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"Vitória de Mujica se increve na briga por hegemonia continental"

A vitória de José Mujica "se inscreve na disputa pela hegemonia continental, entre as forças de esquerda e direita", afirma Rony Corbo, do Partido Comunista do Uruguai. Ao Vermelho, ele destaca que o novo presidente iniciará uma campanha para acabar com as favelas e, no plano internacional, incrementará a integração regional, avançando na consolidação do Mercosul. Corbo informou que a Frente Ampla agora se prepara para repetir a vitória nas eleições municipais de maio de 2010. Leia abaixo:

Vermelho: O que significa a vitória da Mujica para a esquerda no Uruguai e na América Latina?
Rony Corbo:
A vitória de José Mujica sobre Luis Alberto Lacalle representa o triunfo do projeto popular sobre a tentativa das classes dominantes de restaurar neoliberalismo no Uruguai, o eterno retorno da mão invisível do mercado como regulador; ou a confirmação de uma nova era, a nível continental, com a esquerda no governo, impulsionando, do Estado, a integração regional com um projeto sólido de desenvolvimento, que busque potencial à complementaridade produtiva.

Nossa eleição se inscreve na disputa pela hegemonia continental, entre as forças de esquerda e direita. Em termos de Marx, entre um sistema senil e permissivo que se recusa a morrer e um novo que ainda não acabou de nascer, com o socialismo no horizonte, mas sem esquemas preconcebidos ou exportados de outras realidades, verdadeiramente criador e dialético.

A nossa eleição – como em outros países latino-americanos – é o confronto de dois sistemas antagônicos: o capitalismo neoliberal, feito para as nações "desenvolvidas" absorverem a riqueza dos povos dependentes, com as elites crioulas como aliadas, sistema que por sua essência não pode ser humanizado; ou a formação de uma nova ordem multipolar, onde os nossos países avancem até uma integração baseada no respeito à auto-determinação, à soberania, que façam das diferenças uma riqueza, para potencializar os sonhos de independência, a luta pelo desenvolvimento e a auto-determinação.

Para os comunistas, a vitória da Frente Ampla se inscreve na teoria da revolução continental de Rodney Arismendi, que define a luta continental como uma só, a partir das especificidades de cada nação, mas com um destino comum.

Vermelho: O que sinalizaram as primeiras palavras Mujica, após o resultado final?
Rony Corbo:
Marcaram o reconhecimento à militância da Frente Ampla, ao povo uruguaio e aos líderes históricos da esquerda. Também ao resto das pessoas que não votaram nele, catalogando-as simplesmente como atrasadas na fileira popular.

Abaixo do palanque, a militância freteamplista ouvia o presidente eleito em meio a uma tormenta de vento e água, no meio de bandeiras que se agitavam. Outro momento emocionante foi quando o atual presidente da República, Tabaré Vázquez, fez a saudação ao presidente eleito.

Mujica chamou a oposição para o diálogo, marcando uma série de temas prioritários para o Estado uruguaio, na tentativa de estabelecer acordos com outros partidos, apesar da sua maioria parlamentar na Frente Ampla.

Vermelho: Como será organizada a transição?
Rony Corbo:
Está na fase de definição do novo gabinete, que deve visar ao equilíbrio entre os diferentes setores que compõem a coalizão de esquerda. Depois disso, cada ministro deve definir as suas equipas e a partir do próximo ano, começará uma transição ordenada, favorecida pela continuidade de muitos quadros em tarefas que já vinham realizando e pela experiência de cinco anos de governo. Além de que, será entregue um Estado em condições bastante diferente daquela que recebeu Tabaré, na qual o caos reinava.

Vermelho: Quais devem ser os primeiros passos do novo governo? É possível antecipar algumas medidas ou enfoques?
Rony Corbo:
Internamente, Mujica já anunciou uma forte campanha para acabar com os assentamentos (favelas) mediante o trabalho conjunto de vários atores, incluindo o exército e um amplo voluntariado social. No mais, trata-se de continuar a aprofundar as mudanças iniciadas no governo de Tabaré.

No âmbito internacional, devemos seguir para uma mudança mais profunda, dando prioridade à integração regional, apontando fortemente para a formação de um bloco de países latino-americanos com incidência forte no âmbito global, avançando na consolidação do Mercosul, no código aduaneiro comum, no intercâmbio e complementação produtivas, em obras e infra-estrutura e em políticas energéticas.

Vermelho: Qual é o papel que o Partido Comunista deve ter no governo?
Rony Corbo:
Cabe ao Partido Comunista um papel fundamental, de apoio crítica constante. Em nossa teoria da revolução no Uruguai, embora o governo seja importante, não é única coisa e definimos que chegar ao governo não é ter o poder, que é muito mais fragmentado e não reside justamente no movimento popular. Em termos de Gramsci, apontamos a substituição do bloco dominante por outro, nacional, popular e democrático, que promova mudanças radicais nas estruturas existentes.

Temos de olhar além e enquadrar o novo governo da Frente Ampla no caminho para o socialismo. Por isso falamos de continuidade e não de "alternância". Nós chegamos para ficar. O Partido Comunista do Uruguai impulsionou a candidatura de Mujica desde o início e isso é importante. Apontamos para um aprofundamento das mudanças e radicalização da democracia até suas últimas conseqüências.

Seguiremos desenvolvendo o trabalho iniciado no Ministério do Desenvolvimento Social, onde temos realizado uma gestão muito boa e temos também aprendido muito, trabalhando com os setores mais necessitados, tirando a maioria da população da indigência por meio de um plano de emergência.

Hoje vamos avançando com um plano de igualdade para derrotar a pobreza e a exclusão. E sinalizamos para ter mais presença no governo, em áreas-chave do desenvolvimento nacional, fornecendo nossa visão e sendo partícipes da transformação nacional.

Também a partir de nosso trabalho no movimento sindical, no PIT CNT – a Central Única dos Trabalhadores do Uruguai – no contexto da independência de classe, colocando sobre a mesa o projeto da classe trabalhadora do futuro do Uruguai. A importância do bloco social democrático radical de mudanças, para apoiar, a partir da reivindicação, da mobilização popular, é determinante. E, quiçá, nosso principal desafio seja articular a nossa presença no governo com as demandas sociais, que nem sempre coincidem.

Vermelho: Que papel deve ter Tabaré na gestão de Mujica?
Rony Corbo:
Tabaré é uma referência de toda a esquerda. Particularmente, no governo, não terá nenhum papel direto, mas sua influência vai ser forte. Já anunciou a sua intenção de regressar à militância de base, na Frente Ampla, e será a força política que irá determinar o seu lugar na militância cotidiana. Por outro lado, no plano internacional, seguramente sua participação será muito ativa.

Vermelho: Depois de vencer as eleições, qual é a nova preocupação da Frente Ampla?
Rony Corbo:
O sistema eleitoral uruguaio não nos dá uma pausa. Após 18 meses de campanha, agora temos o desafio das eleições municipais, no próximo mês de maio, onde devemos consolidar a vitória obtida nas eleições nacionais em 11 dos 19 departamentos.

Para além disto, a principal preocupação deve ser não decepcionar o povo do Uruguai, que renovou a confiança em nós por mais cinco anos.

Da Redação,
Por Joana Rozowykwiat