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Grécia caminha no fio da navalha e ameaça Zona do Euro

Medidas emergenciais, principalmente a redução dos gastos do governo a fim de serem eliminadas as pressões sobre os títulos gregos e reconstituída a “credibilidade” da Grécia, aguardam os mercados e os demais países integrantes da Zona do Euro em Bruxelas.

O aumento das margens de endividamento (spreads) e a reclassificação (para baixo) da capacidade de endividamento da Grécia pelas agências internacionais de avaliação certificam que a participação na estrutura de moeda única (euro) não constitui mais condição capaz para garantir custo baixo para o financiamento de dívidas. Isto significa que o país será obrigado a pagar taxas de juros mais altas para garantir cerca de 55 bilhões a 60 bilhões de euros para seu orçamento do ano que vem.

David Mackie, economista do JP Morgan Chase Bank, observa que, "apesar da crise econômica internacional dos 18 meses anteriores, o crescimento econômico da Grécia permaneceu o mais forte da Zona do Euro em 2007, com o déficit fiscal do país oscilando em torno de 3,7% do Produto Interno Bruto (PIB), o déficit da balança de contas correntes foi mantido em 15% do PIB, enquanto nos últimos dois anos o mesmo déficit de contas correntes contraiu-se e o déficit fiscal atingiu 13% do PIB".

As diferenciações

Embora existam várias outras economias com grandes "déficits duplos" no mundo inteiro (e na própria Zona do Euro), a Grécia diferencia-se pelas seguintes razões: primeiro, a credibilidade dos dados econômicos está sendo posta em dúvida, enquanto a altura da revisão dos déficits não poderá ser explicada, simplesmente, por um agravamento de condições macroeconômicas.

Segundo, o déficit fiscal da Grécia já é elevado, evoluindo em níveis duplos e superando a média da Zona do Euro. Terceiro, uma grande parcela do déficit é, provavelmente, mais flexível (por exemplo, custo elevado do atendimento de serviço da dívida pública), do que cíclico.

Quarto, a dívida pública já é elevada e, espera-se, aumentará mais ainda, e, se não forem tomadas as medidas necessárias, atingirá 135% do PIB em 2011. Quinto, já foram manifestadas consideráveis dúvidas com relação à vontade política do país para enfrentar, eficazmente, os problemas de seus fundamentos econômicos públicos.

O novo governo do primeiro-ministro Georges Papandreu mostra-se mais decidido do que o anterior, no que diz respeito ao esforço de estabilização dos fundamentos econômicos públicos e, declara que fará tudo "que for necessário e possível", mas hoje não está claro — conforme afirmou — o que, finalmente, "será suficiente para tranquilizar as preocupações dos mercados".

Avalia-se que a União Européia e seu órgão executivo, a Comissão Européia, continuarão pressionando por medidas adicionais, enquanto o governo da Grécia encontra-se em posição difícil porque, por um lado, a adequação fiscal exige soluções urgentes e, por outro, porque se não forem tomadas as medidas necessárias, o país enfrentará pressões maiores dos mercados.

A única verdade absolutamente clara é que não existe nenhuma solução indolor para o "problema grego" porque, mesmo em caso de os demais países integrantes da Zona do Euro apoiarem o país, este apoio poderia tomar a feição de empréstimo e, aliás, sob condições específicas de endividamento, o qual o país deve, naturalmente, resgatar a médio prazo.

Para os economistas Guillaume Menuet e Holger Schmieding, respectivamente, do Bank of América e Merrill Lynch, "a Grécia enfrenta, sim, um sério problema fiscal, mas a situação não poderá ser interpretada como uma tragédia grega, porque a Grécia" – conforme avaliam – "não constitui caso de economia que não possa resgatar sua dívida pública".

