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Paulo Nogueira Batista Jr.: Um FMI asiático?

No fim de dezembro, um fato significativo passou despercebido no Brasil. China, Japão, Coreia do Sul e dez países do Sudeste Asiático assinaram a multilateralização da Iniciativa Chiang Mai, um passo na direção do que poderá ser um Fundo Monetário Asiático.

Por Paulo Nogueira Batista Jr., no jornal O Globo

A Iniciativa de Chiang Mai, lançada em 2000, resultou da insatisfação dos países do Leste da Ásia com a atuação do FMI na crise de 1997-98. Até agora, essa iniciativa consistia de uma rede de acordos bilaterais de swaps (trocas de moedas), que permitem proporcionar apoio de balanço de pagamentos em situações de emergência. Com a multilateralização, passarão a haver um único contrato e um único processo decisório.

Estou neste momento na China, depois de passar alguns dias no Japão. Aproveitei para me informar mais sobre o que estão fazendo os asiáticos nessa área. O processo de cooperação financeira regional avança gradualmente no Leste da Ásia e está bem mais adiantado do que na America Latina.

Em fins de marco, entrará em vigor um “pool” virtual de reservas de US$ 120 bilhões. O Japão e a China participam cada um com 32% desse total; a Coreia do Sul, com 16%; dez países do Sudeste Asiático (entre eles, Indonésia, Tailândia, Malásia, Cingapura e Vietnã), com os 20% restantes. O pool é virtual porque as contribuições dos participantes são potenciais, isto é, permanecem nas próprias reservas. Constituem um compromisso de desembolso no caso de algum participante ter problemas de liquidez internacional.

Os países têm acesso a financiamento até um limite máximo determinado por sua contribuição e um multiplicador. A Indonésia, por exemplo, entra com uma contribuição de US$ 4,77 bilhões e tem um multiplicador de 2,5, podendo sacar um máximo de US$ 11,92 bilhões. Um país mais pobre, como o Vietnã, entra com apenas US$ 1 bilhão, mas tem um multiplicador de 5, o que lhe proporciona acesso de até US$ 5 bilhões.

Os países participantes apresentam a Iniciativa de Chiang Mai diplomaticamete como “complementar” ao FMI. Na prática, pode haver uma certa competição com o Fundo. Segundo o economista Barry Eichengreen, por exemplo, nunca houve dúvidas de que a finalidade última da Iniciativa de Chiang Mai foi, desde o início, criar um Fundo Monetário Asiático.

Tudo indica que Eichengreen tem razão. Não obstante, o esquema ainda é embrionário. O valor de US$ 120 bilhões é relativamente pequeno. E, mais importante, as linhas da Iniciativa Chiang Mai nunca foram ativadas.

A principal razão é que, por insistência dos credores potenciais — basicamente Japão e China — há um vínculo bastante forte entre Chiang Mai e o FMI. Só 20% do acesso podem ser feitos sem a participação do FMI.

A partir daí, o país tomador deve ter um acordo com o Fundo para poder sacar os recursos. Como Chiang Mai ainda não tem uma estrutura própria de monitoramento, os credores potenciais se sentem mais seguros com a presença do FMI para saques acima desse limite.

Para que a Iniciativa Chiang Mai possa avançar será necessário atenuar e eventualmente remover a vinculação com o FMI. Os participantes já concordaram em estabelecer uma unidade independente de monitoramento regional. Ficou estabelecido que, quando esse mecanismo se tornar plenamente efetivo, o limite de 20% poderá ser aumentado, desvinculando gradualmente os desembolsos do monitoramento do FMI.

Estudo recente do Banco Asiático de Desenvolvimento observa que isso exigirá, em última análise, um corpo técnico bem preparado, assim como uma diretoria executiva, que discuta os trabalhos de monitoramento e aprove os desembolsos, a exemplo do que ocorre no FMI. Quando essas condições estiverem estabelecidas, terá surgido um Fundo Monetário Asiático, capaz de atuar de forma independente e lidar com crises regionais.

Um pouco de competição não fará mal ao FMI, instituição ainda excessivamente controlada por americanos e europeus.