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Entre o desejo e o realismo em Copenhague

América Latina chega a Copenhague com a intenção de que o Norte rico pague sua dívida assumindo como obrigação a redução de gases contaminantes e a provisão de recursos para o Sul em desenvolvimento. Porém, diante dos riscos de um fracasso desta estratégia, não descarta aceitar pelo menos compromissos políticos.

Por Daniela Estrada e Raúl Pierri*

O propósito latino-americano é que na capital dinamarquesa seja adotado um acordo legalmente vinculante, mas a região rechaça a ideia de somar-se a um eventual pacto político que estabeleça reduções voluntárias de gases de efeito estufa, responsáveis pelo aquecimento do planeta.

Tudo será decidido na 15ª Conferência das Partes da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP-15), que acontece entre os dias 7 e 18 deste mês, na capital da Dinamarca. Na “cúpula do clima” deveria ser adotado um novo regime de redução de emissões para depois de 2012, quando vence o primeiro período de compromissos do Protocolo de Kyoto, único instrumento internacional contra este problema ambiental. Em vigor desde 2005, o Protocolo não estabelece reduções obrigatórias de gases estufa para os países em desenvolvimento.

A América Latina em seu conjunto é responsável por 5% das emissões de dióxido de carbono, um dos principais gases causadores do aquecimento global, mas é uma das regiões mais vulneráveis à mudança climática. A região já experimenta secas, inundações, derretimento de geleiras, aumento de temperatura, novas pragas agrícolas e enfermidades, como detalha o Primeiro Informe Regional sobre Mudança Climática, publicado em novembro pelo Terramérica, elaborado com base em consultas feitas com 23 especialistas latino-americanos.

“Todas as nações da América Latina e do Caribe, incluído o Chile, buscam um acordo vinculante”, disse ao Terramérica o diretor-executivo da Comissão Nacional do Meio Ambiente do Chile, Álvaro Sapag, que integra a delegação desse país na reunião de Copenhague. “No estado atual da discussão, pesando que estes acordos devem ser construídos por consenso, provavelmente não sairemos da capital dinamarquesa com um texto juridicamente vinculante que possa ser assinado pelos chefes de Estado”, acrescentou.

O ministro do Meio Ambiente do México, Juan Elvira, compartilha dessa percepção. “Iremos por um acordo legal, com metas muito bem definidas, mas não descartamos como última linha de negociação um acordo político”, disse ao Terramérica. “Não perco as esperanças, mas não é um assunto fácil”, disse Sapag, que espera, em último caso, “um acordo político forte, que permita em um curto período afinar os detalhes para ter outro juridicamente vinculante”, possivelmente na COP-16, em dezembro de 2010, no México.

As esperanças mundiais, de que em Copenhague seja adotado um firme e ambicioso acordo, se reacenderam quando China e Estados Unidos, os dois maiores poluidores, anunciaram reduções voluntárias de gases estufa até 2020, tomando por referência os níveis de 2005. Segundo a leitura do presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, a decisão do Brasil de diminuir voluntariamente entre 36,1% e 38,9% suas emissões de gases estufa até 2020, em boa parte detendo o desmatamento da Amazônia, mobilizou as nações que “resistiam a apresentar números”.

Vários países latino-americanos adiantaram que na COP-15 serão mantidas as posturas do Grupo dos 77 mais China (G-77), integrado por 130 nações em desenvolvimento. O G-77 insiste na primazia do princípio das “responsabilidades comuns, mas diferenciadas”, consagrada na Convenção e no Protocolo, e que implica em deixar o maior peso da mitigação para os países ricos, principais emissores de gases estufa na era industrial. Além disso, este grupo negociador exige do Norte que contribua financeiramente e com tecnologia para que as nações pobres possam enfrentar os perniciosos efeitos da mudança climática e buscar formas de desenvolvimento que emitam menos gases estufa. Mas a posição da América Latina não é monolítica.

