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Vinte anos após seu governo, sombra de Pinochet persiste no Chile

Na entrada do Museu Nacional de História de Santiago do Chile, uma placa de mármore branco lembra que o edifício foi inaugurado em setembro de 1982 pelo general Augusto Pinochet, na época chefe da junta militar que dirigia o país. Dentro do prédio, a sala mais recente (e uma das mais apertadas) é dedicada ao presidente Salvador Allende, deposto por essa mesma junta em 11 de setembro de 1973, após três anos no poder.

Cercado no palácio presidencial de La Moneda, Allende preferiu se suicidar a cair nas mãos dos golpistas. Seus óculos quebrados estão expostos no museu, atrás de uma vitrine, entre algumas fotos e jornais da época. E assim caminha o Chile. Vinte anos após o retorno dos militares a seus quartéis e a instauração da democracia, o país (o mais desenvolvido do continente sul-americano) continua a oscilar entre o dever da memória e o medo de revisitar o passado.

Sem fazer uma escolha, ele se esforça para conciliar as duas atitudes fazendo contorções desconcertantes. Há uma estátua de Salvador Allende diante do Palácio de la Moneda, mas no pedestal não figura nenhuma menção das circunstâncias trágicas da morte do presidente da União Popular. A negação é profunda: nenhuma rua, nenhuma avenida da capital chilena carrega o nome de Allende, ainda que no país não faltem ruas que comemorem o 11 de setembro de 1973.

Com a campanha presidencial, esse passado incômodo ressurgiu. Não que um dos candidatos tenha questionado a escolha do modelo econômico — o ultraliberalismo — imposto na época de Pinochet; ou o sistema eleitoral — uma outra herança da ditadura — que proíbe maiorias absolutas no Parlamento.

Os fantasmas da era Pinochet reapareceram com o funeral solene do cantor Victor Jara, assassinado pelos militares no dia seguinte ao golpe de Estado; e sobretudo com o indiciamento pela Justiça, cinco dias antes do primeiro turno da eleição presidencial de 13 de dezembro, de seis homens acusados de terem participado, durante esses anos terríveis, do envenenamento de um ex-presidente da República, Eduardo Frei Montalva, porque ele havia se tornado a voz da oposição ao regime militar.

A implicação da polícia secreta de Pinochet na morte do ex-chefe de Estado, nada surpreendente, pesou no fim da campanha eleitoral. A questão da impunidade e dos direitos humanos foi destaque na imprensa, mas, aparentemente, sem grande influência sobre o eleitorado, considerando que o candidato da direita, Sebastián Piñera, conseguiu 44% dos votos no 1º turno.

Se ele vencer no 2º turno, a direita exigirá que coloquem uma estátua de Pinochet na capital, jura um ex-prisioneiro político. Nesse caso, talvez Piñera dê o nome do presidente Allende a uma avenida de Santiago.

Da Redação, com informações do Le Monde