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Brasil: uma ilha de otimismo cercada de pessimismos

As autoridades econômicas brasileiras emitem opiniões apontando um cenário positivo para o país em 2010. Crescimento e emprego são as duas variáveis mostradas positivamente nos prognóstico para este ano. Mas no mundo desenvolvimento, o cenário é desolador. O Brasil tem condições de cumprir as metas de 2010 mesmo com o grave cenário da crise econômica global?

Por Osvaldo Bertolino

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, traçou um cenário positivo da economia para 2010 e, durante exposição na primeira reunião ministerial do ano, projetou que a taxa de investimento neste ano será equivalente a 2,7% do Produto Interno Bruto (PIB). Segundo Mantega, há perspectiva de que, no ano seguinte ao que o Brasil conseguiu controlar os efeitos da crise financeira mundial na economia interna, haja aumento de 6,1% do consumo das famílias diante de 2009.

Citando projeções do Ministério do Trabalho e do banco Credit Suisse, Mantega informou ainda que a massa salarial, incluindo as transferências, deverá crescer 6,0% em relação a 2009. Ainda na reunião ministerial, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, relacionou os critérios de inclusão de obras no projeto do PAC 2, uma continuação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para o período a partir de 2011.

Outro sinal positivo para a economia brasileira veio do presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, que na quarta-feira (20) disse que o país está na melhor posição de sua história, economicamente falando, e deve crescer pelo menos 5% em 2010. “Resumindo, depois de décadas de baixo crescimento e vulnerabilidade macroeconômica a economia do Brasil está na posição macroeconômica mais forte já vista”, disse o presidente do BC.

O bom momento econômico brasileiro atraiu investidores e a valorização do real no ano passado havia levado Meirelles a alertar contra uma euforia excessiva no mercado local e o governo a adotar um imposto de 2% sobre o fluxo externo de capital para ações e renda fixa. “A preocupação que expressamos era no sentido de evitar formação de bolhas e distorções de preços no mercado como resultado de liquidez, de excesso de liquidez ou de aperto de liquidez”, disse.

Comportamento do Copom

Meirelles disse que o Ministério das Finanças tomou medidas fiscais eficientes. “Neste momento não estamos vendo o tipo de euforia e exuberância que vimos no passado”, disse. Ele disse ainda que a produção industrial brasileira tem espaço para crescer mais sem pressionar o uso da capacidade instalada.“Se olharmos o uso da capacidade, ela está aumentando, mas ainda está abaixo do nível pré-crise”, afirmou.

Resta saber se o Comitê de Política Monetária (Copom) levará esse diagnóstico do presidente do BC em consideração. Ou se ele mesmo terá isso em conta quando precisar opinar sobre uma provável alta da Selic, prevista para logo pelo mercado financeiro. É um risco que o país corre porque uma pisada no ferio da economia neste momento pode representar um desastre. A forma como essas informações das autoridades econômicas são reproduzidas pela mídia dá a impressão que vivemos em uma ilha econômica. Não é bem assim.

Os dados da macroeconomia revelados pelo BC indicam que o país continua sendo alvo da especulação financeira — que luta para manter seus ganhos em meio à devastação provocada pela crise. A farra na bolsa saltou de -US$ 7,5 bi, em 2008, para US$ 37 bi, ano passado. O fluxo cambial em janeiro até o último dia 18, ficou positivo em US$ 816 milhões. O fluxo financeiro foi positivo em US$ 1,687 bilhão em janeiro até o dia 18, resultado de entradas de US$ 12,876 bilhões e de saídas de US$ 11,190 bilhões.

Crescimento da China

No epicentro da crise, as placas tectônicas continuam se movimentando. Na Alemanha, a Bundestag (Câmara Baixa do Parlamento alemão) e o ministro da Economia, Rainer Brüderle, informam que o país precisará de entre dois e três anos para superar a crise e recuperar os níveis de bem-estar de 2008.

O diretor-gerente do Fundo Monetario Internacional (FMI), Dominique Strauss-Kahn, disse na quarta-feira que o crescimento global está se recuperando de maneira mais forte que o esperado, e que ele deve se expandir mais rápido neste ano do que a previsão de 3% da instituição, com as economias asiáticas na frente.

