Sem categoria

"Não participo de farsas nem de fraudes", diz Zelaya

"Quanto tempo você dá ao próximo presidente de Honduras? Não lhe parece um escárnio convocar eleições para que as forças armadas o derrubem quando quiserem, como fizeram com o presidente anterior?", é o que questiona o presidente de Honduras, José Manuel Zelaya, nesta entrevista, em seu 57º dia como hóspede na embaixada brasileira.

De lá, pede que lhe sejam lidos os comentários de Ian Kelly, porta-voz do Departamento de Estado dos Estados Unidos, que pouco antes havia afirmado em Washington: "Nós não mudamos nossa política". Zelaya ri e pergunta: "foi tudo o que disse de Honduras?"

"Temos altos responsáveis ainda envolvidos, tentando não que ambas as partes cheguem a um acordo, mas que implementem o que já se acordou. Ainda se podem fazer coisas ", conclui a leitura do despacho com asdeclarações de Kelly, uma resposta provisória à carta enviada no último sábado (14) por Zelaya ao presidente Barack Obama para repreender os Estados Unidos por tê-lo deixado "no meio do caminho".

A risada de Zelaya é uma indicação de humor antes da lúgubre resposta que se segue à pergunta sobre como ele está: "Não tão bem como você, que está em liberdade". E respondeu a Kelly: "Que conteste a realidade, então, porque tínhamos feito um acordo de que as eleições iam se dar pacificamente, de forma concertada, com um acordo político. Não se implementou o acordo, que expirou em 5 de novembro, e que foi vencido porque eles mudaram de posição. Eles começaram a dizer que as eleições poderiam ser feitas sem a minha restituição". Veja abaixo tópicos da entrevista com Zelaya publicada nesta quarta-feira por Página 12:

Página 12 – Esta é a citada declaração do subsecretário Thomas Shannon…

Zelaya – O senador (James) De Mint (republicano) disse tque haviam feito um acordo, republicanos e democratas, para reconhecer a eleição, com ou sem a minha restituição. Depois a administração Obama repetiu o mesmo. Nos deixaram no meio caminho, em meio à correnteza, enfraqueceram, dividiram a opinião pública internacional.

Além disso, desafiaram as resoluções da Organização dos Estados Americanos (OEA) e da Organização das Nações Unidas (ONU), ignorando o espírito do acordo assinado. O acordo tem doze pontos, mas é só de maneira integrada e global: se um dos pontos não se cumpre, o acordo não tem validez, porque não firmamos doze acordos.

Eles (EUA) mudaram a política e têm que responder ante o direito internacional, porque eu sou o presidente do povo hondurenho e eles reconhecem e estou expressando que apoiar uma atividade (as eleições de 29 de novembro) de um governo ilegal – como eles o tratam -, apoiar uma atividade de um governo ilícito que deu um golpe de Estado, é violentar o acordo".

Página 12 – Muitos meios de comunicação interpretaram sua carta ao presidente Obama como uma renúncia a qualquer possibilidade de restituição.

Zelaya – As pessoas que sabem ler não podem se expressar assim. Fui absolutamente claro e enfático: eu não aceitar acordos de legitimar golpes de Estado. O acordo que me estão propondo é que (Roberto) Micheletti lidere o governo de unidade nacional. Isso é mais um golpe de Estado. E é isso que eu disse na carta. Ali ninguém fala de renúncia, ninguém fala sobre restituição, mas o que eu disse foi que eu não aceito o acordo de retorno à presidência para legitimar um golpe de Estado".

Página 12 – Por que assinou um acordo com tantas brechas para o governo de fato? Havia um compromisso não escrito de que você seria restituído?

Zelaya – Quem diz isso não entende o grau de conflito em que estávamos negociando. Se eu, nesse documento, colocasse tudo o que eu quero dizer do governo de fato, dos golpistas, ou eles colocassem tudo o que têm a dizer, o documento não seria assinado. É um documento que fala sobre propósitos, objetivos e apenas para introduzir um parágrafo veio Thomas Shannon. Apenas para introduzir um parágrafo, dizendo "dentro do espírito do plano Arias".

