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Lei de “ficha limpa”, de iniciativa popular, divide parlamentares

"Defendo esse projeto e acredito que a condenação em primeira instância já é o suficiente. Para ser condenado em primeira instância, já ocorreram dois fatores: o Ministério Público ofereceu denúncia que foi aceita e já houve uma condenação", disse o deputado Flávio Dino (PCdoB-MA), relator do projeto de reforma eleitoral, em referência ao projeto de iniciativa popular que institui a chamada "ficha limpa" obrigatória para os candidatos nas eleições em todos os níveis.

O Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) entregou, nesta terça-feira (29) ao presidente da Câmara, Michel Temer, o projeto de lei que recebeu 1,3 milhão de assinaturas, coletadas pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). O texto torna inelegível candidato condenado em primeira instância ou denunciado por crimes como improbidade administrativa, uso de mão-de-obra escrava e estupro.

Temer elogiou a iniciativa do movimento e ressaltou a importância de a sociedade se mobilizar e encaminhar projetos à Câmara, mas acredita que a proposta deve ser modificada pelo Congresso. Ele cita como exemplo o fato de o projeto popular permitir que um único juiz decida sobre a inelegibilidade de um candidato. O presidente da Câmara defende que a futura lei só deve ser aplicada depois de uma decisão colegiada.

O assunto divide os deputados. A polêmica iniciada pelas declarações de Dino e Temer chegaram ao plenário da Câmara. O deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) defendeu a proposta, dizendo que “o candidato deve se revestir ao máximo de moralidade pública, espírito público, reputação ilibada, idoneidade moral para postular o mandato de representação”; enquanto o deputado petista José Genoíno (SP) se posicionou contrário.

Para Genoíno, que lembrou que existe contra ele ação tramitando no STF, “o conceito de sujo e de puro é filosoficamente reacionário e conservador. É puro em relação a quê? É sujo em relação a quê?”, indagou, acrescentando que “na Declaração Universal dos Direitos do Homem os direitos políticos e civis são invioláveis até a sentença em julgamento definitivo. Esse conceito que têm alguns setores da esquerda e alguns setores populares é, filosoficamente, autoritário e fascista, porque é um prejulgamento.”

Polêmica jurídica

Em 2009, o STF se manifestou contrário a ação protocolada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), que pedia que os candidatos condenados em primeira instância fossem impedidos pela Justiça de disputar as eleições. Com a decisão, o STF manteve a validade da Lei de Inelegibilidade, de 1990, seguindo a interpretação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de que apenas candidatos condenados em última instância poderão ser impedidos de disputar as eleições.

O coordenador do escritório nacional da Comissão de Justiça e Paz da CNBB, Gilberto Souza, acredita que a decisão de 2008 do Supremo sobre o assunto não prejudica a proposta. Souza explicou que juristas consultados pelo movimento afirmam que a presunção de inocência é um princípio característico do Direito Penal. Para o Direito Eleitoral, segundo os especialistas, valeria o princípio da precaução, ou seja, o interesse da sociedade se sobrepõe ao direito individual.

Antes da entrega do projeto, integrantes do movimento participaram de sessão solene do Senado pelos 10 anos de vigência da primeira lei de iniciativa popular do País – a lei de 1999 que tipifica o crime da compra de votos. A data de entrega da proposta foi escolhida para coincidir com a comemoração dos 10 anos da lei.

Os coordenadores do movimento anunciaram que, a partir de agora, vão iniciar uma campanha junto aos parlamentares para agilizar a tramitação da proposta e obter apoio para sua aprovação.

O presidente da Associação Brasileira de Magistrados, Procuradores e Promotores Eleitorais (Abramppe), Marlon Reis afirmou que um grupo de parlamentares assinará a proposta, o que dispensaria a conferência de todas as assinaturas e agilizaria o início da tramitação da proposta.

As entidades que compõem o MCCE defendem a proposta, destacando o aumento da consciência da necessidade de um projeto ético no tratamento da coisa pública. Antônio Carlos Alpino Bigonha, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) afirmou que a melhoria nas práticas políticas significa respeitar a soberania popular e é uma forma de resgatar e valorizar a democracia.

Para 2010

O presidente da Associação Brasileira de Magistrados, Procuradores e Promotores Eleitorais (Abramppe), Marlon Reis, afirmou que é possível fazer a lei valer já nas eleições de 2010, pois o Supremo já decidiu que lei de inelegibilidade não precisa obedecer ao prazo de aprovação de um ano antes das eleições. Ele lembra que a própria Lei de Inelegibilidade, aprovada em 1990, foi aplicada nas eleições daquele mesmo ano.

A proposta popular sobre a ficha limpa poderia ser aprovada até 10 de junho – início do prazo para registro das candidaturas.

De Brasília
Márcia Xavier
Com agências