Entretanto, ambos consideram que o severo controle de seus fundamentos econômicos públicos "é condição, rigorosamente, indispensável, a fim de serem restringidas as pressões, em um momento em que os mercados querem ver ações urgentes de corte dos gastos públicos e não comunicados de conteúdos "estudados" devidamente".

Promessas abandonadas

De acordo com a economista Giada Giani, do Citi, "a contração fiscal necessária para a Grécia é calculada em 4,5% do PIB, meta que talvez seja improvável ser atingida em espaço de tempo de um ano e até pelo recentemente eleito governo de centro-direita, o qual enfrentará em breve novas e sérias conturbações sociais, enquanto, simultaneamente, deverá abandonar muitos de seus compromissos pré-eleitorais de apoio das famílias da baixa renda e de gastos sociais".

Entretanto, conforme avalia, "as pressões resultarão, finalmente, na tomada de medidas corretivas adicionais, com meta o permanente aumento da arrecadação, por intermédio de ordenamento dos gastos públicos". Para Erik Nielsen, do Goldman Sachs, "a ação da agência Fitch é importante porque diz respeito a reavaliação – para baixo – de um país integrante da Zona do Euro, em tal nível que, com base no que estava em vigor antes da crise, os títulos gregos não seriam aceitos como garantia pelo Banco Central Europeu (BCE).

Contudo, isto poderia acontecer em 2011, considerando que os regulamentos favoráveis do BCE vigoram até o final do ano que vem. Assim, se o BCE modificasse, novamente, os cânones, os títulos gregos não seriam aceitos." De acordo com as avaliações de Nielsen, "novas medidas adicionais por parte do governo grego tentarão evitar nova reavaliação pela S&P em fevereiro do ano que vem, assim como durante o ano que vem, se a situação ficar fora de controle, quando não poderão ser excluídas mudanças do ambiente institucional, seja no âmbito do BCE ou da Zona do Euro, a fim de serem evitadas evoluções negativas".

Chrid Pryce, analista da Fitch Ratings, não acredita que poderá haver nova reavaliação do rating da Grécia — para baixo — em breve, a não ser que o déficit deste ano não se mantenha em torno de 12% e evolua para o pior (14% a 15% do PIB).Simultaneamente, Pruce revela que "se as medidas de redução do déficit no orçamento do ano que vem não se apoiarem em aumento das arrecadações tributárias, mas em corte dos gastos públicos, então a revaliação – para baixo – poderá ser evitada". E sentenciou: "É indispensável a redução de gastos públicos em todos os níveis".

"Urgente e inadiável é a necessidade de serem contidos os déficits com medidas capazes de reverter a dinâmica da dívida, e isto poderá ser feito, somente, com a redução do custo de funcionameto do setor público", opina a Miranda Safa, conselheira de investimentos, enquanto, conforme avalia, "sem medidas adicionais severas de redução dos gastos do governo, as pressões sobre os mercado de capitais doméstico continuarão".

"Existem — sustenta Miranda — gigantescas margens para corte dos gastos públicos e aumento de arrecadações no setor público. Empresas estatais, hospitais públicos, fundos de aposentadorias e pensões e autogovernança local são buracos negros que esbanjam o dinheiro público".

Para Michelle Bradley, analista do Morgan Stanley, "as questões que surgiram com os problemas fiscais da Grécia são apenas aperitivo de tudo que sucederá, também, em outras economias desenvolvidas (e não somente emergentes), porque os mercados se preocuparão cada vez mais para a manutenção dos fundamentos econômicos públicos a longo prazo, apesar da possibilidade de derrocada. A adequação fiscal da Grécia exigirá nos próximos anos superávits altos (como percentual do PIB) e disciplina fiscal".

Finalmente, para os analistas Bhanu Baweja, Lamine Bougueroua e Di Luo, do UBS, "a possibilidade de derrocada do país é quase zero, enquanto o BCE (embora se preocupe com o denominado risco moral que decorre da ajuda a um país que não fez a "lição de casa") continuará aceitando – de uma ou de outra forma, também, após o ano que vem – os papéis estatais gregos como garantia, mesmo com a eventualidade de nova reavaliação para baixo. Uma eventual derrocada da Grécia levará a um efeito dominó na Zona do Euro, atingindo outros países integrantes que enfrentam idênticos problemas econômicos".

