Belluzzo e os clássicos do pensamento econômico brasileiro

Como parte das comemorações pelos dez anos de fundação, a Facamp (Faculdades de Campinas) vai lançar nesta segunda-feira, 26, às 19h, no Museu da Casa Brasileira, em São Paulo, clássicos do pensamento econômico brasileiro. As Edições Facamp reeditam Antonio Delfim Netto, João Manuel Cardoso de Mello, Fernando Novais, Luiz Gonzaga Belluzzo e Frederico Mazzucchelli.

Por Claudio Leal, na Terra Magazine

Em "O problema do café no Brasil" (1959), Delfim Netto integra a história à teoria econômica na análise do impacto dos ciclos cafeeiros entre 1900 e 1947. Praticamente, é a primeira vez que a obra ganha uma edição à altura de sua importância nos estudos sobre a presença do café na economia nacional.

Tese de doutoramento de João Manuel Cardoso de Mello, em 1975, "O capitalismo tardio" também é relançado, bem como o livro "Capitalismo tardio e sociabilidade moderna", em parceria com Fernando Novais, professor-emérito da Universidade de São Paulo (USP).
Por sua vez, Frederico Mazzucchelli publica "Os anos de chumbo – Economia e política internacional no entreguerras", enfeixando dez ensaios sobre um marco temporal que vai da hegemonia inglesa, no século 19, até o início da Segunda Guerra Mundial.

Em entrevista a Terra Magazine, o economista e um dos fundadores da Facamp, Luiz Gonzaga Belluzzo, comenta os lançamentos e avalia os desdobramentos da crise financeira mundial, objeto de seu livro "Os antecedentes da tormenta – Origens da crise global", reunião de artigos escritos entre 1995 e 2009, organizado por Mazzucchelli. O conjunto das obras oferece uma trajetória do capitalismo brasileiro no século 20.

Em 1999, a Facamp foi fundada por um grupo de professores ligados à experiência da Unicamp – Belluzzo, João Manuel Cardoso de Mello e Liana Aureliano.

Leia a entrevista do economista e presidente do Palmeiras, Luiz Gonzaga Belluzzo.

Terra Magazine – Como se deu a escolha dos títulos, que oferecem um panorama da entrada da sociedade brasileira na modernidade?

Luiz Gonzaga Belluzzo – Nós tentamos, primeiro, publicar alguns livros clássicos que estão esgotados ou que tiveram uma edição limitada, como é o caso de "O problema do café no Brasil", do Delfim (Netto). É um livro que nós consideramos o mais competente tratamento da questão do café no Brasil, a tese de doutoramento dele, que não teve uma divulgação adequada. Depois "Capitalismo tardio e sociabilidade moderna" (de João Manuel Cardoso de Mello e Fernando Novais) é exatamente a entrada do Brasil na modernidade, como ela foi colocada originariamente pelo pensamento histórico-teórico da Unicamp, que o João Manuel sintetizou e é muito representativo, na nossa visão.

E o livro do Fred (Frederico Mazzucchelli, "Os anos de chumbo"). Ele também faz parte desse movimento, porque o Fred deu um curso por muitos anos sobre a história do capitalismo no século 20. Eu comecei a dar esse curso e depois ele seguiu. Ele fez uma pesquisa exaustiva dos anos 20 e 30. Muito importante porque ele trata de um período crítico do capitalismo. E o meu ("Os antecedentes da tormenta"), finalmente, é uma espécie de acompanhamento da crise. É como você fazer o diagnóstico de um paciente que não sabe que está doente. O paciente não sabia. Mas eu estou fazendo o acompanhamento desde o primeiro texto.

Tem o "Financeirização da riqueza"…

Que eu escrevi com o Luciano (Coutinho). No Brasil, pelo menos, é um dos textos que foi a primeira abordagem teórica sobre a natureza desse regime que combina a inflação de ativos, consumo e déficit externo americano. A partir daí fui escrevendo artigos que acompanharam a evolução desse "modelo", desse estilo de funcionamento do capitalismo.

O livro pode funcionar como um itinerário de seu pensamento econômico?