“Eu diria que há uma opinião única em certos temas, como o das ‘responsabilidades comuns, mas diferenciadas’, o da necessidade de muitos recursos para mitigação e adaptação nos países em desenvolvimento e o da responsabilidade histórica” das nações industrializadas, resumiu Sapag. Os governos da região estão em alerta para o risco de, por conta da mudança climática, serem erguidas barreiras à exportação de seus produtos. “Há nações da América Latina que não aceitam instrumentos de mercado como uma ferramenta que contribua para a redução de gases estufa, enquanto outros aceitam. Alguns querem que todas as ações possam ser comunicadas, medidas e verificadas, e outros que desejam que sejam voluntárias apenas para os países em desenvolvimento”, acrescentou.

O México, que lança na atmosfera 715 milhões de toneladas anuais de dióxido de carbono, pretende diminuir voluntariamente 50 milhões de toneladas até 2012, embora esclareça que só assumiria uma redução obrigatória de longo prazo se recebesse fundos e tecnologia. Na Cúpula Ibero-Americana, que terminou no dia 1º deste mês em Estoril, Portugal, o presidente mexicano, Felipe Calderón, afirmou que os países ricos têm a principal responsabilidade, mas acrescentou que a tarefa não pode recair apenas sobre eles, porque cedo ou tarde “todos pagaremos pela falta de ação”.

Calderón reiterou, na oportunidade, sua proposta de criar um Fundo Mundial contra a Mudança Climática (Fundo Verde), de US$ 14 bilhões, com o qual cada país contribuiria de acordo com sua economia e sua responsabilidade ambiental. Embora já exista um Fundo de Adaptação do Protocolo de Kyoto, o México considera que sua proposta garantiria maior dinamismo aos esforços de adaptação e mitigação.

A Argentina propôs duas juntas executivas que tenham associados fundos públicos de nações industrializadas no âmbito da Convenção sobre Mudança Climática – não do Protocolo – que se integrem com uma porcentagem do produto interno bruto, que pode oscilar entre 0,5% e 1%. Buenos Aires também insistiu na necessidade de “uma transição justa” no desenvolvimento sustentável para que a redução de emissões não cause impacto no emprego.

Por sua vez, a Venezuela parece mostrar uma postura definida: o Norte industrial tem a responsabilidade histórica e tem de agir primeiro. “Nos movemos sobre a base de responsabilidades comuns, mas diferenciadas. Se sou um grande emissor de gases estufa, minha responsabilidade é diferente da de quem não emite ou começa a emitir”, afirmou o vice-ministro de Ordenação e Administração Ambiental do Ministério do Meio Ambiente da Venezuela, Sergio Rodríguez.

“Os Estados Unidos são o país que historicamente lançou maior quantidade de dióxido de carbono na atmosfera. Não é possível que tenha ajudado os bancos e as grandes montadoras e não possa dispor de recursos para atender a mudança climática”, afirmou Rodríguez em uma reunião sobre o tema com outros funcionários. Segundo o vice-ministro, o governo de Hugo Chávez defenderá a posição do G-77 em Copenhague, da mesma forma que a Argentina.

“Não temos um peso próprio como país emissor e tampouco pisamos forte nesta negociação”, disse ao Terramérica o diretor de Mudança Climática da Secretaria de Meio Ambiente da Argentina, Nazareno Castillo. Outros países, como Uruguai e Chile, não anunciaram metas concretas de reduções de emissões de gases estufa, mas apoiaram as Ações de Mitigação Nacionais Apropriadas (NAMAs, na sigla em inglês), entre as quais constam programas de eficiência energética e a introdução de energias renováveis não convencionais.

Para o ministro da Habitação, Ordenamento Territorial e Meio Ambiente do Uruguai, Carlos Colacce, este pequeno país de 3,3 milhões de habitantes adotou uma “posição nova” diante da cúpula de Copenhague, porque, embora apoie a posição do G-77, está tomando medidas próprias para reduzir suas emissões de gases estufa, “mesmo sem receber fundos dos países desenvolvidos para realizar esta tarefa”.

* Com as colaborações de Marcela Valente (Buenos Aires), Mario Osava (Rio de Janeiro), Emilio Godoy (México) e Humberto Márquez (Caracas).

Fonte: Envolverde