Esvaziado, FMI procura novo papel para sobreviver
A Turquia poderá ser o berço de um novo Fundo Monetário Internacional (FMI), segundo o seu diretor-gerente, Dominique Strauss-Kahn. A reunião anual, ocorrida em Istambul, Turquia, apontou para uma atividade mais voltada para a promoção do equilíbrio global, um objetivo fixado pelo Grupo dos 20 (G-20), em Pittsburgh, no fim de setembro.
Publicado 06/10/2009 13:18
Para cumprir esse novo papel, o FMI deseja que os “emergentes”, em vez de acumularem grandes volumes de dólares, confiem no FMI e procurem ajuda em caso de problemas. O governo chinês é, obviamente, o principal destinatário da mensagem. A China tem reservas equivalentes a cerca de US$ 2 trilhões e vem acumulando, ano após ano, superávit enorme no comércio com os Estados Unidos e com a maior parte dos países desenvolvidos.
Mas o FMI também visa outros “emergentes” da Ásia e da América Latina, incluído o Brasil, hoje com cerca de US$ 220 bilhões em caixa. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, declarou-se disposto a apoiar a idéia, mas condicionou esse movimento à observação de algumas condições. Para Mangega, o FMI terá de ser de fato uma espécie de banco central internacional, com recursos facilmente acessíveis, sem complicações burocráticas e sem impor condições para atender aos sócios em caso de necessidade.
"Só podemos esperar que os países avançados super-representados percebam que poderão causar grande dano ao Fundo se tentarem bloquear ou atrasar a reforma de cotas e vozes", disse Mantega. O ministro brasileiro enfatizou que o Fundo precisa mudar a estrutura de seu conselho de direção, para que possa "deixar de ser visto como uma instituição sobretudo americano-europeia e tornar-se uma instituição verdadeiramente multilateral."
Permitir aos países “em desenvolvimento” um papel maior no FMI poderia garantir à organização bilhões de dólares em contribuições novas. Dominique Strauss-Kahn, disse que o Fundo pode precisar de até US$ 1 trilhão em contribuições novas para poder assegurar à economia global estabilidade suficiente para que os países deixem de acumular enormes reservas em divisas a título de seguro.
O passo nessa direção já foi dado. O Comitê Monetário e Financeiro Internacional, que representa os 186 países-membros do FMI, deve aprovar em abril um novo processo de seleção "da gerência" da entidade, que será "aberto, baseado no mérito e transparente".
Reação da Europa
Desde sua fundação, em 1944, todos os diretores-gerentes do Fundo foram europeus, enquanto o "número dois" foi americano. Em troca, os Estados Unidos se reservaram a designação do presidente do Banco Mundial. O Comitê também respaldou a proposta do G- 20 de transferir 5% do voto no FMI dos países ricos, que contam com mais representação, às nações “em desenvolvimento” e pouco representadas.
Dado que no Comitê estão os 186 membros do organismo, a declaração ratifica o estipulado na cúpula presidencial do G-20 em Pittsburgh há uma semana. Em sua declaração, o órgão diretor também pediu a adoção de reformas financeiras "sem atrasos", e os países-membros se comprometeram a "evitar o protecionismo em todas suas formas". Também encarregaram os especialistas do FMI a preparar para a assembleia de abril um relatório que detalhe os princípios para a retirada coordenada das medidas de estímulo fiscal no mundo todo.
O ministro das Finanças da Suécia (atual presidente da União Europeia), Anders Borg, avisou que a Europa pode se mostrar menos generosa em seu apoio financeiro ao FMI se sua influência no Fundo for reduzida. Há apenas um ano, o FMI estava lutando para persuadir governos de sua importância. Mas a crise aumentou em muito a demanda por seus empréstimos e conselhos a países que enfrentam déficits orçamentários e de conta corrente.
Países africanos
Além dos “emergentes” com algum dinheiro em caixa, a África também, quer aumentar sua participação nas decisões das finanças internacionais. Ministros das Finanças africanos pediram para que seus países participem do G-20 a fim de assegurar que o grupo considere suas necessidades de desenvolvimento de longo prazo.
Prometendo prudência fiscal em meio à crise financeira global, eles também disseram que precisarão de mais ajuda do FMI e do Banco Mundial para recuperar o orçamento, fazer os investimentos necessários e restaurar reservas de moeda estrangeira.
Os países africanos, fortemente atingidos pela crise com a queda do preço de commodities e com o fim dos investimentos estrangeiros, ressaltaram terem mobilizado recursos internos e procurado ampliar as fontes de renda e coleta de impostos. A Nigéria, a segunda maior economia da África Sub-Saariana, afirmou estar particularmente interessada em participar do clube dos 20 principais países emergentes e desenvolvidos.
Redução da pobreza
"Nós temos pedido um papel maior. Para nós, a principal preocupação é que o princípio seja aceito, e nós estamos muito felizes de ver flexibilidade neste ponto", disse do ministro das Finanças nigeriano, Mansur Muhtar. O FMI reduziu neste mês suas projeções de crescimento do Produto Interno Bruto em 2009 da África Sub-Saariana de 1,5% para 1,3% , culpando o colapso global do comércio e a queda dos preços das commodities.
