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''Estou nas mãos do general Romeo Vázquez'', diz Zelaya

A cinco dias das eleições, o presidente arrancado de seu cargo em Honduras, Manuel Zelaya, culpou, na última terça-feira (24), os Estados Unidos por sua mudança de posição com a ditadura. "Obama não só não priorizou a democracia em Honduras, mas também não priorizou a democracia na América Latina", disse ele nesta entrevista publicada no Página 12.

Manuel Zelaya tem todas as razões para estar irritado, mas não o demonstra. Atende o telefone da embaixada brasileira em Tegucigalpa com um tom amável, opacado só pelo cansaço de quem vive preso e assediado há dois meses.

O presidente hondurenho derrubado perdeu a disputa e sabe disso. Quanto mais se aproximam as eleições de domingo, mais patente se torna a sua impotência. "Estamos na luta do mais forte, e na verdade não sabemos o que vai acontecer", reconheceu ontem pela tarde.

Ele não quer adiantar seus próximos passos, mas deixa todas as portas abertas. Nesta conversa com o jornal Página/12, ele não descartou o exílio, nem a negociação com o próximo presidente hondurenho. "Minhas diferenças são políticas, não pessoais", defendeu-se.

Minutos depois da entrevista, as organizações de direitos humanos hondurenhas confirmaram um novo assassinato, a cinco dias dos comícios. "A ditadura continua reprimindo a resistência. Hoje [terça-feira], um professor que havia sido preso pela polícia na segunda-feira apareceu morto. Como podem se chamar de líderes democráticos aqueles que calam e apoiam esse terrorismo de Estado?", sentenciou Bertha Oliva, veterana dirigente.

Segundo seus cálculos, Gradis Espinal, aposentado de 58 anos e pai de três filhos, é a vítima número 26 da ditadura.Nenhum dos principais meios de comunicação hondurenhos repercutiram a notícia, e a ditadura nem se pronunciou. "Nem todos têm as mesmas possibilidades nestas eleições", lembrou Zelaya. Confira a entrevista:

Página 12: Finalmente, chegou-se ao pior cenário político: eleições sob a ditadura. Por que não se conseguiu a restituição? O que faltou?
Manuel Zelaya:
Há um mandato da OEA, outro da ONU e o Plano Arias. Todos pediam a restituição para poder fazer eleições democráticas, em igualdade de condições. Todos pediam isso, mas não aconteceu. Não aconteceu porque os Estados Unidos renunciaram à sua posição, mudaram a sua prioridade, apoiaram as eleições sem restituição, e isso eliminou as possibilidades de restaurar a democracia hondurenha. Não só não priorizaram a democracia em Honduras, mas também não priorizaram a democracia na América Latina.

Página 12: Eles cometeram erros nos últimos cinco meses?
MZ:
As negociações avançavam, mas quando os Estados Unidos mudaram sua posição com relação à ditadura, tudo caiu. Foi isso que aconteceu.

Página 12: O senhor acredita que o boicote eleitoral será suficiente para fazer com que o próximo governo se desequilibre?
MZ:
É preciso se pronunciar contra o processo, que tem uma raiz ilegal, e nem todos temos as mesmas possibilidades. A democracia deve ser um acordo político para que todos possamos competir em igualdade de condições.

Página 12: Não parece suficiente para desestabilizar o próximo governo…
MZ:
Veja, estas eleições têm três elementos que as tornam únicas. Primeiro, é a primeira vez na América Latina que se realizam eleições depois de uma ditarua sem um pacto social prévio. Segundo, as eleições foram convocadas sob um estado de repressão. E, terceiro, existe um grande temor de uma fraude eleitoral. São eleições frágeis e delas sairá um governo frágil.

Página 12: Como continuará sua vida depois das eleições? Continuará na embaixada?
MZ:
Estamos lutando por uma causa que não tem limites de tempo nem de espaço. Trata-se de sacrifícios e de continuar lutando pela liberdade, aqui ou onde quer que seja. Quando se perde o sistema democrático, perde-se o destino do país inteiro. Estamos lutando a luta do mais forte, e na verdade não sabemos o que vai acontecer.

Página 12: Tentará dialogar com quem ganhar as eleições?
MZ: 
Eu me afastei politicamente deles porque apoiaram o golpe, não saíram em defesa da democracia e dos direitos humanos, como nós. Temos diferenças políticas, mas não pessoais.

Página 12:
Está pensando em exilar-se ou imagina continuar vivendo em Honduras?
MZ:
 Minha vida está sim nas mãos do general Romeo Vázquez Velázquez. Eu não me preocupo com isso. Ele decidirá o que eu posso fazer.

Página 12: Mas o senhor está considerando o fato de se exilar?
MZ: 
Minha vida está ligada ao povo hondurenho e está orientada a lutar por uma causa, a da democracia e da liberdade hondurenha. Essa causa não tem um tempo, uma forma ou um lugar determinado. Isso não é importante.

Página 12: Como ficou sua relação com o governo norte-americano depois de sua mudança em favor das eleições hondurenhas?
MZ: 
Todo o direito internacional dita que os Estados Unidos podem tomar a decisão que quiserem. Nós não questionamos sua soberania. Mas quando esse governo faz um trato comigo, eu tenho direito de reclamar. Sempre guardarei um respeito por essa nação livre, mas os Estados Unidos não cumpriram com sua palavra.

Página 12: Obama havia lhe colocado condições para apoiar sua restituição?
MZ:
 Não, nenhuma. Prometeu a reenquadramento do sistema democrático antes das eleições, nada mais.

Página 12: E por que o senhor acredita que os Estados Unidos mudaram de opinião?
MZ: 
O senador De Mint disse isso muito claro. Eu não faço juízos, ele disse. Ele veio, como muitos outros republicanos, e falou com Micheletti. Depois, voltou para Washington e fez um acordo com o presidente Obama. Não é preciso especular muito.

Página 12: Como os países latino-americanos deveriam agir com o próximo governo?
MZ: 
Além de impugnar as eleições, vamos pedir que sejam anuladas. Os países que se unirem não vão estar defendendo somente os direitos dos hondurenhos, mas também os de todos os latino-americanos.

Página 12: Muito se discutiu sobre a polarização política que existia em Honduras antes do golpe. Se o senhor pudesse fazer alguma recomendação aos presidentes vizinhos para evitar uma situação similar, qual seria?
MZ: 
Quando um presidente quer corrigir a economia e torná-la mais justa, precisa fazer reformas que não são do agrado das transnacionais financeiras, de serviços e industriais. Minha recomendação para os presidentes que queiram bem, de verdade, os seus povos é que eles se mantenham firmes, mesmo que as velhas castas militares se mostrem ameaçadoras.

Fonte: Página 12

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