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Vera Gonçalves: o nariz quebrado de Berlusconi é culpa da mídia?

Quando chegou a notícia, acompanhada das imagens chocantes da cara de Berlusconi coberta de sangue depois do comício em Milão, no domingo passado, vários colegas jornalistas vaticinaram: “Vocês vão ver, vão dizer que a culpa é nossa”.

Por Vera Gonçalves de Araújo, no Terra Magazine

E não deu outra. Dois dias depois da agressão ao chefe do governo italiano, a sessão do Congresso reunido para debater o acontecido deu um exemplo perfeito da estratégia da maioria conservadora: criminalização da oposição, da mídia e até da internet. Em vez de acalmar os ânimos, os deputados da direita assumiram a linha lançada por Il Giornale, o diário da família do primeiro ministro.

Fabrizio Cicchitto, porta-voz do Povo das Liberdades (o partido berlusconiano), acusou a Itália dos Valores (partido do ex-magistrado da operação Mãos Limpas, Antonio Di Pietro), os juízes e os jornalistas críticos com a política do governo de "fomentar o ódio".

Cicchitto, tenso e quase fora de si, citou o jornal La Repubblica e dois jornalistas da TV, Michele Santoro e Marco Travaglio, como instigadores morais da violência contra Berlusconi.

Di Pietro respondeu declarando a sua solidariedade com "todos esses condenados à morte". Mas falou diante de uma sala quase vazia: os deputados do PDL abandonaram o debate quando ele tomou a palavra. Num comunicado, a Associação da imprensa de Roma expressou a sua preocupação com os vários sinais de intolerância contra os órgãos de garantia do país.

Enquanto Berlusconi ainda estava no hospital — teve alta só na quinta-feira — o ministro do Interior e da Defesa anunciaram ao Congresso que pretendem propor medidas urgentes para limitar a liberdade de expressão na internet e ao ar livre. Ainda não está claro quais serão essas medidas. Mas as reações contra elas é quase unânime. Até o líder direitista Pierferdinando Casini foi categórico: “Deus nos livre de providências liberais. Nos Estados Unidos, Obama é vítima de intimidações contínuas na internet, mas ninguém acha que a solução é censurar a rede”.

Ninguém parece escutar uma das vozes mais equilibradas da equipe de governo, a do vice-presidente do conselho de ministros, Gianni Letta, que garantiu ao parlamento que o ataque contra Berlusconi não foi um ato político organizado. Letta afirmou que a agressão foi "um gesto isolado e sem nenhuma ligação política".

A raiva dos colaboradores parece desafinada até com as palavras de Silvio Berlusconi, que na sua cama no hospital San Raffaele ditou um agradecimento geral à nação, dizendo que o amor vence sempre contra a inveja e o ódio.

* Vera Gonçalves de Araújo é jornalista e trabalha para jornais brasileiros e italianos