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Elias Jabbour: O problema e a solução do câmbio

Muitos apostam numa crise cambial que poderá levar o país a uma situação como a de 1999. Não concordo, nem torço para isso, pois se de um lado a demanda chinesa (e mundial) por commodities deverá nos levar a sempre acumular reservas em moeda estrangeira, por outro – na pior das hipóteses –, não são os “craques da pequena política” que vão pagar o pato de uma quebradeira, e sim o povo. E nosso povo já sofreu o bastante.

por Elias Jabbour*

Parece que enfim o país acordou para uma dura realidade. O Estado alavanca gastos públicos, as empresas passam a tocar projetos adiados com a crise adiante. A massa salarial volta à tendência de alta. Mas, o país timidamente pode sair dessa crise com, no máximo, crescimento de 1% e a partir do próximo ano poderá retomar taxas de crescimento de até 5%. Há quem comemore isso.

Pressionada pela realidade e pelo próprio presidente, a taxa básica de juros SELIC andou em tendência de queda, mas ainda as taxas de juro praticadas no Brasil ainda são absurdamente altas, colocando nosso país na condição de, nas palavras de Delfim Netto, “o último frango com farofa do mundo”. Na verdade, os dólares estão chegando aos montes em nosso mercado financeiro, pressionando pela valorização do real ante o dólar. Isso penaliza os exportadores brasileiros, pois com uma taxa de câmbio nos patamares em que ela se encontra atualmente (um dólar por R$ 1,70), fica mais fácil importar do que exportar. É mais cômodo contrair empréstimos fora do país do que entrar no mercado doméstico de crédito, aumentando nossa dependência financeira para com o exterior. Mais tranqüilo para a Vale do Rio Doce exportar minério de ferro do que seguir a dica de nosso presidente para quem a Vale deveria se voltar à expansão do parque siderúrgico nacional.

Aos que, justamente, falam aos quatro ventos sobre a chamada “questão tecnológica”, fica complicado. A lição de Lênin, aos países periféricos, continua atual: “tecnologia não se emula: se importa, se transfere, se rouba”. Rosa Luxemburgo chamava a atenção ao fato de os monopólios não serem os grandes produtores de novíssima tecnologia. Para esta gigante intelectual a tecnologia nova surge por fora do monopólio, das empresas em vias de desaparecer. E o câmbio flexível, em um país ainda periférico como o Brasil, além de minar a capacidade de concorrência de nossa indústria (inclusive nossa grande produção agrícola), pune justamente os pequenos, os médios e os quase grandes.

Neste contexto que envolve mil conversas sobre política industrial e de sucção de novas e novíssimas tecnologias produzidas no centro do sistema, fica uma questão: qual empresa de ponta no mundo, capaz de produzir “tecnologias por minuto” vai se interessar por se instalar no Brasil? Vão preferir a China, claro, país onde um dólar não passa da casa dos sete yuanes. Nunca é demais assinalar que até 1995 a China não dispunha de um parque metal-mecânico novo. Ainda produziam vagões de metrôs copiados aos soviéticos. Hoje, os chineses exportam tecnologia nesse setor. O Brasil que em meados da década de 1970 inaugurou o mais moderno metrô do mundo, com tecnologia (vagões e trilhos) brasileiros – isso sem falar de Itaipu brasileira desde os engenheiros até os geradores –, hoje importa este tipo de equipamento da própria China e trens de segunda categoria dos Estados Unidos.

Uma visita ao site da FIESP poderá nos demonstrar pelo menos uma verdade cabal: quem cresce são os setores ligados ao agronegócio. Nossa indústria de transformação míngua. Crescemos à base de soja e não da fabricação de geradores elétricos de ponta.

Parece que o sonho dos agraristas do início do século passado torna-se realidade sob o véu da semântica “modernizante” monetarista.

Mas tem luta política aí.

O presidente agiu certo

Por outro lado, não adianta jogar pedras, apontar soluções “técnicas” para um problema puramente de correlação de forças na esfera da política. É neste sentido que a teoria deve estar a serviço da estratégia, combinando política e economia, história e economia.

Disse no início do texto que, enfim, o país acordou para uma dura realidade e tentei a expor a dura realidade nas linhas seguintes. E é nesta toada que acho que o presidente Lula agiu certo ao propor e executar uma medida de taxação do capital estrangeiro – via IOF –, em 2%. No mesmo dia em conversa no gabinete da liderança do PCdoB na Câmara dos Deputados apontei a insuficiência desta medida, pois 2% de IOF é um resvalo numa parede com tinta fresca tamanha a rentabilidade do capital estrangeiro especulativo no Brasil. A princípio os “mercados” reagiram mal. Bom para o Brasil. Mas no dia seguinte “tudo voltou como dantes no quartel de Abrantes”. Mas, foi um avanço, pois nada semelhante havia sido feito desde 1994, quando a política de “câmbio flexível” começou a iniciar uma transição de política de governo para política de Estado. E o dado importante é que esta política de Estado, enfim, começou a ser questionada.

