no Plano Colômbia, violentaram Jessika quando ela tinha com 12 anos. O senador Gustavo Petro, do Polo Democrático, denunciou que os supostos estupradores voltaram aos Estados Unidos e seu crime ficou impune.

Um estudo de Laura Gil, especialista em relações internacionais, apresenta os quatro cenários possíveis para a Colômbia na negociação da imunidade (ou impunidade) dos militares e empreiteiros dos Estados Unidos quando entrar em vigor o acordo sobre sua presença reforçada nas sete bases colombianas. Ela se baseia nos Acordos de Situação de Forças (SOFA, na sigla em inglês) firmados pelo governo norte-americano com outros países.

Cenários:

O melhor

Imunidade só para crimes cometidos em atos de serviço

Qualquer crime cometido por soldados ou empreiteiros norte-americanos no exercício das funções previstas no Acordo seria julgado por juízes dos Estados Unidos. O mesmo valeria para casos que comprometessem a segurança nacional dos Estados Unidos, como traição, sabotagem, espionagem e violação de informação confidencial norte-americana. Todos os demais delitos seriam julgados por juízes colombianos. Ou seja, se um empreiteiro ou soldado atropelasse uma pessoa no fim de semana, roubasse algo ou matasse alguém ao sair de uma festa, a Colômbia não lhe garantiria imunidade. Este esquema é o que se aplica no SOFA da Otan (art. VII) e no Acordo com a Coreia (pág. 2 a 4), onde inclusive são enumerados os casos em que os Estados Unidos devem ceder a custódia do acusado. O Acordo com o Japão (art. XVII) também é restritivo.

Tendendo ao ruim

Imunidade para tudo, salvo para crimes graves

O SOFA (art. 12) firmado em dezembro de 2008 entre Estados Unidos e Iraque depois que empreiteiros da Blackwater mataram 14 pessoas, estabeleceu que Bagdá poderia julgar militares e civis norte-americanos por "crimes premeditados e graves" quando estes fossem cometidos fora das instalações e áreas combinadas (as dos Estados Unidos) e fora de serviço. E em todos os casos quando se tratasse de empreiteiros norte-americanos e seus funcionários. O problema é que o acordo estabeleceu que, posteriormente, os dois países negociariam a definição de "crime grave", algo ainda não determinado. Além disso, a desvantagem de excluir os crimes não premeditados é que os acidentes de trânsito ou homicídios cometidos em estado de embriaguez, por exemplo, ficariam impunes. Aparentemente, esta é a opção preferida pela Colômbia.

Melhor que nada

Possibilidade de recorrer a um conselho de guerra in loco

Como a ONU envia capacetes azuis e eles também cometem crimes, a Recomendação 35 estipula que, quando eles cometem um crime grave, deve ser formado um conselho de guerra in loco, com acesso imediato às testemunhas e provas na zona da missão. A lógica por trás desta recomendação é que esse tipo de tribunal ad hoc demonstraria à comunidade local que, por exemplo, os atos de exploração e abuso sexual cometidos por membros de contingentes militares não ficarão impunes.

O pior

A imunidade total

Alguns Estados, como Timor Oriental e Mongólia, aceitaram a imunidade total. O caso da Mongólia (art. 10) se assemelha ao que o ministro Valencia Cossio apresentou no princípio: jurisdição exclusiva dos Estados Unidos e compromisso de considerar a suspensão da imunidade a pedido do governo da Colômbia. "As autoridades militares dos Estados Unidos terão o direito de exercer toda jurisdição penal e disciplinar na Mongólia sobre pessoal dos Estados Unidos a eles conferida pela legislação militar dos Estados Unidos. (…) O governo dos Estados Unidos outorgará uma consideração compassiva a uma solicitação do governo da Mongólia para que ceda a jurisdição em casos não ligados aos atos de serviço."

*Diretora do site jornalístico colombiano La Silla Vacia