"A crise está diminuindo os esforços para a redução da pobreza. Nós pedimos ao FMI e ao Banco Mundial para aumentar os recursos disponíveis para os países africanos" e para facilitar as condições de empréstimos, disse o ministro das Finanças etíope, Sofian Ahmed. Os ministros africanos também sugeriram que a “comunidade internacional” crie um pequeno fundo para aliviar dívidas de países com baixa renda severamente endividados uns com os outros.
Balde água fria
Outra conclusão da reunião é que os Estados Unidos sairão da crise econômica lentamente, o que freará a ascensão na América Latina, em particular dos países que dependem do turismo e das remessas do exterior. O crescimento da região será um reflexo da média mundial, mas o número geral esconde importantes diferenças entre os países, especificou David Robinson, subdiretor do departamento da América do Fundo.
América do Sul e México devem crescer 3% no próximo ano, logo atrás ficará a América Latina, com taxa de 1,8%, e o Caribe, com 1,6%, de acordo com o organismo. Os países da América Central e caribenhos sentirão a alta dos preços das matérias-primas e também pagarão caro pelo vínculo com os Estados Unidos, onde o desemprego superará 10% em 2010, apesar da recessão já ter encerrado.
Em setembro, 263 mil postos de trabalho foram extintos nos EUA. O número é bem superior à previsão dos especialistas, que estimavam que o desemprego ficasse 100 mil a menos, informou o governo daquele país. "Os consumidores viviam acima de suas possibilidades. Era uma situação insustentável", disse Tim Adams, ex-diretor de assuntos internacionais do departamento do Tesouro dos EUA, em um seminário sobre o tema em Istambul.
Os fatores representam um balde de água fria nas esperanças de uma recuperação do turismo americano e das remessas nos países caribenhos e da América Central, segundo o Fundo. Por outro lado, os países exportadores de matérias-primas do Cone Sul sairão da crise econômica por causa da recente alta dos produtos negociados, como o petróleo e os metais, que se recuperaram parcialmente depois da forte queda no final do ano passado.
Taxa de crescimento
O FMI prevê que o petróleo fique cotado em torno de US$ 60 por barril neste ano, e chegue aos US$ 75 o barril em 2010. No entanto, o organismo não fez previsões de valor para os principais metais, mas, acredita na recuperação gradual na medida em que a economia mundial consiga se restabelecer e que não haverá saltos drásticos de preço no curto prazo.
Em todo caso, a América Latina não deve alcançar nos próximos quatro anos taxas de crescimento superiores a 5%, segundo informou o FMI. "Não acreditamos que o crescimento retorne tão logo aos níveis anteriores à crise", disse Robinson. Para este ano, a previsão é uma contração de 2,5% para a região e para 2010 um crescimento de 2,9%.
Muito dependerá da trajetória da China, que está ocupando o papel dos Estados Unidos como o principal membro de muitos países da América do Sul. Graças à China uma parte da América Latina se recuperou no segundo trimestre de 2009 com a Ásia. A recuperação representou uma entrada de dinheiro do exterior na busca de maior rentabilidade. "Estamos preocupados com o excesso e não com a falta de capital, isso está influenciando diretamente na valorização do real", disse Mantega.
Boas perspectivas
A rápida recuperação do Brasil poderia atrair uma quantidade desmesurada de capital estrangeiro e elevar ainda mais a cotação do real. O próprio FMI alertou para esse risco. "O Brasil vai aumentar o apetite dos mercados de capitais, dada a solidez de sua economia", advertiu, em entrevista coletiva, o diretor do departamento das Américas do FMI, Nicolás Eyzaguirre.
Eyzaguirre afirmou que, se a recuperação mundial se afiançar com o aumento da demanda privada, "o Brasil poderia começar a pensar em retirar um pouco de suas medidas de estímulo econômico, para evitar uma valorização excessiva de sua moeda", derivada da entrada de capitais. Parte do dinheiro barato injetado pelos bancos centrais dos países desenvolvidos está se desviando atualmente para os “emergentes”, onde os investidores recebem mais rentabilidade, o que provocou uma alta extraordinária de suas bolsas.
O Brasil é um dos beneficiados, por causa de suas boas perspectivas econômicas. Segundo o FMI, a economia brasileira contrairá 0,5% este ano e crescerá 3,5% em 2010, ajudado pela alta dos preços das matérias-primas que exporta. "Prevemos uma recuperação mais rápida no Brasil" do que em outros países, devido à força do consumo interno e à entrada de capital, explicou Eyzaguirre.
Duas regiões
A América Latina atrairá aproximadamente US$ 151 bilhões em fluxos de capital no próximo ano, acima dos cerca de US$ 100 bilhões deste ano, previu o Instituto de Finanças Internacionais (IIF, em inglês). A maior associação de banqueiros do mundo lembrou que os fluxos de capital para a região totalizaram US$ 132,4 bilhões durante o ano passado.