Segundo ele, os bancos centrais da Ásia devem elevar as taxas de juros até setembro, uma vez que o crescimento na maioria das economias, principalmente na China, está sendo retomado mais rápido que o previsto há apenas três meses, com as exportações ganhando força. A zona do euro deve crescer 1,2% neste ano, a Alemanha 1,5%, e a Grã-Bretanha 1,2%, enquanto os Estados Unidos, a maior economia do mundo, deve crescer 2,7%.

Demissões na GM

Mas esses números são tímidos em comparação com o crescimento previsto para a China, de 9,5%, para a Índia, de 8%, e para a Indonésia, de quase 6%. Além disso, não há sinais de recuperação de uma das principais variáveis da economia: o índice de emprego. Pelo contrário. A montadora General Motors (GM), por exemplo, comunicou nesta quinta-feira aos sindicatos sua intenção de fechar a fábrica de sua filial Opel na Antuérpia (Bélgica) e despedir seus 2,3 mil trabalhadores.

Com esta decisão, a GM inicia seu plano de “reestruturação” na Europa, onde prevê suprimir 8,3 mil postos de trablho dos 50 mil existentes. A fábrica da Antuéria era considerada desde o início a mais ameaçada, apesar de também estarem em perigo milhares de empregos na Alemanha e, em menor parte, na Espanha. Os sindicatos belgas, que temiam o anúncio do fechamento, iniciaram um bloqueio da fábrica para impedir a saída de carros novos.

Nos Estados Unidos, os sinais também são negativos. A Casa Branca pediu na quarta-feira que o Congresso norte-americano aprove um aumento no limite da dívida dos Estados Unidos, classificando a questão como "crucialmente importante". "A administração apóia fortemente a aprovação de um aumento no limite da dívida pública. Tal aumento é crucialmente importante para garantir que o financiamento das operações do governo federal possa continuar sem interrupção e que a credibilidade dos EUA não seja colocada em questão", disse a Casa Branca em comunicado.

Desemprego na OCDE

Com isso, o país tenta conter os efeitos da crise, que a cada dado divulgado se mostram mais devastadores. É o caso do número de pedidos de auxílio-desemprego, que subiu na semana passada, puxado por solicitações que haviam sido adiadas pelas festas de fim de ano, informou o Departamento de Trabalho dos Estados Unidos nesta quinta-feira.

O número de pedidos subiu em 36 mil, para 482 mil, ante previsão de analistas de queda para 440 mil. O dado da semana anterior, inicialmente de 444 mil, foi revisado ligeiramente para cima, a 446 mil.A média quadrissemanal de pedidos, que aponta uma tendência de prazo mais longo, também subiu para 448.250, ante 441.250 na semana anterior.

O mercado de trabalho agravou-se. O desemprego nos países-membros da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) entre abril de 2008 e abril de 2009 aumentou em 40%, enquanto entre 2007 e 2010 haverá 20 milhões de novos desempregados. O desemprego é uma das preocupações também da ONU. Nos países ricos, a taxa de desemprego passou de 6,1% em 2008 para mais de 9,5% em 2010.

Auxílios estatais

A ONU é outra instituição que não vê motivos para otimismo. "Há um descompasso entre o mercado financeiro e a economia real. Em 2009, no lugar de aprender com a crise, voltamos a inflar bolhas e, em 2010, elas ameaçam explodir", afirmou Heiner Flassbeck, economista-chefe da Conferência da ONU para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad).

"As apostas voltaram a ocorrer no cassino e ninguém fez nada. Pior é que desta vez os jogadores do cassino tiveram subsídios de dinheiro barato injetados pelos bancos centrais. O mercado não usou o dinheiro para limpar seus ativos podres, mas para criar novas bolhas", alertou.

De acordo com o relatório Situação Econômica Mundial e Perspectivas 2010, da ONU, a remoção "prematura" de auxílios estatais à economia pode provocar uma segunda recessão. De acordo com a organização, os governos comprometeram US$ 2,6 trilhões em medidas de estímulo à economia entre 2009 e 2010 e a remoção precoce dessas provisões pode prejudicar a atual retomada no crescimento.

