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Krugman: Banqueiros não temem investigação

Os banqueiros não têm a menor ideia

A Comissão de Investigação da Crise Financeira — o grupo oficial que pretende ser uma versão moderna da Comissão Pecora dos anos 30, cujas investigações abriram o caminho para a regulamentação dos bancos do New Deal — começou a ouvir os depoimentos na quarta-feira. Em seu primeiro painel, a comissão examinou quatro figurões do setor financeiro. E o que nós aprendemos?

Por Paul Krugman, do The New York Times,. no portal UOL

Bem, se você estiver esperando por algum momento Perry Mason — uma cena na qual as testemunhas dizem: "Sim! Eu admito! Eu fiz! E estou feliz!" — a audiência foi decepcionante. O que tivemos, em vez disso, foram testemunhas dizendo: "Sim! Eu admito! Não tenho a menor ideia!"

Ok, não em tantas palavras. Mas o depoimento dos banqueiros mostrou um fracasso impressionante, mesmo agora, em entender a natureza e extensão da crise atual. E isso é importante: isso nos diz que enquanto o Congresso e o governo tentam reformar o sistema financeiro, eles devem ignorar o conselho que vem dos homens supostamente sábios de Wall Street, que não têm nenhuma sabedoria a oferecer.

Considere o que aconteceu até o momento: a economia americana ainda está lidando com as consequências da pior crise financeira desde a Grande Depressão; trilhões de dólares em renda potencial foram perdidos; as vidas de milhões foram prejudicadas, em alguns casos irreparavelmente, pelo desemprego em massa; outros milhões viram suas economias eliminadas; centenas de milhares, talvez milhões, perderão atendimento de saúde essencial pela combinação de desemprego e cortes draconianos por parte dos governos estaduais carentes de fundos.

E este desastre foi totalmente autoinfligido. Não foi como a estagflação dos anos 70, que teve muito a ver com a alta dos preços do petróleo, que, por sua vez, foi resultado da instabilidade política no Oriente Médio. Desta vez, nós estamos em apuros totalmente graças à natureza disfuncional de nosso próprio sistema financeiro. Todo mundo entende isso -todo mundo, ao que parece, exceto os próprios financistas.

Dois momentos na audiência de quarta-feira se destacaram. Um foi quando Jamie Dimon, do JPMorgan Chase, declarou que uma crise financeira é algo que "acontece a cada cinco a sete anos. Nós não deveríamos ficar surpresos". Resumindo, coisas acontecem, é simplesmente parte da vida.

Mas a verdade é que os Estados Unidos conseguiram evitar grandes crises financeiras por meio século após a Comissão Pecora e o Congresso aprovar grandes reformas bancárias. Foi apenas quando esquecemos essas lições, e desmontamos uma regulamentação eficaz, é que nosso sistema financeiro voltou a ser perigosamente instável.

Além disso, também foi surpreendente ouvir Dimon reconhecer que seu banco nunca nem mesmo considerou a possibilidade de um grande declínio nos preços dos imóveis residenciais, apesar dos muitos alertas de que estávamos no meio de uma monstruosa bolha imobiliária.

Mesmo assim, a falta de noção de Dimon empalidece diante da de Lloyd Blankfein, do Goldman Sachs, que comparou a crise financeira a um furacão que ninguém poderia prever. Phil Angelides, o presidente da comissão, não achou graça: a crise financeira, ele declarou, não foi um ato de Deus; ela resultou de "atos de homens e mulheres".

Blankfein foi apenas inarticulado? Não. Ele usou a mesma metáfora em seu depoimento preparado, no qual pediu ao Congresso que não pressionasse demais por uma reforma financeira: "Nós temos que resistir a uma resposta (…) que visa apenas nos proteger de uma tempestade que só acontece a cada 100 anos". Essa crise financeira gigante foi apenas um acidente raro, de forma que não devemos reagir exageradamente.

Mas não há nada de acidental na crise. Do final dos anos 70 em diante, o sistema financeiro americano, livre da desregulamentação e de um clima político no qual a ganância era considerada algo bom, saiu completamente de controle. Havia recompensas cada vez maiores -bônus além dos sonhos de cobiça- para banqueiros capazes de gerar grandes lucros de curto prazo. E a forma como obtinham esses lucros era acumulando cada vez mais dívida, tanto empurrando os empréstimos para o público quanto empregando alavancagem cada vez maior dentro do setor financeiro.

Cedo ou tarde, esse sistema descontrolado ruiria. E se não promovermos mudanças fundamentais, acontecerá tudo de novo.

Os banqueiros realmente não entendem o que aconteceu ou apenas dizem o que lhes interessa? Não importa. Como eu disse, o importante agora é parar de dar ouvido aos financistas a respeito da reforma financeira.

Os executivos de Wall Street dirão que o projeto de lei de reforma financeira, aprovado na Câmara no mês passado, debilitaria a economia com excesso de regulamentação (na verdade, ele é bem brando). Eles insistem que o imposto sobre as obrigações dos bancos, recém proposto pelo governo Obama, é uma concessão rudimentar ao populismo tolo. Eles alertam que uma ação para tributar ou frear a remuneração no setor financeiro é destrutiva e injustificada.

Mas o que eles sabem? A resposta, pelo que vejo, é esta: não muito.