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Dalva, Herivelto e a polêmica da minissérie da TV Globo

Como expliquei no blog de Luis Nassif, infelizmente — por razões diversas — não pude ver a minissérie da Rede Globo sobre Dalva de Oliveira e Herivelto Martins. No passado, como milhões de brasileiros, também acompanhei aquela briga musical.

Por Argemiro Ferreira, em seu blog

Hoje acho saudável o empenho da Globo em investir na história de nossa música popular (mesmo com eventuais tropeços, às vezes inevitáveis) como também partirmos, na nossa análise, de uma visão cética ao examinar a veracidade ou não do que nos é contado na TV.

Um comentário no blog do Nassif alegou que Herivelto, apesar de “grande sambista, grande compositor e grande músico”, foi um “grande canalha”. De certa forma foi essa a imagem maniqueista e provavelmente injusta que ficou da briga do casal. Mas a conclusão do comentarista pareceu-me reveladora. Disse ter chegado a ela “com base nas informações da maior testemunha de toda essa história: o filho mais velho do casal, Pery Ribeiro”.

Ora, ele se referia às conclusões do livro assinado por Pery Ribeiro e sua ex-mulher Ana Duarte. Um livro publicado às pressas pela editora Globo, subsidiária da mesma corporação cuja rede de TV produziu a série, para a mesma jogada de marketing. Nada contra a sinergia dos impérios de mídia, sempre boa receita para fazer muito dinheiro. Mas terá mesmo o Pery Ribeiro escrito o livro? E se escreveu, será ele testemunha confiável?

À época da briga do casal Pery tinha uns cinco anos, creio, e morava com a mãe. Já adulto, passou a dar palpites até sobre a visita ao Brasil do cineasta Orson Welles, numa época em que era quase bebê. Num filme sobre a visita de Welles, Pery “testemunhou” como se lembrasse de tudo, embora a única relação dele com o fato fosse o detalhe de ser filho de Herivelto, que assessorava o cineasta em matéria de música, samba, carnaval, etc. Aliás, pelo que sei, não houve qualquer referência na minissérie àquele episódio.

Seria bom saber que tipo de pesquisa fez Pery ou Ana Duarte para produzir o livro bancado pela editora e pela minissérie. Jonas Vieira, jornalista e pesquisador de nossa música popular, fez juntamente com Natalício Norberto, o único livro em que o lado de Herivelto de fato apareceu. Se eu fosse o Jonas, a esta altura estaria procurando um advogado para processar eventuais plagiários que podem ter faturado muito surrupiando o que só ele e Norberto apuraram — e, pior, tomando o partido do outro lado.

Num programa de duas horas na Rádio Roquette Pinto do Rio de Janeiro, o Jonas já ofereceu sua análise crítica da minissérie. Tem autoridade para isso: o último depoimento do compositor foi feito a ele, para o livro Herivelto Martins, uma Escola de Samba, lançado em 1992, poucas semanas antes de sua morte naquele mesmo ano (uma reedição revista e ampliada está prevista para as próximas semanas).

A visão bem fundamentada de Jonas aparentemente entra em choque com o relato oportunista da Globo, que no fundo limitou-se a perpetuar a impressão dada na época pela cobertura leviana da mídia. Impressão que obviamente seria ainda a da testemunha não confiável (por ser criança e vítima da separação), que no máximo daria um bom estudo psicanalítico sobre os efeitos nocivos das brigas de casal e da má conduta da imprensa.

Jonas também foi minucioso e enfático ao analisar o assunto no seu programa da Roquette Pinto, Rádio Memória. Expôs um amontoado de erros grosseiros da minissérie — citando até personagens reais que eram negros e na Globo viraram brancos de olhos azuis (que diabo, Ali Kamel, somos ou não racistas?). Os interessados podem ouvir a gravação no website da rádio, conferir a continuação no próximo domingo e talvez ainda no seguinte, com muita música, selecionada por Jonas com extremo cuidado.