Mas, vejamos a coisa pelo ângulo da luta política mais renhida. O principal instrumento da dominação estrangeira em nosso país, a imprensa, passou dias martelando contra a medida com ilações das mais variadas, sendo a principal delas a tal ladainha da “inflação”. Ladainha esta sempre lançada pela direita no sentido de ganhar os trabalhadores (pelo discurso do aumento do custo de vida) para seu lado. É verdade que a abertura comercial pela via do câmbio, serve como redutor de preços, muitos deles de gêneros de primeira necessidade. Mas, é verdade que essa política lançou 12 milhões de desempregados às ruas entre 1993 e 2002 (alem do fato de que no mesmo período, a participação dos salários na composição do PIB nacional, caiu pela metade), abrindo uma rachadura no tecido social brasileiro cujos últimos acontecimentos da semana passada no Rio de Janeiro são, apenas, mera expressão.

Logo, não sei por que ainda se fica na defensiva ante esse discurso do “combate à inflação”. Afinal não somos trabalhadores capazes de ler?

Que fazer?

Olha, a coisa se resolve na política e pelo acúmulo de forças. Devemos continuar a acumular. Muitos apostam numa crise cambial que poderá levar o país a uma situação como a de 1999. Não concordo, nem torço para isso, pois se de um lado a demanda chinesa (e mundial) por commodities deverá nos levar a sempre acumular reservas em moeda estrangeira, por outro – na pior das hipóteses –, não são os “craques da pequena política” que vão pagar o pato de uma quebradeira, e sim o povo. E nosso povo já sofreu o bastante.

Vejo o cenário da seguinte forma: o melhor dos mundos passaria pela rápida imposição de controles de entrada e saída de capitais estrangeiros. Esse tipo de medida já foi tomada até pela Colômbia. Mas o Brasil não é Colômbia, muito menos a Venezuela. Não existe correlação de forças suficiente para tal, pois a mesma seria a abertura de uma ampla avenida no rumo do aparelhamento de um capitalismo de Estado no Brasil. Nesse caso a nossa vontade iria de encontro às leis da natureza.

Outra saída plausível foi apontada pelo professor Belluzzo. Uma saída “chinesa” que consiste na ação governamental sobre o mercado de futuros. Belluzzo está correto, mas não vejo capacidade financeira do Estado para isso, pois não se trata de intervenções como a que vemos fazer o Banco Central do Brasil atualmente, colocando alguns bilhões na praça no intento de enxugar (gelo) os dólares em circulação. A coisa é muito maior, dado o volume de capital especulativo que entra no Brasil diariamente e é no mercado de futuros que se vê de luneta os preços a serem alcançados. Vide o papel de Wall Street nas altas das commodities: os chamados derivativos são produto do mercado de futuros e o Estado para entrar nessa “brincadeira” deve ter “bala na agulha”, leia-se dinheiro. Para termos uma idéia, na China, além de quatro grandes bancos estatais e outros dez de tipo comercial (sem papel político, digamos assim), eles têm uma ampla rede de bancos provinciais e municipais com uma liquidez impressionante. Para termos uma idéia, o Banco de Desenvolvimento de Guangdong tem liquidez maior que o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal juntos.

Creio que o que o “jogo de forças” permite é a utilização deste mecanismo do IOF de forma cirúrgica, pensada. Por exemplo, aumentando gradativamente o “fisco” da entrada de capitais no país. De 2% para 4% e assim por diante.

Porém, como a economia é uma ciência social, toda e qualquer medida deverá ser seguida por outras tantas, entre tais um aumento da taxa de investimento em relação ao PIB que hoje é de 19%, tendo que chegar a patamares mínimos de 25%, de forma que se crie e amplie capacidades produtivas instaladas e assim o perigo da inflação por excesso de demanda se espaire, assim como a munição aos nossos inimigos. Os juros idem ao contrário: deveriam continuar a tendência de queda.

Enfim, a solução técnica do problema existe. Mas o momento demanda frieza, inteligência e consciência do que se está em jogo em 2010. É sobre 2010 que esse jogo todo que tem o problema cambial como parte que devemos nos concentrar.

E tudo indica que Dilma representa essa transformação da quantidade em qualidade.

Lutemos.

*Elias Jabbour é geógrafo e pesquisador da Fundação Maurício Grabois

Artigo reproduzido do blog Sorrentino, projetos para o Brasil