E esse espírito era o restabelecimento da ordem democrática, ou seja, a minha restituição. O acordo diz que o Congresso deve resolver, não diz que não deve complicar, atrasar ou confundir. Portanto, a quem cabem duvidas? A máquina dos que apóiam Micheletti a nível internacional começou a dizer que o documento não dizia que tinha que me restituir e isso é falso: o documento afirma que deve ser resolvido com a restituição e o espírito do plano Arias.

É um documento para a reconciliação. Pode haver reconciliação se apenas uma parte exerce a sua vontade? O documento está bem feito, com certeza, isso é claro. Como é evidente que os Estados Unidos mudaram a sua posição no meio do caminho e fortaleceu a ditadura.

Página 12 – Você espera ainda uma mudança na posição dos EUA?

Zelaya – Eu reclamo do não cumprimento da palavra e do desacato a todas as resoluções que eles próprios haviam assinado no âmbito da OEA e da ONU, e da violação do direito internacional, ao vir a reconhecer uma atividade de governo que eles mesmos chamam de ilegítimo. Deixei claro que eles afastaram-se do discurso de Obama em Trinidad e Tobago, quando ele disse que, nos EUA, viria uma nova era. Eu pensei que era uma era de paz e democracia, não que era uma nova época golpes de Estado ou truques. Se afastaram dos princípios da democracia americana.

Eles querem fazer as eleições, tipo Afeganistão, sem um acordo político. Não são herdeiros de Lincoln se aqui promovem uma eleição com repressão, perseguição, com a censura à mídia. Eu concordei negociar porque os EUA estavam atrás. Eu pensei que iam se manter firmes até o fim, e na metade do caminho, me deixaram na correnteza.

Página 12 – Há espaço para fazer a batalha dentro do Partido Liberal (PL) ou se planeja uma terceira força política para romper o bipartidarismo?

Zelaya – O neoliberalismo hondurenho tem 117 anos e sempre nos opusemos à intervenção militar na vida cívica. Nunca tivemos um ato tão ultrajante como o que protagonizaram Micheletti e Elvin Santos (candidato a presidente do PL), de promover um golpe, que derrubou um presidente legitimamente eleito pelo povo. É uma vergonha internacional e, obviamente, não fala bem dos dirigentes de hoje. A história terá que julgar os atos.

Página 12 – O senhor seguirá no Partido Liberal?

Zelaya – Sou liberal porque acredito na sua história, acredito na doutrina. O partido levou-me à Presidência da República e sigo respeitando suas idiossincrasias. Quem se afastou do liberalismo foi o sr. Micheletti, que não tem absolutamente nada de liberal.

Página 12 – O senhor vai insistir para que os candidatos que estão contra o golpe se retirem do processo eleitoral?

Zelaya – Tenho instado a impugnar este processo pelo fato de ser ilegal e pelo futuro dos nossos filhos. Quando aceitam um jugo, simplesmente pelo usp da força ou por interesses materiais, estão se afastando dos princípios democráticos.

Página 12 – Você chamou César Ham, Unificação Democrática, a retirar sua candidatura presidencial?

Zelaya – Estou tentando conseguir que a consciência do povo não se preste a legitimar um golpe de Estado. As eleições são para eleger um presidente. O elege o povo ou as Forças Armadas? Convocam eleições para que o derrubem como fizeram ao anterior? Claro, as Forças Armadas foram o instrumento, não planejaram nem financiaram o golpe de Estado. Revereter o golpe antes das eleições era para garantir o respeito à soberania popular. Quem participar de uma farsa como esta significa que é um instrumento para pretsar-se a que este país continue a ser manuseado por quem queira. E eu não participo de farsas nem de fraudes desta natureza. 

Fonte: Pagina/12