Paulo Nogueira Batista Jr.: Dilemas da economia
Os resultados das contas governamentais pioraram bastante em 2009. Alguns já falam em “irresponsabilidade fiscal”. Os resultados das contas governamentais pioraram bastante em 2009. Alguns já falam em “irresponsabilidade fiscal”.
Por Paulo Nogueira Batista Jr., no jornal O Globo
Publicado 14/12/2009 14:40
Não falta quem suspeite de que esteja em operação o chamado ciclo político, isto é, a tendência a afrouxar a política monetária e aumentar gastos/diminuir impostos nos períodos pré-eleitorais. No caso brasileiro, não há suspeita de afrouxamento do Banco Central (antes o contrário).
Mas a “credibilidade” da política fiscal dos governos federal, estaduais e municipais não é tão forte. Há base para essas críticas? Alguma. O déficit do setor público não financeiro aumentou de apenas 0,3% do PIB em janeiro-outubro de 2008 para 3,5% do PIB no mesmo período deste ano.
Isso inclui governos central, estaduais e municipais, além das empresas estatais (com exceção da Petrobras). A dívida pública líquida subiu de 39% do PIB em dezembro para 45% do PIB em outubro. O senso comum sugere uma conclusão imediata: o governo deve estar afrouxando os seus controles, gastando mais e reduzindo a carga tributária.
Mas, como dizia o meu querido amigo, o saudoso Paulo Pereira Lira, que foi presidente do Banco Central nos anos 70, se o senso comum fosse suficiente, estaríamos acreditando até hoje que o sol gira em torno da terra.
Não é que o senso comum esteja inteiramente errado, mas a avaliação deve envolver outros três elementos, pelo menos. Primeiro, o crescimento do déficit deve ser atribuído, em parte, à recessão que atingiu a economia no último trimestre de 2009 e no primeiro deste ano.
A queda do nível de atividade tem efeitos automáticos, ditos “cíclicos”, em termos de diminuição da arrecadação e de aumento de certos tipos de despesa (seguro-desemprego, por exemplo). Em outras palavras, parte do déficit é resultado direto da desaceleração econômica.
Segundo, para reativar a economia, o governo adotou uma série de medidas fiscais anticíclicas ou antirrecessivas. Fez bem. O preço, obviamente, é um aumento adicional do déficit. Quando a economia se recupera, porém, convém reavaliar a política fiscal anticíclica.
A economia já está crescendo a um ritmo anual de quase 5% nos dois últimos trimestres. Além disso, deve haver uma aceleração no trimestre final do ano. Assim, parece ter chegado a hora de começar a rever a política fiscal.
O problema — e este é o terceiro ponto — é que a política de juros e câmbio atrapalha a recuperação da economia e sobrecarrega as contas públicas. Os efeitos sobre o PIB são conhecidos.
Os juros altos tendem a diminuir o ímpeto do consumo e do investimento privados; o real forte atrasa as exportações e redireciona a demanda interna para bens e serviços externos. As contas do governo sofrem duplamente. Por um lado, a elevada taxa básica de juros onera a carga de juros do setor público (5,6% do PIB em janeiro-outubro deste ano).
Por outro, a valorização cambial é hoje prejudicial ao governo, uma vez que este se tornou credor líquido em moeda estrangeira (os seus ativos externos são consideravelmente maiores que os seus passivos externos). Há um certo impasse, portanto.
Pelo que menos é o que se pode depreender do noticiário e dos documentos oficiais. O Banco Central não diminui a taxa de juros (o que ajudaria a conter a valorização cambial) em parte porque avalia que a política fiscal é excessivamente expansiva. A Fazenda, por seu turno, julga que a política monetária está apertada demais e aciona instrumentos fiscais a seu alcance para garantir a recuperação da economia, reforçando a resistência do BC à flexibilização monetária.
No regime de flutuação cambial e nas atuais condições internacionais, a combinação de política monetária apertada com fiscal expansiva tende a reforçar a tendência de apreciação do real. O binômio juro alto/real forte sobrecarrega, por sua vez, as contas públicas, tornando a política fiscal expansiva mais problemática. Os problemas ainda não são agudos, mas é preciso tomar cuidado. O ideal é que houvesse mais coordenação entre Fazenda e BC.