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De tucano a cobrador de ônibus, todos ajudaram Luiza Erundina

Na mesa da secretária, um telegrama do presidente da Câmara, o peemedebista Michel Temer, misturava-se a um e-mail do cobrador de ônibus Marco Antônio e a uma gravura doada por um artista chamado Jerônimo. Foi uma coligação inusitada a que se formou em torno de Luiza Erundina.

Ex-prefeita de São Paulo pelo PT, atualmente no PSB, a deputada teve de se envolver numa campanha para arrecadar verba e pagar uma dívida de R$ 352 mil referente à única — e injusta — condenação judicial de sua vida. Em 2008, foi executada a sentença de uma ação de 20 anos atrás, que a obrigou a penhorar todos os seus bens: um apartamento de 80 m2 e dois automóveis usados.

Um integrante do PSDB foi dos primeiros a arrecadar doações. O deputado estadual Milton Flávio, vice-líder do governo José Serra na Assembleia Legislativa, reuniu em um jantar o secretário de Desenvolvimento de São Paulo, Geraldo Alckmin, e o presidente da Assembleia, Barros Munhoz, entre outros. Erundina, Alckmin e Munhoz degustaram bons vinhos até alta madrugada. “Foi agradabilíssimo”, diz a ex-prefeita.

Mas o que a surpreendeu mesmo foram as adesões de antigos adversários e inimigos. O deputado Campos Machado, por exemplo, foi advogado de Jânio Quadros (antecessor de Erundina na prefeitura) e coordenou várias ações contra ela na Justiça. O petebista lhe escreveu um telegrama e fez uma doação em nome de seu partido.

Já Paulo Buarque, ex-presidente do Tribunal de Contas do Município, protagonista de uma das maiores batalhas políticas que Erundina enfrentou em sua gestão como prefeita, escreveu uma longa carta. “Toda a perseguição que o TCM fez ao meu governo ficou para trás.”

No mais, o montante foi construído com doações menos substanciais, de movimentos sociais e de indivíduos que apoiam a deputada, especialmente mulheres. “Uma representante da União de Mulheres de Osasco me deu, enrolados num papel, R$ 220 em notas de vinte. Eram doações individuais, mas que fizeram diferença.” Uma eleitora fez uma joia: um coração que derrama uma lágrima. Anita, mulher de Paulo Freire, também optou pelo apoio por escrito. A deputada pensa em publicar esse material.

Se Erundina foi condenada por usar dinheiro público para financiar publicações em apoio à greve geral de 1989, por que outros políticos e alguns eleitores se preocuparam em ajudá-la? “Erundina é uma figura ética inquestionável, como Franco Montoro e Mário Covas”, compara Milton Flávio. E mesmo quem já a questionou voltou atrás. “O tempo mostrou que eu estava errado”, diz Campos Machado. “É uma prova de que as pessoas estão atentas, acompanham, e se importam com a ética”, arrisca a própria deputada.

Quando, em janeiro de 2008, Erundina teve suas contas zeradas e ficou vivendo de empréstimos, ficou aflita por não poder pagar as despesas do sobrinho que tem síndrome de Down e é seu dependente ou de sua irmã que está em estado terminal. “Este foi o momento mais difícil”, lembra. Foi orientada pela Mesa Diretora da Câmara a sacar o salário direto da boca do caixa. “Aquilo foi humilhante, mas temporariamente necessário.” No fim do ano, um acordo foi feito e apenas 10% de sua renda passou a ser bloqueada.

Passado e futuro

Não foi a primeira vez que Erundina se encrencou por uma greve. Quando era secretária da Administração Federal de Itamar Franco, impediu a repressão policial a grevistas que se manifestavam perto de seu gabinete. Foi demitida por telefone minutos depois. “Não nego minha origem de classe. Isso agrega as pessoas ou as afasta de vez.”

Agora quite com a Justiça, ela planeja o futuro. Está com saúde, porque “filho de nordestino pobre, se não morre antes de um ano, vive muito.” Mas, aos 75 anos, pensa em “apenas” mais um mandato de deputada federal. “Não quero ficar velhinha no Congresso. Mas política sempre vou fazer.”

Da Redação, com informações da Agência Estado