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Naomi Klein: Dinamarqueses não podem controlar cúpula

No sábado à noite, depois de uma semana a sobreviver nos snack bars do centro de conferências, alguns de nós fomos convidados para uma deliciosa refeição de comida caseira com uma verdadeira família dinamarquesa. Depois termos passado a noite a olhar com admiração o interior com estilo, alguns de nós tinham uma questão: Porque é que os dinamarqueses são tão bons em design?”

Por Naomi Klein, para o The Nation

"Somos obcecados pelo controle", respondeu a nossa anfitriã instantaneamente. "Vem de sermos um país pequeno sem grande poder. Temos de controlar o que pudermos".

Quando se trata de produzir instalações absurdamente leves e atraentes, e cadeiras de secretária espantosamente confortáveis, essa forma de transferência dinamarquesa é evidentemente uma coisa muito boa. Mas quando se trata de receber uma cúpula de transformação do mundo, a necessidade de controle dinamarquesa está a mostrar ser um problema grave.

Os dinamarqueses investiram uma enorme quantidade de dinheiro para converter a sua capital (agora “Hopenhagen” [hope (esperança) + Copenhagen (Copenhague)]) em capital da conferência que supostamente salvaria o planeta. Seria óptimo, se a conferência estivesse realmente no caminho certo para salvar o mundo. Mas, dado que não está, os dinamarqueses estão freneticamente a tentar meter-nos num novo design.

Considerem-se os protestos do fim-de-semana. No fim, cerca de 1.100 pessoas tinham sido presas. É de loucos. A marcha de sábado, de cerca de 100.000 pessoas, chegou num ponto crucial das negociações climáticas, quando todos os sinais apontavam ou para a ruptura ou para um acordo perigosamente fraco. A marcha foi festiva e pacífica, mas também resistente. "O clima não negocia", foi a mensagem, e os negociadores ocidentais precisam de metê-la na cabeça.

Quando um punhado de pessoas começou a atirar pedras e bombas de estalo (não, não foram "tiros de pistola", como o Huffington Post noticiou ofegante [1]), os manifestantes resolveram eles próprios o problema, instruindo as pessoas responsáveis a deixarem o protesto, o que prontamente fizeram. Eu estava nessa parte da marcha, e isso mal interrompeu a minha conversa. Chamar a isto um "tumulto", como absurdamente o fez o British Telegraph [2], não faz justiça aos verdadeiros tumultuadores, dos quais a Europa está cheia [3].

Não importa. Os polícias dinamarqueses usaram algumas bombas de gás como pretexto para prender quase mil pessoas, apanhando mais cem no dia seguinte. Centenas desses presos foram reunidos, forçados a permanecer durante horas sentados no pavimento congelado, com mãos atadas (e alguns tornozelos também). Segundo o organizador Tadzio Müller, aqueles não foram os que atiraram pedras, mas "o tratamento foi humilhante", com alguns dos detidos a urinaram-se, porque não lhes foi permitido mover-se.

As detenções, parte de um padrão durante toda a semana, foram sentidas como um aviso: Não serão tolerados desvios da mensagem “Hopenhagen”.

Dentro da cúpula oficial, os delegados aparentemente juntaram-se em torno de TVs de telas planas e assistiram à polícia empurrar manifestantes contra paredes [4] e a romper a marcha. A alguns deve ter parecido familiar. Afinal, é isso o que o governo dinamarquês e outros poderes ocidentais têm vindo a fazer toda a semana: tentar romper o bloco dos G77 de países em desenvolvimento, usando a táctica clássica de dividir para conquistar, incluindo pressionar Estados especialmente vulneráveis com ofertas especiais.

Sem nada ter aprendido do “texto dinamarquês que vazou”, esta noite deu-se uma reunião de 40 Estados convidados para forjarem um acordo; os demais ministros dos 192 Estados representados não faziam ideia do que decidiram – dificilmente a democracia prometida pela ONU.

O verdadeiro teste das questões de controle dinamarquês virá na quarta-feira, na ação do Reclaim Power [5]. De manhã, os manifestantes vão marchar até ao Bella Center para exigir soluções efetivas para a crise climática, não a nebulosa matemática e o comércio de carbono em exibição no interior. Os delegados no interior que pensam da mesma maneira — e são milhares — estão a ser convidados para se juntarem aos manifestantes.

Se correr bem, algures na vizinhança do Bella Center haverá uma “assembleia do povo”, uma oportunidade para divulgar algumas das muitas soluções de senso comum que foram barradas das reuniões oficiais, incluindo a manutenção das areias poluídas de Alberta no terreno e a cobrança de “reparações” climáticas.

Os organizadores do Reclaim Power afirmaram claramente que estão comprometidos com a desobediência civil não-violenta. Mesmo que atacados pela polícia, não responderão com violência. Ainda assim, o espectro da dissidência não noticiada ofuscando a conferência oficial na quarta-feira, já enlouqueceu sem dúvidas os nossos anfitriões dinamarqueses.

Esperemos que não lidem com os seus problemas de controle tentando arrebanhar todos em compartimentos: os manifestantes mantidos longe do Bella Center; os delegados presos lá dentro. Porque esta ação – mais do que qualquer coisa que já tenha acontecido até agora – tem o potencial de enviar ao mundo uma mensagem clara e muito necessária: só um acordo ditado simultaneamente pela ciência e pela justiça servirá.

Assim, enviem um memorando aos nossos anfitriões dinamarqueses: claro, Copenhague é a vossa cidade, adoramo-vos pelos seus moinhos e bicicletas. Mas o planeta é de todos. Parem de tentar projetar-nos para fora da imagem.

[1] Copenhagen Protest Turns Violent, Hundreds Arrested (VIDEO), Huffington Post, 12/12/2009.

[2] Alastair Jamieson, Copenhagen climate summit: arrests follow riots as 30,000 gather for demo, British Telegraph, 12/12/2009.

[3] Protesters riot in Athens on police shooting anniversary, CNN, 07/12/2009.

[4] Colin Freeman, Copenhagen climate summit: 1,000 anarchists arrested, Telegraph, 12/12/2009.

[5] www.climatecamp.org.uk/actions/copenhagen-2009.

Fonte: The Nation