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 Juízes elogiam e homenageiam o MST

 Será somente de repressão judicial e de condenação indiscriminada da mídia, que vive a multidão pobre de agricultores sem-terra espalhada pelo Estado e pelo país? Acampamentos de sem-terra e de sem-teto perseguidos e violentados por decisões administrativas e sentenças, por jagunços a soldo de latifundiários, é mesmo esse o único tratamento que merecem?

Por Antonio Cechin e Jacques Távora Alfonsin*, no IHU

Será somente de repressão judicial e de condenação indiscriminada da mídia, que vive a multidão pobre de agricultores sem-terra espalhada pelo Estado e pelo país? Acampamentos de sem-terra e de sem-teto perseguidos e violentados por decisões administrativas e sentenças, por jagunços a soldo de latifundiários, é mesmo esse o único tratamento que merecem?

No início deste dezembro, a diretoria da ADJ, Associação de Juízes para a Democracia, respondeu negativamente a tais questões. Entregou à direção nacional do MST uma pintura que representa a luta de Dom Quixote contra os “moinhos da opressão”.

A cerimônia pode ser considerada como um verdadeiro desagravo àquele Movimento popular. Bem avaliada a sucessão de fatos recentes, todos indicativos do poder opressivo e fortemente tendencioso da criminalização em andamento das/os agricultores sem-terra, patrocinado pela presidente da CNA e pela bancada ruralista no Congresso Nacional, com fortíssimo efeito inibidor sobre as administrações públicas, o gesto da ADJ autoriza ser interpretado como réplica.

Em primeiro lugar, contra ao abuso de autoridade e poder, toda a violência com que inquéritos policiais secretos e despachos de liminares judiciais têm sido preparados e executados contra as/os agricultoras/es sem-terra, de regra violados os seus direitos de defesa; em segundo lugar, contra a nova tentativa de se reunir CPI no Congresso Nacional, por se julgar ainda insuficientes os desastrosos efeitos que a CPMI da terra, manipulada por ruralistas, obteve contra o MST e as ONGs que o apóiam; em terceiro lugar – o que merece atenção especial – a homenagem contesta todo um paradigma interpretativo da realidade pobre e miserável de brasileiros, causa do vício de outro, da lei, que desconhece e criminaliza aquela maioria, na maior parte dos julgamentos das/os juízas/es e tribunais do país.

Os moinhos alvo da indignação de Dom Quixote são lembrados até hoje, com muita ironia, por muitos críticos dos defensores de direitos humanos, vários atuando agora em defesa do MST, depois de terem dado testemunho de vida, não só de palavra, do mesmo comportamento durante a ditadura.

Os moinhos da opressão que motivaram a homenagem da ADJ, esses não são de vento. Não matam somente pela arma de fogo dos jagunços e seguranças treinados e bem pagos, com preço pré-fixado à sua tarefa sórdida, segundo aconselhe o “valor” da vítima. Frei Henri de Roziers, advogado da CPT em Xinguara, que o ateste, pois, se continua vivo, é por milagre.

Esses moinhos matam pela fome de milhões, pela morte da terra e do meio-ambiente, pela manipulação de licitações e notícias, pela corrupção de administradores públicos e pela compra de votos na elaboração das leis, pela aplicação diferenciada em favor daquelas moldadas segundo seu interesse e conveniência. Basta que se compare o seu giro moedor quando em causa o adiamento ou a anistia de suas dívidas tributárias com o que ele empenha na revisão dos índices de produtividade das suas terras.

O gesto da ADJ para com o MST, por tudo isso, demonstra que a imparcialidade e as virtudes das/os juizes/as que a integram, são muito diferentes daquelas que não enxergam as diferenças escandalosas que existem entre gente oprimida com direito à libertação e gente opressora com “direito” (?) à segurança, entre “terra de trabalho” impedida ou escravizada por “terra de exploração” .

Salvo melhor juízo, o respeito das/os primeiras/os à lei, é bem mais justo do que o de outras/os colegas suas/seus, porque não faz da “regra” legal a única “régua” de medida e ponderação da justiça. Respeita a lei nos limites próprios dela, ou seja, os que não infringem as leis do respeito.

Essas, como é sabido, não se dobram à quantidade do dinheiro em lide, não reduzem a sociedade civil à empresa mercantil, não submetem o Estado de Direito à pura e simples liberdade de iniciativa econômica, nem à ideologia privatista e patrimonialista dominante, que sempre coloca os direitos civis e políticos acima dos sociais.

Distante de todo o farisaísmo, a diretoria da ADJ, como o MST, ainda acredita no velho conselho dado por Eduardo Couture e que, felizmente, ainda se vê estampado em muitas camisetas e pastas dos estudantes de direito: Teu dever é lutar pelo Direito, mas o dia em que encontrares em conflito o direito e a Justiça, luta pela Justiça.

*Antonio Cechin é irmão marista, miltante dos movimentos sociais. Jacques Távora Alfonsin é advogado do MST e procurador do Estado do Rio Grande do Sul aposentado.

Fonte: IHU