Desde que a nota de risco de crédito da Grécia foi rebaixada na semana passada, seu novo governo socialista tem contra-atacado, dizendo que possui a coragem para lidar com o déficit crescente e com os problemas estruturais que deram ao país a reputação de o elo fraco da zona do euro. "Vamos reduzir o déficit, vamos controlar a dívida e não haverá necessidade de socorro econômico", disse o ministro de Finanças da Grécia, George Papaconstantinou, em entrevista nesta semana. "Não somos a Islândia; não somos Dubai", afirmou ele ainda.

Ainda assim, Papaconstantinou talvez tenha boas razões para usar o tradicional aparelho antiestresse grego que manipulava durante a entrevista. Fora de seu gabinete, havia lixo empilhado na Praça Syntagma, resultado de uma greve de duas semanas dos coletores de lixo que terminou na sexta-feira.

Um protesto estudantil avançava pela praça um dia depois que os pensionistas haviam tomado as ruas. Na semana passada, os protestos pelo primeiro aniversário da morte do adolescente ateniense assassinado pela polícia foram violentos, mas não causaram tantos danos quanto os tumultos do ano passado.

Comuns na Grécia mesmo em tempos mais prósperos, esses protestos devem aumentar drasticamente quando o governo introduzir medidas de austeridade em seu orçamento de 2010, incluindo congelamento de salários e medidas para diminuir contratações do setor público, ações que afirma serem necessárias para colocar as finanças da Grécia sob controle.

Como Papaconstantinou sugeriu, o problema não é apenas a Grécia: países extremamente endividados, incluindo Irlanda, Grã-Bretanha e Espanha, estão sob pressão para mostrar que podem estimular o crescimento e combater o peso da dívida ao mesmo tempo. Investidores e autoridades monetárias europeias estão céticos.

Baixa tolerância

A Grécia, em particular, precisa mudar sua cultura de baixa tolerância à mudança e alta tolerância a protestos, uma tarefa nada fácil para o governo socialista de dois meses que afirma estar comprometido com o gasto social. Enquanto convence líderes da União Europeia em Bruxelas, o novo governo também precisa ganhar a confiança da Grécia.

O presidente do sindicato de funcionários públicos Adedy, Spyros Papaspyros, disse que o grupo estava preparado para fazer greve se os cortes fossem unilaterais e severos. "Se cortes forem feitos em setores críticos como saúde ou bem-estar social, será criado um sério risco de desestabilização", ele disse.

Os desafios políticos e sociais são intensos. "É um grande desafio para qualquer país ter que realizar o resgate fiscal do qual eles agora precisam", disse Simon Tilford, economista-chefe do Center for European Reform em Londres, um grupo de pesquisa. À luz dos desafios políticos da Grécia, ele afirmou: "acho difícil ver no momento como a Grécia irá conseguir evitar algum tipo de crise fiscal."

Certamente, os mercados de ações consideram a Grécia uma aposta arriscada. Os rendimentos dos títulos de dois anos do país subiram de 1,9% para 3,09% esta semana – o pior desempenho para os mercados no país em mais de uma década – e ficaram em cerca de 3% na sexta-feira, enquanto o título de 10 anos subiu para 5,3% esta semana de um já elevado índice de 4,99%. Nos Estados Unidos, em contraste, um título de 10 anos rende 3,55% e um título de dois anos 0,81%.

