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AGU contesta ação que suspendeu pagamento dos anistiados

A Advocacia Geral da União (AGU) recorreu da decisão do juiz federal José Carlos Zebulum, do Rio de Janeiro, que suspendeu o pagamento das indenizações a 44 camponeses perseguidos pela ditadura militar durante a guerrilha do Araguaia. Ele acatou a ação dirigida pelo deputado estadual Fábio Bolsonaro (PP) que alega que não há critérios técnicos para apurar os danos causados aos camponeses.

A Comissão de Anistia, que subsidia o recurso da AGU, diz que “seria um absurdo jurídico exigir dessas pessoas a chamada prova diabólica, de produção impossível, posto que os registros dos acontecimentos daquele período estão sob a guarda do próprio Estado Brasileiro, sob manto do sigilo ou podem ter sido destruídas”.

A Comissão de Anistia explica que as decisões foram tomadas com base nos depoimentos pessoais dos interessados conjugados com os documentos históricos, concedendo declaração de anistiados políticos e demais direitos fundamentada no que exige a Constituição Federal.

A ação popular foi impetrada pelo advogado João Henrique Nascimento Freitas, assessor de Fábio Bolsonaro, filho do deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ), capitão da reserva do exército, que basearam suas carreiras políticas em defesa do regime militar e contra as vítimas da ditadura.

Na ação, o advogado alega que não há critérios técnicos precisos para apurar o dano causado aos camponeses nem a comprovação de que eles sofreram as conseqüências da ação militar contra a guerrilha. O juiz aceitou o argumento do advogado de que poderia ter ocorrido manipulação dos camponeses por um dos componentes da Comissão de Anistia, caracterizando, assim, improbidade administrativa.

Para a Comissão de Anistia, a acusação é “irresponsável e leviana”, já que o documento apresentado como prova – informativo do site do Ministério da Justiça – é insuficiente para instauração de qualquer procedimento disciplinar. E diz ainda que quanto à suposta prática de aliciamento por um ex-funcionário, a Comissão não tem responsabilidade por condutas supostamente criminosas de terceiros.

Visão equivocada

Na ocasião da concessão da anistia, em junho desta ano, o presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão Pires Júnior, lamentou o fato de persistir, em diversos setores da sociedade – entre eles a mídia – uma avaliação equivocada sobre a concessão de anistia e de reparação aos perseguidos políticos.

“Há uma visão, que considero conservadora, que não reconhece o direito daqueles que foram atingidos pela ditadura militar de receberem uma reparação econômica por prejuízos sofridos”. disse Paulo Abrão.

Segundo Abrão, “o princípio da reparação é um dever universal reconhecido pela ordem jurídica e por tratados internacionais de direitos humanos. Portanto, temos a convicção de que é mais do que um dever do Estado promover indenização àqueles a quem o próprio Estado – que tinha o dever de proteger – em verdade, perseguiu, torturou e prejudicou ”.

Ele lembrou que uma das dificuldades encontradas pelos conselheiros foi lidar com o temor que ainda ronda a região, mesmo após passadas mais de três décadas da ação do Exército na região.

“Nas duas comitivas da Comissão que estiveram aqui colhendo depoimento, percebemos nitidamente que ainda há a cultura do medo, o que impediu que alguns pudessem falar a verdade com receio até mesmo de sofrer as mesmas agruras e as mesmas torturas psicológicas e físicas do passado”.

Pouco a pouco, no entanto, “a população vai percebendo que as liberdades públicas e a democracia vieram para ficar e contar essa história é um resgate de nossa própria memória”. Mas, enfatizou Abrão, “nosso país ainda tem muito a fazer para recuperar sua história”.

Caravana da Anistia

Os casos objetos da ação foram anunciados no dia 18 de julho, no Ministério da Justiça, em Brasília, e foram resultado de duas audiências da Caravana da Anistia realizadas na cidade de São Domingos do Araguaia (PA) em 2007 e 2008. A Comissão da Anistia, composta por 15 conselheiros, além do presidente, analisou 91 de um total de 304 pedidos de anistia referentes à guerrilha. Sete foram tirados de pauta a pedido de seus relatores devido à ausência de elementos que permitissem uma avaliação aprofundada. Dos 84 restantes, 44 foram deferidos e 40 indeferidos.

As indenizações determinadas pela Comissão de Anistia variaram de R$80,3 mil a R$142,9 mil. Os camponeses também passaram a receber dois salários mínimos como aposentadorias, agora suspensas pela ação da Justiça.

Da sucursal de Brasília
Márcia Xavier

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