É isso mesmo, um itinerário. Esse livro foi uma coisa que eu pedi pro Fred fazer -, porque ele editou, eu não teria paciência -, pra ver como eu vou reintroduzindo os argumentos nos outros artigos, à medida que vai mudando. Pra mostrar, ao mesmo tempo, que você tem uma certa permanência estrutural desse movimento e como ele vai modificando as condições iniciais, de partida.

Em "Os antecedentes da tormenta", há uma entrevista que o senhor concedeu ao jornalista Carlos Drummond, publicada por Terra Magazine em março de 2008. Nela, o senhor sustenta que as intervenções do Fed não iriam funcionar a contento, porque os bancos resistiriam a emprestar e as empresas mais saudáveis evitariam tomar empréstimos. Como foi a evolução disso?

Tenho dito que essas ações foram inevitáveis, ao mesmo tempo em que elas não vão conseguir recompor um crescimento tão vigoroso como aquele que se observou no período 2003-2007. Nós ainda temos problemas financeiros, problemas nos bancos, que não estão totalmente saneados. Isso vai prejudicar a recuperação. Na verdade, a saída da crise vai ser muito complicada. Porque agora você tem o movimento de fundo de portfólios.

Os bancos estão carregados de reservas, mas como você não tem nenhuma perspectiva produtiva, até porque tem muita capacidade sobrante no mundo e os chineses continuam investindo, vai ficar difícil para os Estados Unidos achar uma saída. Você não pode pelas exportações e tem problemas com a própria estrutura produtiva americana, que não responde adequadamente ao movimento de preços.

Após essa crise, o senhor já sente uma mudança de mentalidade no mercado financeiro? Inicialmente, no Brasil, falou-se que a crise não nos atingiria tão fortemente. Quais lições foram assimiladas?

O Brasil, na verdade, já foi beneficiado pelo período anterior, mas, digamos, ele tem problemas de adaptação à nova configuração que a gente não sabe direito qual é. Porque, dificilmente, você vai ter uma reedição daquilo que ocorreu nos anos 90 e na última década. É difícil porque tem a reiteração dos desequilíbrios. Eu acho que o Brasil, pela diversidade que tem na economia, tem mais flexibilidade que os outros países. Até pela diversidade de resursos naturais, pela descoberta do pré-sal.

Mas precisa tomar cuidado, por exemplo, nessa questão do câmbio. Se você lê os textos americanos melhores sobre essa perda de substância industrial da economia americana, vai ver, obviamente, que esse reajuste da economia americana está mais difícil do que é para o Brasil. Muito mais difícil porque é uma economia muito maior, mais pesada, hegemônica, tem problemas sérios com a manutenção do dólar como a moeda reserva. Então, eu acho que o Brasil tem uma configuração de recursos naturais, de estrutura produtiva, que pode facilitar bem a vida.

Entre os livros relançados, está "O capitalismo tardio e a sociabilidade moderna", de João Manuel e Fernando Novais. Ele é bem atual, nesse contexto da crise, para compreender a evolução do consumo no Brasil?

Ele trata da mudança dos hábitos dos brasileiros, como é você introduzir o consumo no Brasil, como isso tem a ver com uma certa estratificação social, como as classes sociais foram inseridas nesse capitalismo tardio. Esse é o objetivo, como a sociabilidade mudou, é um livro muito interessante.

E vai ao momento da democratização…

Isso é um ponto muito interessante. A democratização, depois as escolhas estruturais que foram feitas, como as perspectivas mudam com o governo Fernando Henrique. Infelizmente o livro não pega o que aconteceu depois.

Há uma unidade na escolha das obras?

Sim, porque começa com o problema do café, depois o João Manuel pega a industrialização a partir da economia cafeeira e a transformação da economia urbano-industrial, como ela mudou as relações. Depois você tem o livro do Fred. Isso está na tradição da Unicamp e também da Facamp. Você tem duas crises do capitalismo, a dos anos 30 e a de agora. Ele trata dos anos de chumbo, dos anos 30, e trata a de agora. O Brasil no capitalismo, o capitalismo brasileiro e o capitalismo global. E o meu livro é sobre a economia do ponto de vista téorico, conceitual e como ela vai mudando.