Um relatório divulgado pelo IIF em Istambul considera que na América Latina há "duas regiões". A primeira região seria integrada pelos países com acesso ao crédito e do qual fariam parte Brasil, Chile, Colômbia, México e Peru. No segundo grupo, estariam países que mantêm relações tensas com a maioria de seus credores externos, como Argentina e Equador.
O IIF acrescentou que esse último grupo representa cerca de 20% do Produto Interno Bruto (PIB) nominal da região, mas receberá apenas US$ 7,7 bilhões líquidos, ou cerca de 8% do total de fluxos em 2009. A Argentina retomou as conversas recentemente sobre a dívida de US$ 6,7 bilhões que tem com o grupo de países credores do Clube de Paris, e que inclui, entre outros, França, Estados Unidos e Japão.
Fluxos de capital
À espera dos resultados dessas conversas, o grupo de banqueiros insistiu em que "a moratória do Equador e a apropriação de alguns investimentos diretos estrangeiros por parte da Venezuela esfriaram ainda mais o clima de investimento, em um período difícil". O IIF afirmou que, entre os países com acesso ao crédito, houve um aumento do crescimento, que coloca as bases para o desembarque de maiores fluxos de capital em 2010.
A associação lembrou, nesse sentido, que o Brasil é o líder dentro desse grupo de países, enquanto o México aparece em último lugar. Segundo o IIF, a propícia evolução do Brasil fica evidente no valor do real e na recente qualificação de grau de investimento ao país concedida pela agência Moody''s. "Os fluxos líquidos privados de capital vão a caminho de se fortalecer em 2010 e, além dessa data, à medida que o país importa capital para desenvolver seus campos petrolíferos mar adentro", ressalta o IIF.
Em linhas gerais, o instituto de finanças destacou que os fluxos de capital para as economias “emergentes” voltaram a aumentar no segundo trimestre de 2009, uma tendência que ganhou força no terceiro trimestre. Apesar disso, espera-se que os países emergentes recebam só US$ 349 bilhões em 2009, uma quantia muito inferior aos US$ 649 bilhões de 2008. Espera-se que, em 2010, o número aumente para US$ 672 bilhões.
Bonito na foto
Na reunião do FMI, novamente o Brasil saiu bonito na foto. "Passamos da condição de devedores à de credores. É uma mudança radical", declarou Mantega, após entregar uma carta a Dominique Strauss-Kahn em que o país se compromete a "assinar um acordo de compra de bônus emitidos pelo Fundo no valor de US$ 10 bilhões de dólares, sob condições que serão estabelecidas no contrato que assinaremos", explicou Mantega. "Faremos uma assinatura por dois anos".
"É importante dizer que nós estamos colocando uma parte de nossas reservas, mas isto não significa uma diminuição da disponibilidade de recursos para o Brasil. É apenas uma mudança de ativos", ressaltou Mantega, lembrando que o país decidiu comprar bônus que podem ser vendidos a outros países, sem dar o dinheiro diretamente ao FMI.
"Com estes recursos, o FMI poderá ajudar os países que precisam de liquidez", disse o ministro.
Segundo Mantega, os países do Bric (Brasil, Rússia, Índia e China) decidiram comprar um total de US$ 80 bilhões em bônus do fundo; US$ 50 bilhões serão adquiridos por Pequim e US$ 30 bilhões igualmente divididos por Brasília, Moscou e Nova Délhi.
Agora, os quatro países vão negociar a possibilidade de colocar seus títulos nos Novos Acordos para a Obtenção de Empréstimos (NAP), programa que permitirá ao FMI dispor de 500 bilhões de dólares para conceder empréstimos rápidos a países em dificuldades.
Pacote de 2002
Os BRICs, no entanto, condicionam esta decisão a uma garantia de que seu poder de decisão seja proporcional à contribuição feita ao NAP. O Fundo, por sua vez, se comprometeu no domingo a aumentar em pelo menos 5% as cotas dos países emergentes até 2011. Os US$ 80 bilhões dos BRICs representam 16% dos 500 bilhões previstos pelo programa, porcentagem que daria ao grupo de quatro países uma minoria de bloqueio.
Em abril, quando a ideia de um eventual empréstimo ao FMI foi divulgada pela primeira vez, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva perguntou a jornalistas que cobriam o encontro do G-20 em Londres: "Você não acha muito chique o Brasil emprestar dinheiro para o FMI?" "É um momento histórico para nós. É a primeira vez na história que o Brasil empresta recursos ao FMI – e, portanto, à comunidade internacional", destacou Mantega.
O ministro lembrou que o Brasil se beneficiou em 2002 de um pacote de US$ 30 bilhões do FMI para enfrentar as turbulências e a onda especulativa provocadas pela eleição de Luis Inácio Lula da Silva à presidência. Foi o maior valor já emprestado pelo organismo financeiro. Aplicando uma rigorosa política fiscal, Lula saldou toda a dívida no final de 2005.
Com agências