A situação econômica ruim fez as pessoas se perguntarem o que deu de errado em um país que já foi visto como um modelo para a entrada na União Europeia e que desfrutou de 15 anos de crescimento sustentado, avançando a ponto de se tornar o anfitrião das Olimpíadas de 2004. "Não usamos bem o espírito olímpico", disse Elias Clis, ex-embaixador da Grécia. "O governo anterior seguiu o caminho seguro e o caminho seguro é um trajeto perigoso."

Após vencer com uma grande margem em outubro, o governo socialista do primeiro-ministro George Papandreou anunciou que o déficit orçamentário do país era de 12,7% do produto interno bruto, mais de quatro vezes o teto de 3% estabelecido para a área do Euro. Papandreou estimou na semana passada que a dívida nacional é de US$ 430 bilhões, chamando o momento de a pior crise da Grécia em três décadas e culpando seus predecessores conservadores pelo estado da economia. A dívida nacional da Grécia deverá aumentar mais de 110% em relação a seu produto interno produto.

Na semana passada, a agência Fitch rebaixou a nota de risco de crédito da Grécia com base em preocupações de que o país pudesse suspender seus pagamentos devido ao déficit. Essa mudança fez com que as ações da Grécia caíssem e abalou os mercados. A Standard & Poor's afirmou que vai reservar seu parecer até ver o plano do governo, que deverá ser anunciado em janeiro.

Na sexta-feira, Papandreou afirmou a necessidade de medidas drásticas. "Reconhecemos a dimensão do problema que enfrentamos e estamos determinados a fazer uma mudança em direção a uma economia sustentável e saudável", disse em Bruxelas.

Ele pediu ainda por uma "ação punitiva sem misericórdia contra a corrupção endêmica na sociedade e contra a ampla evasão fiscal." Contudo, isso não deverá ser fácil. A economia informal, que segundo algumas estimativas representa até 30% do produto interno bruto, ajuda pessoas em países como a Grécia, que possui preços europeus, mas salários abaixo da média do continente.

Bom-relógio

Sentado em uma cafeteria com amigos na área nobre de Kolonaki, Antonis, 33 anos, que revelou apenas seu primeiro nome, disse com orgulho que se recusa a pagar impostos. "Por que deveria pagar?", ele disse com um sorriso. "Não ligo para o meu governo; não ligo para o meu país", ele afirmou. Ele afirmou, no entanto, que ligava para futebol e mulheres.

Essas visões, embora nem sempre tão veementes, são comuns na Grécia, onde o governo é visto amplamente como corrupto, a despeito de quem esteja no poder. Poucos esperam algo do Estado – exceto os empregos públicos altamente cobiçados. Atualmente, um em cada quatro trabalhadores gregos é empregado pelo Estado, um resultado de décadas de contratações públicas para conter a agitação social.

O governo de Papandreou disse que em 2010 irá contratar apenas um novo funcionário estatal para cada cinco que se aposentarem. Mas isso também apresenta problemas. Savas Robolis, membro do principal sindicato de trabalhadores, a Confederação Geral Grega do Trabalho, que atua em um comitê do governo sobre reforma da previdência, chamou a situação das pensões de "bomba-relógio".

Ele disse que a Grécia só possui dinheiro para pagar pensões por mais um ano. Se o país não reabastecer seus fundos de pensão, "então iremos enfrentar uma grande crise social em 10 anos", Robolis disse.

Receios de cortes estão causando uma ansiedade generalizada. Lambrini, que trabalha no Ministério da Saúde e revelou apenas seu primeiro nome, disse que um possível congelamento em seu salário de US$ 1,3 mil por mês era uma preocupação real para ela e seu marido, um funcionário municipal. "Queremos planejar uma família, mas não vejo como conseguiremos isso com salários tão baixos e preços que aumentam o tempo inteiro", ela disse.

Ela afirmou que nunca havia participado de um protesto de trabalhadores antes, mas que tomaria as ruas se seu salário fosse congelado ou reduzido. "Estarei lá", ela disse. "Assim como metade da população."

As informações são do Monitor Mercantil e do The New York Times