Caos na Grécia

Na Grécia, a luz no fim do túnel vai ficando cada vez mais fraca. O governo disse que está considerando todas as opções para cobrir suas necessidades de financiamento este ano, mesmo com a pressão sobre os títulos da dívida do país diante das renovadas preocupações sobre sua habilidade em tomar empréstimos.

Em entrevista, o ministro de Finanças da Grécia, George Papaconstantinou, disse que o governo estava analisando uma variedade de opções de financiamento para preencher suas necessidades de crédito este ano, incluindo a possibilidade de emitir um chamado bônus popular para os investidores de varejo gregos.

Ele também anunciou que vai liderar uma delegação aos EUA e à Ásia no próximo mês para se encontrar com investidores institucionais. "Estamos olhando para tudo", afirmou. "Contudo, ainda não foi tomada nenhuma decisão", disse.

Crédito soberano

A Grécia está sob feroz escrutínio da União Europeia (UE), mercados financeiros e agências de risco desde que anunciou no final do ano passado que seu déficit orçamentário vai atingir 12,7% do PIB, comparado com o limite de 3% da UE. As preocupações sobre o crédito soberano da Grécia têm pesado sobre o euro, que caiu para abaixo de US$ 1,41 pela primeira vez desde agosto de 2009.

O novo governo socialista da Grécia está mantendo conversas com investidores chineses e outros para vender parte da sua dívida. E o governo tem sugerido que pode emitir bônus denominados em dólar ou iene na esperança de despertar o interesse do investidor de países ligados àquelas duas moedas.

O país enfrenta um encargo da dívida pública que deve ultrapassar 120% do PIB este ano, segundo projeções. E, de acordo com o orçamento 2010, o governo espera pagar € 12,95 bilhões este ano – de € 12,34 bilhões no ano passado – para cobrir o pagamento de juros sobre a dívida de € 280 bilhões do país.

Perda de postos de trabalho

Esses dados já são refletidos pela percepção popular. Mary Stassinákis, em artigo publicado no Monitor Mercantil, informa que mais de 25% da mão-de-obra ativa nos Estados Unidos, União Européia e Japão estão desempregados ou exerce atividades provisórias. Ou seja: um quarto da população destes países subconsome, com terríveis resultados não só para eles próprios, mas, também, para a economia de seus países.

Diz Mary Stassinákis que alguns analistas — profissionais sérios — acreditam que esta perda de postos de trabalho não será recuperada e que o equilíbrio no setor de trabalho será reconstituído em ritmo extremamente lento e em período muito longo. A situação atual no mercado de trabalho é o ápice de uma pressão gradual que se iniciou na década de 1980. É indicativo que parte do Produto Interno Bruto (PIB) dos países mais ricos, que corresponde em salários e assistência social, reduziu-se de 10% para 7% no espaço de 30 anos.

Certezas abaladas

Com outras palavras, o papel do trabalho como fonte de melhoria do nível de vida dos cidadãos foi reclassificado "para baixo". Pela primeira vez após a Segunda Guerra Mundial, na Europa a nova geração acredita que viverá pior do que a anterior, a de seus pais. A sociedade européia reforma-se, modifica-se e, talvez, regenera-se. Mas o muito discutido "rombo social" torna-se realidade.

A autora relata ainda que as camadas populares européias, que representam 30% da sociedade, vivenciam queda de seu nível de vida, pulverização de seu poder aquisitivo e estão apavoradas pela ameaça da marginalização. As grandes ameaças já são duas: o desemprego e a insegurança. Nas camadas mais populares somam-se agora consideráveis categorias de cidadãos da outrora bem situada classe média.

Para uma considerável parcela de cidadãos europeus, a sociedade — assim como está sendo conformada — não constitui ameaça, mas promessa para um amanhã melhor. As certezas da geração pós-Segunda Guerra Mundial para emprego garantido, aposentadoria não "defasada" e Estado Social estão abaladas, sinalizando, seguramente, o fim de uma época. Início de uma nova? É certo. Melhor ou pior? Está em nossas mãos, finaliza Mary Stassinákis.